Nacional

Prioridade do governo Lula, a integração das bacias do Nordeste do terceiro maior rio do país é polêmica há mais de 150 anos

Enfrentar o desafio de integração das águas das bacias do Nordeste se transformou numa das principais determinações do primeiro governo Lula. Nordestino de origem, o presidente, ao anunciar o projeto de transposição do Rio São Francisco, reacendeu consolidada discussão nacional. A polêmica tem 150 anos e já envolveu diferentes propostas. Começou a ser discutida na época do Império, durante o reinado de dom Pedro II.

Considerado o terceiro maior rio do Brasil, com cerca de 2.700 quilômetros, o São Francisco nasce na Serra da Canastra, no município de Piumi, Minas Gerais, e desemboca no Oceano Atlântico, entre Sergipe e Alagoas. Suas águas oferecem múltiplo uso, sendo convertidas para abastecimento humano, agricultura irrigada, geração de energia, navegação, piscicultura, lazer e turismo. Uma média de 13 milhões de pessoas vivem nos 450 municípios situados em cinco estados banhados pelo rio. Inicialmente chamado de Opará (rio-mar) pelos índios tupis, após seu descobrimento, em 1502, o São Francisco passou a ser conhecido pelo nome do santo, homenagem dos mercadores italianos e espanhóis. Foi denominado pela Coroa portuguesa Rio dos Currais, por ter servido de trilha para transporte e criação de gado no período colonial. O Velho Chico, apelido pelo qual ainda costuma ser chamado, ficou também na memória do povo brasileiro como o Rio da Integração Nacional, em razão de facilitar o acesso dos bandeirantes ao sertão e permitir o escoamento da produção da região durante a Segunda Guerra.

Entre 1877 e 1879 ocorreu o que ficou conhecido como a grande seca, durante a qual morreram de sede e de fome cerca de 1,7 milhão de pessoas. Tal situação levou autoridades a pensar mais objetivamente sobre os efeitos da estiagem e desenvolver os primeiros estudos a respeito das águas subterrâneas do Nordeste. A partir daí foram criados vários órgãos e programas governamentais, a exemplo da Inspetoria de Obras contra as Secas. Em substituição à entidade, o presidente Getúlio Vargas fundou o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) – passando a ser chamado nos anos 80 de Departamento Nacional de Obras (DNOS). Por iniciativa de Vargas foram feitas perfurações de poços artesianos, construção de açudes públicos e privados, reflorestamento, desenvolvimento de lavoura de seca, provocação artificial de chuvas e irrigação de propriedades. Na seqüência, foram instituídos a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), atualmente Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf ), o Banco do Nordeste (BNB) e a Sudene.

Durante os governos militares, quando se verificou a expansão do capitalismo no país, especialmente na década de 70, houve uma tentativa de modernização do setor agropecuário, baseada em investimentos externos. Contudo, o modelo de desenvolvimento implantado na região e no país não promoveu a integração social, econômica e cultural e tampouco protegeu o meio ambiente. As atividades produtivas concentradas nos pólos não absorveram a grande mão-de-obra local, na proporção de seus rendimentos e incentivos federais, fato que promoveu dramática migração. O modelo perseguido fechou os olhos para a pesca predatória, não inibiu projetos de irrigação que se valeram do uso de adubos químicos e foi igualmente responsável pela construção de barragens e hidrelétricas sem considerar a proteção do ecossistema.

O desmatamento realizado por carvoeiros, pecuaristas e agricultores, além de comprometer a flora e a fauna, deixou desprotegidas as terras das margens do rio. Não só o desmatamento como também a poluição permanecem ameaçando a sobrevivência na região. Hoje o rio está assoreado, com seu trecho navegável reduzido, com suas matas ciliares destruídas, com a pesca comprometida e poluído pelo lançamento de todo tipo de dejetos e produtos químicos.

