Sociedade

A pesquisa Idosos no Brasil apresenta vários aspectos e preocupações sobre o envelhecimento da população e as questões que mais atingem essa parcela da sociedade. O país possui hoje 18 milhões de idosos e deve chegar, até 2020, a 30 milhões. Com a palavra, os idosos brasileiros

“Envelhecer é um privilégio – só
não envelhece quem morre antes”
(frase popular, anônima)

No começo de maio último, teve início o processo de divulgação da pesquisa Idosos no Brasil – Vivências, Desafios e Expectativas na 3ª Idade, uma iniciativa da Fundação Perseu Abramo realizada por seu Núcleo de Opinião Pública (NOP), em parceria com o Sesc São Paulo e o Sesc Nacional1 . Houve uma repercussão inicial positiva, em termos quantitativos, com citação em reportagem especial no Fantástico (6/5), seguida de inúmeras matérias em diferentes veículos impressos e emissoras de rádio, Brasil afora, agências noticiosas e portais na internet.

Passada a euforia noticiosa, superficial por natureza – ainda assim importante ao promover o aumento do volume da discussão pública sobre o tema –, vale debruçarmo-nos com mais atenção sobre esse estudo. Seu conteúdo traz potencialmente subsídios para a discussão sobre as políticas públicas (ou, muitas vezes, sua ausência) voltadas para um contingente em geral pouco enfocado, que no entanto, já soma 18 milhões de cidadãos, ou 10% da população brasileira (Pnad 2005), deve chegar a 30 milhões de brasileiros em 2020 e corresponder a um quinto da população por volta da metade deste século, segundo a Organização Mundial da Saúde, mantidas as tendências demográficas atuais (diminuição da taxa de natalidade e aumento da expectativa de vida).

Como em estudos anteriores que percorreram processo semelhante de elaboração2, a pesquisa Idosos no Brasil cobre amplo espectro de temas, reflexo das preocupações das entidades e pesquisadores dedicados a essa parcela da população e às questões sociais que mais a atingem, convidados pela FPA e pelo Sesc, ainda na fase de planejamento, para definir quais seriam as prioridades a investigar. Sem deixar de levantar um perfil básico das condições objetivas de vida dos idosos, a busca por dados inéditos dirigiu boa parte das questões para a captação da percepção que as pessoas idosas e não idosas têm da velhice – a uma dimensão subjetiva, portanto, incomum a pesquisas com sociedade essa abrangência. É principalmente dessa faceta mais nove dos a do estudo que trataremos aqui.

O lado bom da velhice

A percepção da chegada da velhice está associada principalmente a aspectos negativos, tanto entre os idosos (88%) como entre os não idosos (90%). As doenças ou debilidades físicas são, para a maioria, o principal sinal de que a velhice chegou (opinião espontânea de 62% dos não idosos e de 58% dos idosos). O desânimo, a perda da vontade de viver, também é fortemente percebido como sinal de que se ficou idoso (citado por 35% dos idosos e por 28% dos não idosos) e ainda a dependência física, apontada como sinal de velhice por pouco mais de um quarto de ambos os segmentos.

Mas perguntada sobre como se sente com a idade que tem, a maioria da população idosa brasileira responde positivamente (69%): espontanea­mente se diz sobretudo satisfeita ou feliz (48%), com disposição para seus afazeres (29%), com ânimo e vontade de viver (27%). Referências negativas são citadas por dois quintos (39%), com destaque para debilidades físicas e doenças (35%).

Assim, se a velhice é preponderantemente negativa, mas a maior parte dos idosos sente-se bem, logo a maioria não se sente idosa (53%): só a partir dos 70 anos grande parte dos idosos brasileiros sente-se como tal. Sentem-se de fato idosos apenas dois quintos (39%) e 7% sentem-se idosos parcialmente, ou em certas circunstâncias. A sensação de velhice, plena ou parcial, é partilhada gradualmente com o aumento da idade: por apenas um terço dos que estão entre 60 e 64 anos (31%), por pouco mais da metade dos 70 aos 74 anos (53%) e atinge sete em cada dez idosos com 80 anos ou mais (71%) – segmento em que ainda 28% afirmam que não se sentem idosos. A população idosa aponta, em média, os 70 anos e 7 meses como o momento da chegada à velhice, contra 68 anos e 11 meses indicados pelos adultos (25 a 59 anos) e 66 anos e 3 meses pelos jovens (16 a 14 anos).

