Mundo do Trabalho

CUT debate ações sindicais para enfrentar a precarização do trabalho a partir de três dimensões: a organização dos terceirizados, negociação coletiva e proposta de legislação

Nos últimos quinze anos, a terceirização tem sido apontada, em grande parte dos cursos de administração, como uma das maiores inovações organizacionais. Inúmeras empresas brasileiras – pressionadas pela necessidade de redução de custos, em face da abertura econômica – passaram a se concentrar no seu core business, isto é, nas suas atividades principais, e buscaram terceirizar tudo o mais que fosse possível. Na teoria, enfatizam-se os ganhos da especialização e da cooperação advindos da nova relação entre empresas. Consultores apontam o outsourcing como o caminho para a modernidade. Sublinham também a vantagem que a terceirização traz na transformação de gastos fixos em variáveis: se o faturamento cresce, compra-se mais o serviço; se o faturamento cai, reduzem-se os pedidos do serviço terceirizado, com a ausência de rescisões e multas trabalhistas.

Não tendo sido a fronteira da “atividade-fim” claramente definida em cada empresa, as terceirizações proliferaram, ultrapassando rapidamente as atividades tradicionais de apoio (“atividades-meio”) − tais como limpeza, portaria, telefonia, contabilidade e alimentação – e alcançando áreas consideradas nucleares em cada um dos negócios. Nos bancos, a terceirização atingiu a compensação de cheques e os caixas de atendimento; na indústria automobilística, a montagem de pneus, a pintura e a ferramentaria; no comércio, o trabalho dos caixas de supermercados; nos hospitais, setores como o laboratório clínico. Essa invasão da atividade-fim se deu em praticamente todos os ramos e setores.

O modismo não se limitou ao setor privado. “Prefeitura terceiriza zona azul”, “Governo paulista quer terceirizar parques”, “Secretário propõe terceirizar o Detran”, “Brasil já tem prisões com administração  terceirizada”, “Cobrança da dívida ativa poderá ser terceirizada no município”, “Estado inaugura hospitais terceirizados” – são apenas alguns dos vários títulos de notícias envolvendo a terceirização no setor público. Emblemático o depoimento do atual ministro do Trabalho no qual afirmou que, no próprio Ministério, há um grande número de trabalhadores terceirizados, que nem são aprovados em concurso público nem representam cargo de confiança. A propósito, cabe reconhecer que o governo federal vem buscando implantar um programa de “desterceirização” no setor público.

Ainda que em vários casos a qualidade do serviço terceirizado tenha caído – como reconhecem hoje vários gerentes –, verificou-se de fato uma forte redução de custos. No Brasil, contudo, isso não se deveu apenas à especialização da empresa terceirizada, mas também porque, de modo espúrio, o processo amalgamou-se com o incremento da jornada de trabalho, o aumento do ritmo de trabalho e a existência de salários e benefícios muito mais baixos dos terceirizados. Não raro, eles são informais, sem direito em carteira e não-sindicalizados. É o que acontece, por exemplo, na construção civil.

Nesse contexto, emergiram problemas de toda ordem ligados ao processo de trabalho. É comum ver manchetes de acidentes de trabalho envolvendo terceirizados sem experiência e sem treinamento na extração de petróleo e em serviços relacionados à geração e distribuição de energia. Lotes de cheques são extraviados e cadastros dos clientes são repassados indevidamente sem que os bancos queiram assumir suas responsabilidades, alegando que o problema aconteceu com “terceiros”. Recentemente, os jornais noticiaram o caso de um jovem carteiro terceirizado que escondia em sua casa toneladas de cartas, já que as metas de entrega eram por ele consideradas impossíveis de ser cumpridas. Esse é o lado da terceirização que as exposições dos consultores não costumam mostrar.

Ao longo desse período, os sindicatos procuraram resistir e apontar os malefícios da terceirização, sobretudo em razão do modo como o processo vinha se dando no Brasil. Mas nem por isso a terceirização deixou de difundir-se aceleradamente. Assim, se é válido valorizar as campanhas sindicais de enfrentamento realizadas no período, é preciso fazer também um mea-culpa. Foram poucos os sindicatos que buscaram associar a resistência às terceirizações com inovações no campo dos acordos e convenções coletivas, delimitando e restringindo o processo por meio também da negociação. Pecamos igualmente porque, no passado, não fizemos uma forte pressão para a elaboração e aprovação de uma lei de regulação da terceirização. Embora importante, a Súmula 331 do TST, que é o único instrumento legal regulador da terceirização no Brasil, está muito longe de ser suficiente para impedir o processo de precarização do trabalho. Sem contar ainda o fato de que parte do Judiciário aceitou o discurso da terceirização como ferramenta de modernização das empresas.

Face a tudo isso, há cerca de dois anos a Central Única dos Trabalhadores (CUT), por meio da Secretaria Nacional de Organização, tem discutido um conjunto de novas ações sindicais de enfrentamento do tema, que podem ser reunidas em três dimensões: organização e representação de  trabalhadores terceirizados, negociação coletiva e proposta para uma legislação. Fruto desse processo, a Central aprovou, no início de julho deste ano, sua proposta de projeto de lei para a regulamentação da terceirização no  Brasil, que foi incorporada ao PL nº 1.621/2007, de autoria do deputado federal Vicente Paulo da Silva, ex-presidente da CUT, em tramitação no Congresso Nacional desde julho.

A aprovação desse projeto constitui um passo essencial para que a terceirização, tão decantada como ferramenta inovadora de gestão, não seja mais identificada, isto sim, como um dos mais eficazes instrumentos de precarização das relações de trabalho.

Proposta para regulamentação

Pontos que compõem a proposta da CUT, incorporada a projeto de lei:

1. A terceirização na atividade-fim da empresa é proibida;

2. Na atividade-fim, somente poderá haver trabalhadores diretos;

3. Garantia aos terceirizados das mesmas condições de salário, jornada, benefícios, condições de saúde, ritmo e segurança no ambiente de trabalho;

4. Informação prévia aos sindicatos quanto à pretensão de implantar projetos de terceirização (seis meses de antecedência);

5. A empresa tomadora é proibida de manter empregado em atividade diversa daquela para a qual ele foi contratado pela prestadora de serviços;

6. Empregados da prestadora não poderão ser subordinados ao comando disciplinar e diretivo da tomadora. Esta não poderá exigir a pessoalidade na prestação de serviços;

7. A contratação de prestadoras de serviços constituídas com a finalidade exclusiva de fornecer serviços de mão-de-obra é proibida, ressalvados os casos previstos em lei;

8. Responsabilidade solidária da tomadora no cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, no tocante ao período em que ocorrer a prestação dos serviços pelos empregados da prestadora;

9. A prestadora é obrigada a fornecer à tomadora, mensalmente, a comprovação do pagamento dos salários, do recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS – informações que serão fornecidas também às representações sindicais sempre que solicitadas;

10. A tomadora assegurará o pagamento de salários, décimo terceiro salário, férias e recolhimento de FGTS, se a prestadora deixar de cumprir esses compromissos
com seus trabalhadores;

11. Haverá vínculo empregatício entre  a tomadora e os empregados da prestadora sempre que presentes os elementos que caracterizam uma relação do emprego previstos na CLT;

12. O sindicato dos trabalhadores poderá representar os empregados judicialmente, na qualidade de substituto processual.

Denise Motta Dau é assistente social, mestra em Saúde Coletiva e  secretária Nacional de Organização da CUT [email protected]