Diante da seca de 1970 surgiram programas como o Proterra, de distrisoas. buição de terra e de estímulo à agroindústria, e o Polonordeste, voltado para a modernização da agropecuária em áreas selecionadas da região. O Projeto Sertanejo, lançado em 1976, também viria a atuar no Semi-Árido. Em 1985 o DNOS propôs a retirada de 300 m3/s, que seriam transportados através de um só canal, para reforçar a irrigação de áreas próximas aos açudes de Castanhão (CE) e Armando Ribeiro Gonçalves (RN). A revitalização do rio, porém, não estava prevista. Na época, foi implantado o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (Projeto Nordeste), que inovou com a destinação de recursos para pequenos produtores.

No governo de Itamar Franco, o projeto apresentado reduzia para 180 m3/s o volume de água a ser desviado. Além de Castanhão e Armando Ribeiro Gonçalves, seria beneficiada Santa Cruz (RN). Também não contemplava a revitalização do rio. Na ocasião, os críticos declararam que a proposta não considerava a água que seria perdida por evaporação e infiltração nem os efeitos colaterais advindos dessa transposição. O projeto do governo de Fernando Henrique Cardoso foi mais tímido. Previa a captação, para consumo e irrigação, de 48 m3/s por meio de dois canais. Além dos já citados açudes, incluía o de Epitácio Pessoa e Engenheiro Ávidos (PB) e o de Entremontes (PE). Outros 15 m3/s seriam destinados à irrigação do próprio Vale do São Francisco. Contudo, a população beneficiada seria maior que a dos projetos anteriores. O plano do governo FHC, a exemplo dos outros, ignorou a revitalização e nunca saiu do papel.

A proposta do governo Lula passou por vários estágios. O Plano Plurianual de 2004-2007 priorizou ações no setor hídrico para o Nordeste, que deverão se estender até 2015. São quatro grandes ações: a integração de bacias do Nordeste, a revitalização ambiental do São Francisco, os projetos de irrigação e a execução do Proágua, voltado para o suprimento urbano. Diante da resistência à transposição, o governo passou a denominar sua proposta Projeto de Integração das Bacias Hidrográficas Setentrionais, região que engloba Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, parte de Pernambuco e Alagoas. E declara não se tratar apenas de uma mudança de nome, mas de concepção – o projeto seria fundamental para assegurar a oferta de água aos brasileiros que habitam as regiões mais pobres do Brasil e convivem, há séculos, com a escassez e a irregularidade das chuvas.

O projeto de Lula

Projeto mais ambicioso do governo Lula, a integração do Rio São Francisco com as bacias do Nordeste Setentrional vai custar aos cofres públicos R$ 4,9 bilhões na sua fase inicial e pretende levar água a 12 milhões de pessoas, em 391 municípios. A iniciativa, no entanto, tem sido criticada por diversos setores da sociedade, que temem prejuízo ao meio ambiente e questionam a destinação da água a ser desviada. O único consenso em torno do São Francisco é sua  revitalização. A integração das bacias prevê a construção de dois grandes canais, denominados Eixo Norte e Eixo Leste, que vão retirar a água do rio e levá-la a vários municípios de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Os canais somarão cerca de 700 quilômetros de extensão. Das bacias a água seguirá para açudes e reservatórios nos municípios e deverá ser usada para consumo humano e animal.

Uma das maiores polêmicas em torno do projeto está justamente relacionada à utilização das águas. Alguns especialistas afirmam que os mananciais servirão, principalmente, à irrigação, beneficiando apenas grandes produtores exportadores, criadores de camarão e indústrias siderúrgicas. Nesse caso, a água desviada não será suficiente para atender também ao uso doméstico e os pequenos agricultores. Existe, portanto, um receio de que as águas provoquem uma guerra de interesses políticos e econômicos. Para o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco João Suassuna, a água do São Francisco não chegará às torneiras da população carente do Semi-Árido. “Quem vai ver a cor da água é o grande capital, o grande empresário que está irrigando frutas e criando camarões para exportação. São os industriais. E o rio não terá condições de atender a esses volumes solicitados”, alertou. Suassuna entende que a transposição não acabará com a “indústria da seca” e a população continuará atendida por carros-pipas.