Entre a população adulta não idosa prevalece a percepção de que há mais coisas ruins do que coisas boas em ser idoso (44%, chegando a 49% entre os jovens de 16 e 17 anos); um terço pensa o contrário (33%) e afirma que tem mais coisas boas do que ruins em ser idoso; e 19% dizem que há tanto coisas boas como coisas ruins. Já entre os idosos, a percepção de haver mais coisas ruins em ser idoso cai para um terço (35% – sendo majoritária só após os 70 anos), equilibrando-se com a taxa dos que avaliam que há mais coisas boas (33%), e cresce a avaliação (23%) de que ambas, coisas boas e ruins, estão presentes em sua situação etária (ver Gráfico 1).

As melhores coisas de ser idoso/a estão relacionadas à experiência de vida, à sabedoria (citadas espontanea­mente por 21% dos idosos e por 34% dos não-idosos), e a vantagens como tempo livre para se dedicar ao que querem ou podem fazer (lembrado respectivamente por 16% e 22%), contarem com carinho ou proteção familiar (13% e 15%), gozarem de novos direitos sociais (lembrados por 12% nos dois segmentos), como prioridade em filas, gratuidade em ônibus e descontos em eventos culturais, e terem independência econômica e financeira (12% e 14%) – quase todos - têm renda própria (92%), contribuem para o orçamento familiar (88%), têm casa própria (79%, contra 64% dos não idosos) e a maioria (77%) considera-se chefe da família.

O lado ruim da velhice

Já as piores coisas que viriam com a idade reproduzem alguns traços negativos da imagem da velhice, como as debilidades físicas e doenças (citadas espontaneamente por 57% dos idosos e 49% dos não idosos) e a dependência física, precisar da ajuda dos outros, a perda de autonomia (apontada respectivamente por 14% e 24%), mas destaca-se ainda a discriminação social contra a pessoa idosa (18% e 24%). Se os jovens (16 a 24 anos) dividem-se entre os que consideram a situação dos idosos hoje no Brasil melhor (42%) ou pior (39%) “que há vinte ou trinta anos”, a maioria dos idosos avalia que é melhor ser idoso agora do que já foi antes (56%) – para 30% a situação da pessoa idosa piorou. O principal argumento dos idosos para essa percepção de melhora remete a alguns novos direitos (lembrados por 35%), destacando-se a conquista da aposentadoria (21%), gratuidade nos transportes (11%), o atendimento preferencial em filas (6%) e a promulgação do Estatuto do Idoso (6%) – do qual a maioria já ouviu falar (73%), mas poucos o leram (12%). Fizeram referência a melhorias na saúde 17% (mais e novos remédios, mais médicos e equipamentos, novas especialidades etc.) e 9% citaram mais opções de lazer para os idosos.

Entre os aspectos que teriam piorado na vida dos idosos nos últimos tempos, a principal referência é a falta de respeito (13%), sobretudo dos jovens (10%), e a questão da saúde (10%), seja pela piora da qualidade do atendimento, seja pelas condições menos naturalistas da vida moderna.

Para a maioria dos não idosos (85%) e dos idosos (80%) existe preconceito contra a velhice no Brasil, seja muito (opinião respectivamente de 52% e 43%), seja um pouco (30% e 32%). Mas poucos brasileiros admitem serem preconceituosos em relação à velhice: apenas 4% dos não idosos. A maior parte da população (75% entre não idosos e 76% entre idosos) sabe citar traços negativos da imagem que os mais jovens têm dos idosos, enquanto apenas um quinto (21% dos não idosos e 19% dos idosos) menciona algum traço positivo como componente dessa imagem. Os mais jovens veriam os idosos como incapazes ou inúteis (opinião espontânea de 31% dos idosos e de 37% dos não idosos), como ultrapassados (9% e 15%, respectivamente) e desinformados (10% e 5%); com desprezo (29% e 16%), desrespeito (24% e 16%), como passíveis de discriminação ou maus- tratos (13% e 7%).

A violência, desrespeito ou maus-tratos são presentes na vida de muitos idosos. Embora espontaneamente só 15% relatem alguma ocorrência, após uma bateria de dez modalidades de violência, mais de um terço (35%) reportou já ter sofrido alguma delas, por conta de sua idade (ver Gráfico 2). Os casos variam de violência urbana, como assaltos e estupros, cometidos por desconhecidos, a violência doméstica, física, como espancamentos e atentados contra a vida, ou psíquica, com humilhações sistemáticas, perpetrados por familiares, passando pela violência institucional de desrespeito aos direitos dos idosos, cometida por agentes públicos em hospitais, no comércio e no transporte público.

