Entrevista com Danilo Miranda
Entrevista com Danilo Miranda
O Sesc está presente em todos os estados do país e no Distrito Federal, mas é na regional de São Paulo que os números mais chamam a atenção. Freqüentam as trinta unidades paulistas mais de 3 milhões de pessoas por ano, que usufruem atividades de cultura, educação, lazer e saúde, possíveis graças a uma boa gestão e a um orçamento anual em torno de R$ 400 milhões. À frente da instituição no estado está Danilo Santos de Miranda, diretor regional desde 1984
O Sesc é um modelo de democratização da cultura, tem programa para todas as idades, em todos os bairros, por mais distantes que sejam, a preços acessíveis. É uma instituição que faz mais pela cultura do que os órgãos oficiais nessa área. Como se explica isso?
O Sesc nasceu de uma conjunção de fatores muito curiosos. Sabemos que o empresariado, de modo geral, não prima por uma posição democrática do ponto de vista cultural e social. No que diz respeito a negócios, quer absoluta liberdade, tanto que a livre iniciativa é seu grande paradigma, o liberalismo assumido. Mas, cada vez mais, percebe-se a importância de instâncias reguladoras, que de alguma forma organizem esse processo para garantir direitos.
A impressão que eu tenho é que, quando o Sesc foi criado nos anos 40, um grupo de empresários se deixou influenciar, ou foi influenciado, por pessoas com visão de futuro. A grande maioria não tinha essa perspectiva. Portanto, intelectuais da época, especialistas na área social e cultural, ganharam alguma importância, porque fizeram uma matriz de organização que, em primeiro lugar, estabelecia o financiamento; em segundo, garantia certa independência e relativa autonomia de atuação; em terceiro, tinha o propósito de criar uma sociedade de bem-estar, voltada para a qualidade de vida. Ou seja, sabiam que o empresariado tinha obrigações de ordem econômica para com a sociedade. Isso num período muito especial, no pós-guerra, quando as democracias ganharam no mundo inteiro. No Brasil, havia o crescimento das propostas de valorização dos trabalhadores, de forma empiricamente organizada, não como temos hoje. Eram organizações tanto com uma visão marxista como ligadas à Igreja, ao operariado mais consciente. Se o empresariado não tivesse o cuidado de gerar alguma solução para o equilíbrio social, poderia correr o risco de ver o país virar. Já tinha visto uma ameaça com a famosa Intentona Comunista de 35.
Aliás, a Intentona é a única da história do Brasil e do mundo.
Havia o risco do comunismo, “aquela fera perigosíssima”, e o empresariado estava assustado. Então, provavelmente decidiram abrir mão de alguma coisa, pagar, uma vez que o Estado não tinha condições de resolver questões que atendessem ao anseio da sociedade. Estávamos no início do processo de industrialização, que criou as condições no Brasil para uma base industrial razoável.
Antes só havia agroindústria e indústria têxtil. Não havia siderurgia, indústria pesada, de energia e de infra-estrutura. Nesse momento, tem início a indústria brasileira, graças ao “presente” do governo americano – como recompensa pela nossa participação na Segunda Guerra –, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a primeira empresa de produção de aço no país, instalada no Brasil nos anos 40. Daí o Estado brasileiro pôde criar, logo em seguida, a Petrobras. Enfim, era um momento de nacionalização das bases de uma sociedade industrial com infra-estrutura um pouco mais consistente.
Além disso, era também um momento relevante do ponto de vista cultural. Vivemos nos anos 40 o amadurecimento de uma verdadeira reflexão sobre a cultura brasileira, que havia se iniciado com a Semana de Arte Moderna, nos anos 20, com grandes pensadores da época, em um movimento liderado por São Paulo mas nacional. Graça Aranha, Di Cavalcanti, Villa-Lobos, por exemplo, não eram paulistas.
Para mim, além de Caio Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Antonio Candido, grandes nomes que ajudaram a criar um pensamento mais autônomo da cultura brasileira são Mario de Andrade e Oswald de Andrade. Teve papel relevante também essa nossa realidade que mistura conhecimento europeu, influência negra e índia, de uma forma nova. Daí vem a verdadeira literatura produzida naquele momento, com Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego – os grandes nomes do Nordeste.
Com a urbanização intensa, o processo de industrialização, a migração do campo para a cidade, São Paulo, que até então tinha pouco mais de 1 milhão de habitantes, começa a explodir. Os empresários percebem que precisam fazer alguma coisa. Assim, com recursos provenientes das empresas, são criadas algumas organizações para possibilitar, em primeiro lugar, a formação profissional dos trabalhadores para o comércio e a indústria. Nasce então a primeira delas, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o Senai. É interessante observar que a educação profissional é a primeira preocupação para a indústria, em 1942. Em seguida é criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, o Senac, direcionado à administração, gestão, organização de escritórios, de toda a parte da infra-estrutura necessária para os serviços. Depois vieram o Serviço Social da Indústria, o Sesi, e o Serviço Social do Comércio, o Sesc.
Esses dois são criados porque, além da formação profissional e dos direitos trabalhistas que vieram a ser garantidos por Getúlio no início dos anos 40, há a necessidade de proporcionar algum bem-estar ao trabalhador. Então o Estado faz um acordo com o empresariado: o governo garante em lei que todo mundo pague e o empresariado administre. A lei institui um imposto patronal, uma contribuição proveniente das empresas, calculado em cima da folha de pagamentos. O número de funcionários é que determina a necessidade de uma contribuição maior ou menor da empresa.
É por número de funcionários ou volume salarial?
É um percentual sobre salário de empregado, não é sobre o faturamento. Trata-se de um percentual simbólico, pequeno, que no decorrer destes sessenta anos diminuiu. Perceberam que era uma solução interessante. Nos últimos anos acrescentaram algumas outras instituições parecidas. Então, nesse galho de onde passou a vir recurso foi-se pendurando muita coisa, começou a vergar e pode quebrar de uma hora para outra, pondo em risco quem se utiliza disso de maneira adequada.
Essa é um pouco a origem do chamado Sistema S. Particularmente, sou um pouco refratário a esse nome, porque no Sistema S são colocadas numa mesma categoria realidades muito diferentes, com objetivos diferentes.