Coordenador do projeto no Ministério da Integração Nacional (MI), Rômulo Macedo explica que o acesso à água para consumo humano e animal está garantido por lei. “A transposição leva água aos reservatórios dos municípios, que são utilizados prioritariamente para matar a sede da população. Isso está na lei”, garante. Macedo esclareceu que a transposição vai beneficiar diretamente as populações situadas a até cinco quilômetros dos canais. Segundo o coordenador, as populações difusas, espalhadas em pequenas comunidades afastadas do curso da água, serão contempladas com soluções localizadas. O representante do MI também questiona o argumento de quem diz que a água servirá ao grande capital: “O que é o grande capital? A execução de um grande projeto de infra-estrutura serve ao grande capital? Levar água para que o país possa produzir mais? Dar as condições para o desenvolvimento do país?”

Economista e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo, Tânia Bacelar defende a ampliação do debate sobre a transposição por considerar que alguns aspectos do projeto ainda não estão suficientemente esclarecidos, a exemplo da água a ser utilizada para irrigação. Diz a economista que a necessidade da água para o consumo humano é indiscutível. Porém, cobra a importância de discutir seu uso para o desenvolvimento econômico e, nesse sentido, qual o modelo a ser adotado. Teme que para o fim produtivo o volume seja insuficiente. Tal aspecto, segundo Bacelar, tem sido o pomo de discórdia das elites da Bahia, de Sergipe e Minas – estados que possuem solos bons, mas não dispõem de irrigação –, que perguntam quais critérios serão utilizados para a distribuição.

Outro ponto que provoca divergências está ligado ao impacto ambiental da medida. Ecologistas criticam a transposição por retirar água de um rio já exaurido e cobram, antes de tudo, a revitalização. Alguns estudiosos, porém, afirmam que a água desviada do São Francisco não fará falta à bacia. De acordo com o governo, apenas 1,4% da vazão média que o rio despeja em sua foz será transposto para outras bacias. “A quantidade de água retirada do São Francisco é tão pequena que nenhum equipamento, por mais moderno que seja, conseguirá reconhecer a saída da água”, garante Rômulo Macedo. Segundo ele, o projeto prevê ainda a execução de 36 programas ambientais, que têm como função prevenir, minimizar e corrigir os impactos, além de acompanhar as modificações que poderão acontecer no meio ambiente.

O Eixo Norte começa em Cabrobó (PE) e segue até o Ceará. Já o Eixo Leste vai capturar a água no Lago de Itaparica, no município de Floresta (PE) e levá-la até os municípios do Cariri paraibano, na altura da cidade de Monteiro. A expectativa é de que o Eixo Leste esteja concluído em 2010. Já o Eixo Norte, maior, deverá levar cerca de seis anos para ficar pronto

As águas vão rolar

Embora ainda provoque muita polêmica e desagrade aos movimentos sociais, o projeto de integração do São Francisco às bacias do Nordeste está mesmo saindo do papel. No início de maio, o governo federal repassou R$ 26 milhões ao Exército, destinados ao início das obras. Como o Ibama já concedeu a licença ambiental e a liminar que impedia a realização do projeto foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa é de que essa primeira etapa seja deflagrada em junho. O Batalhão de Engenharia do Exército será responsável pela construção dos primeiros seis quilômetros de dois canais de aproximação do rio com estações de bombeamento. Também serão abertas estradas de acesso a essas estações, localizadas nos municípios de Cabrobó e Floresta, em Pernambuco, e construídas as barragens de Tucutu (PB) e Areias (PE).

Paralelamente, o MI analisa 76 propostas de empresas que se candidataram à execução dos dois grandes canais que ligarão o São Francisco aos rios intermitentes do Semi-Árido. O resultado da licitação deverá ser divulgado em agosto. As vencedoras ficarão responsáveis pela construção de canais, adutoras, túneis, aquedutos e barragens. O valor desses serviços, que empregarão 5 mil pessoas, é estimado em R$ 3,3 bilhões. Estão em andamento ainda as licitações para a elaboração dos projetos executivos da transposição e para a contratação da empresa que fará a supervisão e o controle tecnológico das obras.

Na entrevista coletiva para apresentação do primeiro balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no início de maio, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, destacou os avanços do projeto, citando a obtenção das licenças ambientais e convênios e contratos já firmados. Dilma noticiou que a principal ação da revitalização do rio é o esgotamento sanitário, para o qual estão destinados, no PAC, R$ 856 milhões. Os projetos previstos para 2007 beneficiarão 165 municípios, 74 deles localizados na calha do rio.

Conforme o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), a recuperação do rio, maior reivindicação de todos os setores da sociedade envolvidos no projeto, já está em curso. Segundo ele, o governo já investiu cerca de R$ 2 bilhões em serviços de macrodrenagem, saneamento e recuperação de matas ciliares ao longo da bacia. “A revitalização não tem de ser feita antes da interligação das bacias – deve ser feita antes, durante e depois”, destacou Geddel. Paralelamente à transposição e à revitalização, o governo federal implementará o programa Água para Todos, objetivando a instalação de canais, poços e cisternas para o abastecimento de cerca de 1.800 comunidades que vivem cerca de quatro quilômetros das margens do São Francisco mas não têm acesso a água. O programa será lançado a partir de junho e vai custar aproximadamente R$ 300 milhões.

Quanto aos embates jurídicos, apesar de o ministro do STF Sepúlveda Pertence ter derrubado, no final do ano passado, a liminar que impedia o início das obras, doze ações civis contrárias à transposição tramitam no Supremo, sem previsão de julgamento. Os principais aspectos questionados nas ações dizem respeito aos possíveis impactos sociais e ambientais da iniciativa. Na avaliação de algumas entidades, as obras da transposição não deveriam ser iniciadas antes do julgamento do mérito das ações, pois, caso o STF decida paralisar a execução do projeto, haverá prejuízo aos cofres públicos. Rômulo de Macedo, no entanto, afirma que as ações não impedem o andamento da transposição, pois a Justiça já teria se pronunciado sobre a questão e provavelmente não mudará de posição.

Políticos divididos

O Projeto de Integração das Bacias, na prática, tem sido motivo de divisão entre os estados do Nordeste, refletindo conflito federativo entre doadores e receptores. O novo cenário político, resultado das últimas eleições, contudo, mostrou-se mais favorável à iniciativa, uma vez que vários aliados do presidente Lula saíram vitoriosos das urnas. Hoje, apenas Sergipe e, mais enfaticamente, Minas Gerais, estados que são apenas doadores das águas do São Francisco, questionam a iniciativa.

O governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), defende a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do senador Antônio Carlos Valadares que cria o Fundo de Revitalização Hidroambiental do rio e alerta para a necessidade de entendimento entre estados e governo federal. “Não podemos deixar que esse tema divida o Nordeste. Temos de abrir o debate. São necessárias obras de infra-estrutura hídrica que beneficiem os três estados doadores de água – Sergipe, Bahia e Alagoas”, afirmou Déda. O tucano Aécio Neves (PSDB), governador de Minas, local onde se localiza a nascente do rio, tem classificado a condução do projeto como “autoritária e danosa”. “Faltou amplitude ao debate com toda a sociedade brasileira”, enfatizou.

A Bahia, que sempre teve uma dura posição contrária ao projeto, depois da vitória do petista Jaques Wagner (PT), ex-ministro e fiel aliado do presidente Lula, viu-se diante de um impasse, e hoje o governo estadual defende a integração das bacias, embora amplos segmentos sociais baianos não concordem com tal posição. “O projeto já superou os entraves judiciais que lhe foram impostos. Afora os investimentos previstos no PAC para a revitalização e o saneamento do rio, as ações de recuperação do São Francisco já tinham recursos anuais da ordem de R$ 300 milhões, constitucionalmente assegurados. Isso deveria silenciar governos estaduais que ao longo dos anos nada fizeram pelo São Francisco a não ser assistir passivamente à sua degradação, seja pelo desmatamento de suas margens e de seus afluentes, seja pelo despejo de dejetos de muitas cidades ribeirinhas”, diz o governador. Conhecedor das polêmicas e da falta de consenso em torno do assunto, Wagner tem sugerido que o projeto seja iniciado pelo Eixo Leste, menos custoso e questionado: “Esse eixo tem o apoio de quase 100% da sociedade brasileira. Implantada essa primeira etapa, estaria provado que a obra não causou danos ao rio nem ameaçou sua sobrevivência. Toda a sociedade passaria a aceitar a implantação do Eixo Norte”.

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), também defende a realização do Eixo Leste, em uma primeira etapa. “Ouso sugerir que o governo tente avançar em trechos da obra onde não há controvérsia ambiental. É o caso  do Ramal Leste”, avalia. Segundo Campos, a nova geração de políticos brasileiros que saiu vitoriosa das urnas deve mostrar a disposição de construir um novo entendimento sobre as necessidades do Nordeste. Conforme assinalou, o objetivo primeiro do projeto é suprir as necessidades de água para consumo humano e animal, mas se houver, em uma segunda etapa, a possibilidade de disponibilizar água para projetos de desenvolvimento da região ela será bem-vinda. “Não devemos esquecer que vivemos no Semi-Árido mais povoado do planeta e, nessa imensa região, precisamos de água para beber e também para plantar e produzir  melhor”, concluiu.

A governadora reeleita do Rio Grande do Norte, Wilma de Faria (PSB), também é favorável à execução das obras, que, segundo ela, podem beneficiar diretamente até 1,5 milhão de potiguares. “Moro em um estado onde 80% do território  está no polígono das secas. Com o projeto, a água vai chegar a regiões como o Seridó, área de desertificação”, afirmou. A governadora argumenta que a engenharia sozinha não resolverá o problema da seca, mas considera a  transposição um grande passo para o Nordeste. Irmão do ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes (PSB), um dos maiores defensores da transposição,  o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), vê na obra a única maneira de “garantir segurança hídrica para uma população estimada em 3 milhões de cearenses nos próximos anos”. Em sua opinião, a resistência ao projeto é fruto de “desinformação”. “Passou-se uma versão de que o projeto traria algum  prejuízo para o rio. Isso não acontecerá”, defendeu.

Antes receoso em relação ao projeto, o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), nos últimos meses tem mudado seu discurso. “Desde o tempo do presidente Fernando Henrique (PSDB) eu defendia a transposição depois da revitalização. Agora, o governo anunciou o montante de recursos para revitalizar o rio, isso contempla a minha posição. Porém tenho ressalvas com relação à construção dos canais”, revelou, após solenidade realizada em janeiro na qual o governo federal anunciou vários investimentos para o estado.

Críticas dos movimentos sociais

A determinação do governo de levar adiante o projeto tem desagradado à maior parte dos movimentos sociais, que cobra mais diálogo sobre a transposição por acreditar ser uma opção cara, que poderá provocar danos ao meio ambiente e não garantirá a solução dos problemas de falta d’água das populações carentes do Semi-Árido nordestino. Em setembro de 2005 o bispo baiano dom Luiz Cappio virou ícone da batalha contra a transposição ao iniciar uma greve de fome, que durou dez dias. Ele afirmava que levaria o protesto até a morte se necessário, sensibilizando então o governo federal. O governador da Bahia, Jaques Wagner, à época ministro das Relações Institucionais, solicitou a dom Luiz que cessasse o protesto, afirmando que o presidente estava disposto a dialogar. Em fevereiro último, contudo, o bispo voltou à cena. Foi ao Planalto entregar uma carta ao presidente Lula cobrando a retomada das conversas com a sociedade civil, interrompidas no período eleitoral. A ida de Cappio a Brasília iniciou nova onda de mobilizações contra a transposição, uma resposta à decisão do governo de tocar as obras.

Dom Luiz aponta como alternativa à transposição as soluções contidas no Atlas Nordeste – Abastecimento Urbano de Água, trabalho elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. O documento propõe um pacote de 546 obras para dar segurança hídrica ao Semi-Árido e prevê ações como perfuração de poços e construção de barragens, que beneficiariam mais de 34 milhões de pessoas, ao custo de R$ 3,6 bilhões. Para o diretor-presidente da ANA, José Machado, no entanto, transposição e Atlas são complementares, pois parte dos municípios analisados poderá depender das obras da transposição para abastecimento doméstico em períodos de seca rigorosa. “A transposição aumenta a segurança hídrica e a oferta de água para outros usos, mas ela não resolve por si todos os problemas”, comentou.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) se alia aos críticos do projeto. “Nosso entendimento é que esse projeto inaugura o hidronegócio brasileiro, destinando grandes volumes de água a uma economia de exportação, através da  fruticultura irrigada, cana irrigada, carcinicultura, além do pólo siderúrgico do Pecém, no Ceará. Portanto, não responde aos problemas fundamentais do povo nordestino, que até hoje não tem água suficiente sequer para beber”, explicou Roberto Malvezzi, agente pastoral da CPT. Em relação ao conjunto dos bispos, a Regional Nordeste 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que engloba os estados da Bahia e de Sergipe, já se manifestou contra o projeto. Contudo, os bispos da Regional Nordeste 2, que representa Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte, são majoritariamente a favor da transposição.

Diretamente atingidas pelo Projeto de Integração das Bacias, as comunidades indígenas têm cumprido extensa agenda de debates, seminários e manifestações contrários à iniciativa. Em março, durante encontro indígena no município de Ibimirim (PE), os povos cambiuá, xucuru, capinauá, pipipã, pancararu, trucá, de Pernambuco, e tumbalalá, tupã, tuxá, da Bahia, divulgaram nota cujo texto classifica a transposição como um “projeto econômico que, na sua aplicação, vem tão-somente favorecer determinados grupos econômicos, empresas de turismo e o agronegócio”.

Na avaliação do cacique Neguinho Truká, o rio não tem condições de suportar o projeto. “Sabemos como ele está hoje. São 282 municípios jogando seus dejetos no São Francisco, 85% das matas ciliares destruídas. E os recursos para  a revitalização do rio quase não existem. Serão atingidos 26 povos indígenas, que não puderam opinar. Não vamos aceitar isso. Esperamos agora que a Justiça se manifeste sobre o assunto”, disse o cacique. Os povos indígenas  aproveitaram o Abril Indígena, tradicional período de manifestações em prol dos interesses dos índios, para protestar contra o projeto. Acampados em frente à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, cerca de 30 tribos indígenas  solicitaram um recuo na transposição.

O MST anunciou, em abril, que também não quer a transposição. O movimento agora recomenda aos seus militantes “denunciar que o projeto está vinculado ao agronegócio, à criação de camarão e ao hidronegócio, e que existem outras formas de promover uma melhor convivência com o Semi-Árido”. O movimento se propõe a divulgar que o capital estrangeiro já está comprando terras na área por onde vão passar os canais e que a água desviada do rio será “privatizada”. A decisão do governo de iniciar as obras também é criticada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Na avaliação de seus integrantes, “incertezas e contradições do projeto, levantadas pela comunidade científica, representam uma temeridade, sobretudo diante da extraordinária soma de recursos destinada ao projeto pelo PAC, somente nas etapas iniciais”.

Tereza Rozowykwiat é jornalista