Em suma, de modo geral a imagem da velhice é mais negativa que positiva – mas está longe de ser apenas negativa, sobretudo na perspectiva da população idosa. Sem deixarem de ser críticos sobre as dificuldades específicas que enfrentam, decorrentes da idade, os idosos brasileiros valorizam mais que os não idosos os aspectos positivos de sua condição. Têm consciência e denunciam o forte preconceito social e a discriminação contra a pessoa idosa – as várias expressões do desrespeito e da invisibilidade a que muitas vezes são relegados –, mas ao mesmo tempo percebem que ser idoso hoje é melhor do que já foi ser idoso ou idosa na época em que eram mais jovens. Ou seja, melhorou, mas a luta continua, há muito por fazer.

Desigualdades e políticas públicas

No campo da saúde, uma área crucial para o bem-estar e qualidade de vida dos idosos, os serviços públicos são utilizados por dois terços (68%), 24% possuem convênio médico ou plano particular de saúde, 11% costumam pagar médicos ou hospitais particulares, 7% afirmam recorrer a medicinas caseiras e 5% contam com os agentes comunitários de saúde. Metade dos idosos (51%) afirma nunca ter recebido visita de agentes de saúde e a grande maioria (88%) nunca recebeu visita de médicos do Programa Saúde da Família. Embora cerca de quatro em cada cinco possuam alguma doen­ça (81%) – 16 enfermidades afligem pelo menos 5% da população idosa, com destaque para a hipertensão, que atinge quase metade (43%) –, em média os idosos foram a uma consulta médica pela última vez há cerca de onze meses (as idosas há sete meses e meio, os homens há dezesseis meses e meio). Dos exames que deveriam ser rotineiros, 26% das idosas declararam nunca ter feito exames ginecológicos (33% fizeram no último ano) e 42% dos idosos nunca passaram por um exame de próstata (22% fizeram no último ano). E a grande maioria dos idosos de ambos os sexos (86%) nunca foi submetida ao teste de HIV.

No plano da educação, em que estão alguns dos principais contrastes entre a população idosa e a não idosa, quase metade dos brasileiros idosos (ou seja, mais de 8 milhões) demanda a possibilidade de voltar a estudar – seja em busca de alguma formação ocupacional técnica, ou mesmo algum curso do terceiro grau, seja meramente para dar continuidade ao ensino formal, precocemente interrompido ou nem sequer iniciado, como foi o caso de 18%. Ao todo, 89% não passaram do ensino fundamental, contra 44% dos não idosos, e 49% são analfabetos funcionais, contra 14% dos não idosos. Apenas 10% costumam utilizar computador com alguma regularidade, contra 55% dos não idosos, e só 4% navegam na internet, ainda que de vez em quando, contra 45% dos não idosos (ver Gráfico 3).

No campo do trabalho e da aposentadoria, entre os idosos que integram a População Economicamente Ativa (22%, dos quais 11% já aposentados), apenas 5% estão no mercado formal e a maior parte (15%) no informal, atuando sobretudo de modo temporário, fazendo bicos (12%). Entre os dois terços aposentados (64% dos idosos), cerca de um quarto afirma ter tido dificuldade para enfrentar essa nova fase da vida e apenas um em cada vinte diz ter recebido algum preparo para essa transição – evidenciando a necessidade, mas quase inexistência, de políticas específicas para a aposentadoria.

Entre as atividades de lazer mais realizadas, assistir à TV é uma prática quase unânime entre os idosos brasileiros (93%). Ouvir rádio faz parte do lazer de 80% deles e cuidar de plantas é prática de cerca de dois terços (63%) e mais realizada entre as mulheres (72%, contra 52% entre os homens). Cerca de metade dos idosos tem o hábito de ler (52%) e 43% cuidam de animais. São todas atividades indoors, mas, se pudessem “decidir livremente, sem se preocupar com qualquer problema”, prefeririam fruir seu tempo livre em atividades externas, a começar por passeios e viagens (35%).

No plano das acessibilidades, um terço da população idosa (35%) declara encontrar dificuldades para andar nas ruas e calçadas das cidades onde vive, um quarto da população idosa usuária tem dificuldades com os transportes públicos e 11% têm dificuldades no acesso a prédios públicos, como bancos, shoppings, repartições públicas etc.

Resumos à parte, vale lembrar que as médias podem ser enganosas, sobretudo num país como o Brasil, tão atravessado por desigualdades de classe social, de gênero, raciais e regionais. Fica, portanto, o convite aos interessados pelos temas e envolvidos com as diferentes políticas públicas aqui referidas para aprofundar a análise deste breve relato, buscando mais e outros dados correlatos da pesquisa Idosos no Brasil no portal da FPA.

Gustavo Venturi é doutor em Ciência Política é mestre em Sociologia pela USP, coordenador do NOP e diretor da Criterium Assessoria em Pesquisas

 Colaboraram Rita Dias e Vilma Bokany, analistas do Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo