Economia

Economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fala sobre o instituto e as possibilidades de desenvolvimento econômico para o Brasil

Por que mudanças o Ipea vem pas­sando e quais são as prioridades do instituto?
O Ipea tem mais de 40 anos e constitui uma tecnocracia capaz de contribuir no desenvolvimento de projetos e planejamentos de dimensão nacional, na estruturação do aparelho do Estado. Seu papel foi importante justamente no período em que o país experimentou uma forte expansão da atividade econômica. Na transição do regime militar para a democracia, pela lógica do curto prazo, o planejamen­to perdeu prioridade nos governos que se sucederam. Essa mudança na orientação teve impacto no instituto, que passou a ter suas atividades de investigação mais para contribuir no debate de políticas públicas. Desde de julho de 2007, quando se tornou subordinado ao Núcleo de Assun­tos Estratégicos da Presidência da República, revigorou sua missão de pensar o Brasil, especialmente com a perspectiva do longo prazo. Portanto, para desenvolver essa atribuição, o Ipea precisa reestruturar-se.

Em primeiro lugar, fortalecer-se como instituição voltada para a pes­quisa aplicada a políticas públicas, ao compromisso do governo e à própria agenda da sociedade. Em segundo lugar, estar preparado para o planejamento e o redesenho das próprias políticas públicas num regi­me democrático. Não se trata de uma tecnocracia que faça planejamento entre quatro paredes. É preciso ouvir a sociedade e contribuir na gestão pú­blica do conhecimento. A experiência neoliberal no Brasil nos anos 1990 criou uma lógica de gestão privada do conhecimento e de competição entre aqueles que o produzem. Nosso papel passa a ser também ajudar a gestão pública, constituir uma série de rede de pesquisas, análises e in­terpretações que unam os diversos institutos do Brasil, sejam estaduais, universidades públicas ou privadas, sejam instituições multilaterais, como a Unctad, a OIT, a Organização Mun­dial da Saúde, a OCDE, a Cepal. O ob­jetivo, fundamentalmente, é oferecer à sociedade, em especial aos gestores públicos, elementos que ajudem a redefinir as políticas públicas no Brasil e, ao mesmo tempo, apresentar visões a respeito do futuro brasileiro num período singular de transformações do capitalismo mundial.

Quando o país perdeu o foco do médio e longo prazo no planejamento, o Ipea entrou em uma lógica de valorizar somente suas pesquisas, perdeu o contato com outras instituições e voltou-se para organizar o consenso em torno de determinadas questões. Nossa preocupação é organizar o dis­senso, permitir que a sociedade tenha uma visão plural dos temas tratados, sobretudo em termos de economia e sociedade. Dentro dessa busca de pluralidade, estamos preparando um concurso para ampliação dos quadros, cujo objetivo é tratar dos temas em sua totalidade. Um tema econômico precisa evidentemente ser tratado por economistas, mas não só. A economia precisa ter o olhar da história. Para fazer pesquisa num país continental, num momento tão complexo de trans­formações do capitalismo brasileiro e mundial, tem de haver cooperação nas mais diferentes disciplinas do conhecimento produzido interno e externamente.

Como fica com relação ao acompanhamento da política econômica?
Uma parte da questão econômica diz respeito à condução mais conjuntural, ao câmbio, às políticas monetária e tributária, que perde importância na atual administração do Ipea. Há várias instituições no Brasil que produzem estudos conjunturais. Continuaremos a acompanhar a con­juntura, mas nossa ênfase é o médio e longo prazo, precisamos voltar a ter planejamento no país, nos interessa saber em que medida a condução da política macroeconômica vem fazen­do com que o Brasil se aproxime ou se distancie do que a gente realmente pode ser.

Por exemplo, o lpea nos fornece condições de avaliar o impacto que a crise norte-americana pode ter no país?
O debate que a mídia apresenta sobre esse tema é, na maioria das vezes, uma discussão cifrada, até empobrecida. Claro que esse tipo de informação interessa à sociedade, mas em geral as avaliações empobrecem a temática. A situação que os EUA estão vivendo não é nova. Tivemos um ciclo entre 1944 e 1973, em que o arranjo institucional financeiro mundial ti­nha uma conduta, a presença de taxa de juros fixas, rigidez na definição do câmbio norte-americano etc. A experiência das instituições de Bret­ton Woods, que se encerra na crise de 1973. De lá para cá, a situação da economia mundial, norte-americana e da periferia do capitalismo tem sido de forte instabilidade. Foram cerca de trinta situações em que ocorreu osci­lação e instabilidade no sistema finan­ceiro internacional. Os EUA viveram períodos comparáveis ao que vivem hoje, houve grave crise no Japão, por exemplo, que levou mais de dez anos para ser superada.

A realidade da economia mundial tem uma forma de gestão monetária e financeira que leva a crises repetiti­vas no capitalismo. Inicialmente, nos anos 1990, mais presentes nos países periféricos, como México, Coréia e até Brasil; agora atinge o núcleo do capi­talismo mundial. É uma característica da natureza do capitalismo no período mais recente. A superação dessa si­tuação não será simples nem rápida, possivelmente leve dois anos ou mais, de tal forma que a economia brasilei­ra, como outras, poderá sofrer mais ou menos, dependendo do tipo de deci­são que se tome internamente.

O Brasil tem uma experiência histórica, em momentos de crises no centro do capitalismo, de tomar decisões que o retirem da situação de vulnerabilidade. Na crise de 1929, por exemplo, tivemos uma mudança institucional com Getúlio Vargas, adotando um conjunto de políticas heterodoxas que permitiu ao Brasil sair do quadro em que vivia e passar por cinco décadas de estabilidade monetária e expansão econômica. Tivemos uma situação próxima a essa em 1973, com a crise da economia americana. Ainda sob o regime militar, o Brasil implantou o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e, ao contrário da recessão mundial, teve expansão que fortaleceu a estrutura produtiva brasileira na segunda me­tade da década. Atualmente, pode­mos, de forma simplificada, dividir o debate travado em duas linhas: há aqueles que acreditam que o Brasil deve se apequenar frente à situação econômica internacional e adotar políticas monetárias restritivas, cortar gastos públicos, ou seja, interromper o período de expansão econômica relativamente curto. Essa é lógica das consultorias, dos economistas-chefes dos bancos centrais, que estão dando suas opiniões nos jornais: "O governo Lula deve elevar os juros no limite, cortar o gasto público, interromper os investimentos públicos." E há aqueles, especialmente os que estão à frente da política econômica brasileira, que defendem fortalecer a economia nacional e continuar a trajetória de expansão. O Brasil precisa dar um passo mais firme no que diz respeito a seus próprios investimentos, forta­lecer o PAC, continuar suas políticas de inclusão social, pois assim evitará as vulnerabilidades.

Em sua opinião, a longo prazo o Brasil tem chance de assumir outro papel no mundo?
As instituições internacionais - o Banco Mundial, o FMI -, como perderam parte de sua função, não conseguem oferecer aos países uma visão de médio e longo prazo. Parte do debate econômico nos dias de hoje, sobre o longo prazo inclusive, está contaminada pelas lógicas "curto-pra­zistas" associadas a visões de bancos, por exemplo, e não de instituições públicas. Mas, enfim, as consultorias dizem que o Brasil faz parte do Bric (grupo dos principais países emergen­tes), que em 2020 será uma das nações líderes etc. Evidentemente somos um país, do ponto de vista técnico, que reúne as condições para assumir uma posição mais próspera. É um país em construção, em que falta praticamen­te tudo - estrutura, estradas, portos, telecomunicações -, há carência so­cial, desde saúde, hospitais, escolas, universidades. Há muito o que fazer no Brasil, possível apenas com cres­cimento econômico. O país não redu­zirá a distância que o separa do que é hoje do que realmente pode ser se não houver decisões que contrariem interesses, especialmente, daquelas que ganharam nas últimas décadas com certa paralisia do país.

A crítica neoliberal ao Estado Bem-Estar Social reiterou que a possibilidade do emprego formal e do pleno emprego tinha ficado para trás. No Brasil tem apresentado um crescimento no n mero de trabalhadores com carteira assinada, o que de certa manei desmente isso. É possível sustentar esse processo a longo prazo?
A experiência do primeiro governo Lula foi elucidativa do potencial que o Brasil tem de negar as teses que ganharam força nos anos 1996 Diziam que a indústria não gerava mais emprego, os assalariados estariam co os dias contados, a formação profissional seria a "salvação da lavoura, o custo-trabalho impedia a geração de emprego, enfim, uma séria de visões que ganharam proeminência e con­duziram parte das políticas adotadas durante o governo Fernando Henrique No primeiro governo Lula, percebeu-se que, com a melhor presença do Brasil na economia mundial e com o fortale­cimento do mercado interno, era pos­sível não apenas reduzir o desemprego como gerar empregos assalariados com carteira assinada, especialmente na indústria. Os dados recentes negam as teses passadas, não é problema de cus­to de contratação, o emprego formal e o que mais cresce no país, a questão da Previdência começa a ser resolvida à medida que a própria expansão eco­nômica sustenta mais empregos.

Não vejo nenhum obstáculo a que essa situação se mantenha. O Brasil por ser um país continental, com uma população relativamente grande - a quinta maior do mundo -, tem possi­bilidades de continuar o crescimento econômico e social. A questão é saber qual crescimento queremos? Por exemplo, a solução do transporte no país passa pelo transporte individual? Vamos querer que cada um tenha con­dições de comprar um automóvel? A seguir nessa visão, sem planejamento, deixando que o mercado por si só crie condições para a ampliação do consu­mo, haverá uma sucessão de apagões, porque a estrutura produtiva do país é moldada a partir de uma visão de que o desenvolvimento brasileiro estaria fundado no mimetismo do padrão de consumo dos países ricos. O que deu certo nos países ricos, segundo Celso Furtado, seria um mito para nosso país. Não há condições de chegarmos ao padrão de consumo como dos paí­ses ricos - de cada quatro pessoas, três possuem automóvel, isso seria passar de 40 milhões de automóveis, para 120 milhões, 140 milhões.

Em primeiro lugar, o impacto am­biental disso seria enorme; em segun­do lugar, os recursos necessários para viabilizar tal padrão de consumo viriam de desvios orçamentários. Tendo como exemplo que o problema do transporte seja resolvido pelo uso do automóvel, vamos ter uma crescente pressão para que os investimentos estejam voltados para o transporte individual, mais estradas, pontes, estacionamentos.

Esses recursos, na maioria das vezes, serão públicos, sairão do orçamento municipal, estadual, possivelmente subtraídos da saúde, da habitação, da educação, como é a experiência nacio­nal. Quando tivemos o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, os planos dos governos militares, todos foram voltados basicamente para a estrutura econômica, praticamente sem nenhum planejamento e nem mesmo recursos para a área social.

A experiência brasileira não é do desenvolvimento, é do subdesenvol­vimento. Como é um país de renda per capita muito baixa, para que uma parte da população tenha acesso a bens de luxo é necessário que se aprofunde a concentração da renda, e isso viabilizou uma estrutura material voltada para uma parcela muito pe­quena da população. O problema do transporte aéreo no Brasil é exemplo disso. Cerca de 5% a 6% da população tem acesso ao transporte aeroviário nacional, não chegando a 10 milhões de usuários. No entanto, esse tema é recorrente nos meios de comunicação. O transporte que interessa à popula­ção não é o aeroviário. Se pensarmos em um país com desenvolvimento menos desigual, significa inclusão de mais pessoas, em vez de 10 milhões de usuários de transporte aéreo, passar a 60 milhões. Imagine o investimento necessário em aeroportos.

Qual é a importância de uma refor­ma tributária progressiva, para a construção de um Estado de Bem-Estar Social no Brasil?
A experiência no século 20 voltada para a eqüidade indicou que a tribu­tação tem dois papéis fundamentais. Primeiro, a constituição de fundos públicos, direcionados para uma in­fra-estrutura básica tanto para a eco­nomia quanto para a sociedade. Isso só pode ser feito com investimento público, que depende de tributação, de arrecadação. Os fundos públicos também são importantes na comple­mentação de renda ou na garantia de renda daqueles segmentos que não têm no mercado de trabalho uma oportunidade. Por exemplo, os apo­sentados, os doentes, os deficientes físicos. Outro papel da tributação diz respeito à eqüidade, à justiça tributá­ria. Isso significa tributar mais aqueles que possuem mais, a progressividade dos tributos.

No caso brasileiro, avançamos mais no aumento da carga tributária, na receita, mas praticamente nada no que diz respeito à eqüidade tributária. Por um lado, quem paga fundamen­talmente os impostos no Brasil são os pobres. Quem ganha até dois salários mínimos compromete quase a metade de sua renda com tributos - tributos esses que derivam da estrutura tribu­tária regressiva por meio do forte peso dos impostos indiretos, embutidos no custo final. Por outro lado, o Brasil não avançou muito na tributação direta, não há impostos sobre riqueza, por exemplo, e os dois impostos sobre a propriedade, o imposto territorial rural e o IPTU, não oneram como deveriam as maiores propriedades. E, por fim, o Imposto de Renda não tem aproveitado seu potencial para corrigir as distorções de renda e riqueza.

Como seria possível, com essa cor­relação de forças políticas, uma re­forma tributária mais justa?
Estamos vivendo um momento em que o debate sobre a tributação, do ponto de vista da qualidade do tributo, veio à tona em função da vo­tação da CPMF. Um dos argumentos da oposição para rejeitá-la foi que se tratava de um tributo que onerava os pobres. Consciente dessa situação, a oposição precisaria ter oferecido outro imposto em substituição, uma vez que não considera a CPMF adequada. Mas apenas utilizou esse argumento para evitar que os benefícios da CPMF continuassem atendendo a população mais pobre, essa arrecadação tinha grande impacto na saúde. Em função desse tema colocado, há uma boa oportunidade de o próprio governo oferecer uma proposta de reforma tributária em que a correção de rumos leve em conta a eqüidade. É preciso começar reconhecendo que os ricos do país, grandes proprietários rurais, bancos, banqueiros, os detentores da riqueza financeira, não contribuem em nada com os fundos públicos do nosso país.

Outra falácia neoliberal que vem caindo por terra é o déficit estru­tural da Previdência brasileira ou sua insustentabilidade. Como aprofundar uma nova dinâmica previdenciária?
Parte dos temas de reformas de­fendidos pelos segmentos que lutaram pela redemocratização do país en­contra-se praticamente contaminada pela visão liberal conservadora. Por exemplo, a reforma do Estado, hoje defendida por conservadores com o objetivo de reduzir o Estado. O Brasil precisa de uma reforma profunda, que possibilite integração e articulação das políticas públicas frente à complexida­de da sociedade. Precisamos de uma reforma que permita ampliar drasti­camente o número de funcionários públicos. Nas últimas duas décadas perdemos 2,5 milhões de funcionários públicos, cerca de 8% dos ocupados do país são funcionários públicos; em 1980 eram quase 13%. Nos países desenvolvidos esse número equivale de 18% a 30% do total dos ocupados. É uma falácia dizer que o Brasil tem muitos funcionários públicos. O país precisa de mais médicos, professores, pesquisadores.

O tema Previdência está também contaminado pela visão liberal con­servadora equivocada de quem acha que se investe mais em pessoas idosas do que em crianças. Não dá para pen­sar o idoso, de forma isolada, porque parcela importante das famílias é chefiada por essas pessoas.

O que se chama Previdência no Brasil é diferente do que é em outros países. Por exemplo, compara-se o regime geral da Previdência, que é praticamente a previdência do setor privado, com previdência do setor público, que têm papéis diferentes. A previdência do setor público tem papel de política de pessoal. Uma que os salários são muito baixos, no geral, a aposentadoria termina sendo um atrativo para manter as pessoas exercendo seu trabalho, diferentemente do regime geral da Previdência, que no nosso país não funciona com seguro. Nesse regime, as pessoas que hoje contribuem somam 45% do total dos ocupados, uma parcela muito pequena. Com esse contingente não se forma o fundo de capitalização que depois de 30, 35 anos, o contribuinte tem acesso ao recurso capitalizado ao contrário, é o regime de participação simples, ou seja, aquele que contribui com a Previdência oferece recurso para pagar os inativos. Entre os inativos temos mais de 6 milhões de pessoas que, embora recebam recursos como aposentadas, são trabalhadoras rurais que, praticamente não contribuíram com a Previdência, mas passaram a ter um salário mínimo mensal em função do avanço que representou a Constituição de 1988. Só que esse público deve ser financial por recursos orçamentários, estabelecidos pela Constituição de 1988 que almejou criar um orçamento da Seguridade Social. Lamentavelmente até hoje não temos Seguridade Social que seria um conjunto de receitas voltadas para o financiamento da saúde da assistência e da Previdência.

O debate em torno da Previdência é muito confuso e termina privilegiar do os interesses daqueles que a vêem estritamente como custo que deve ser cortado, quando na verdade tem sido um dos principais instrumentos para redução da desigualdade e da pobreza em nosso país.
Quais são os entraves para a implantação mais ágil do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)?
O PAC é uma visão correta, orga­niza uma agenda de investimento, pelo menos de quatro anos, e é uma das principais mudanças do segun­do mandato de Lula, em relação ao primeiro. No segundo governo há um compromisso com o crescimento econômico, 5% ao ano, e para isso é necessário um conjunto de investi­mentos, que estão organizados numa agenda. O Estado reassume uma responsabilidade que havia sido per­dida. Ocorre que o Estado que temos enfrenta uma série de dificuldades para realizar as políticas públicas. Nos anos 1990, tivemos uma série de polí­ticas antifuncionários públicos, sem reajustes, valorização, qualificação e renovação de quadros. Praticamente não avançamos nas instituições e em quadros voltados para o gasto adequado, o investimento no médio e longo prazo. Essa carência se reflete na própria gestão do PAC.

Que alternativas temos no Brasil à dinâmica combinada da financeiri­zação e dos grandes conglomerados privados, que se reposicionam para bloquear ajustes distributivos de renda de caráter mais estrutural?
A financeirização da riqueza é um aspecto novo no capitalismo e implica uma série de constrangimentos na organização produtiva do capital. Não vejo isso apenas como um defeito, há algumas possibilidades que nos abrem uma perspectiva diferente. A predomi­nância da lógica da financeirização no mundo, especialmente no Brasil, cria obstáculos para investimentos produtivos. O principal desafio do capitalismo brasileiro é saber que agenda precisa estabelecer para a transferência desses recursos da lógica financeira para a lógica produtiva.

É preciso uma ação combinada que permita, simultaneamente, a redução da taxa de juros no país e uma agenda de investimentos que ofereça rentabilidade superior à dos bens financeiros. Hoje os ganhos oriundos de investimentos produtivos são infe­riores aos garantidos pelas aplicações financeiras, e isso é um obstáculo ao crescimento. Por outro lado, a redução simplesmente da taxa de juros sem que existam aplicações produtivas interessantes, atrativas, pode fazer com que saia parte dos recursos hoje no Brasil. A dificuldade é ter um cenário positivo e atrativo para o investimento produtivo, especialmente o investimento privado.

Parte desse cenário está sendo construída pelo PAC. Se pergun­tarmos a um grande capitalista por que não investe em fábrica, neste ou naquele setor, ele dirá, em primeiro lugar, que tem dificuldade de realizar investimento de longo prazo porque não sabe se continuará a ter energia no país; em segundo lugar, não sabe se haverá crescimento econômico, olhando as últimas duas décadas, pois houve forte oscilação das atividades econômicas e um crescimento pífio. Se não há garantia de estrutura, energia, nem de crescimento, não há ânimo para investir. O PAC é um momento importante porque o governo está se comprometendo em garantir energia, transporte adequado e, portanto, as condições necessárias para viabilizar em torno de 5% de crescimento. Esta­mos dando um passo importante para possibilitar uma queda drástica na taxa de juros porque, em simultâneo, temos condições concretas para ga­rantir o investimento de longo prazo. A distribuição de renda no Brasil é muito concentrada. Quando incorpo­ramos 1% dos pobres, estamos falando em torno de 6 milhões de pessoas, há um impacto enorme no consumo de alimentos, vestuário, enfim, vários setores.

Então, a dar continuidade a essa experiência mais recente do governo Lula, é lógico que isso motivará o investimento privado a sair do circuito financeiro para o circuito produtivo. Estamos vivendo um momento bas­tante sensível desse governo. Se o go­verno Lula resistir à pressão para pôr o pé no freio, para que a taxa de juros suba, para conter o gasto público, cortar investimento, não vamos jogar fora, mais uma vez - como no Plano Cruzado, em 1986, e no Plano Real, em 1995 -, a oportunidade de dar um passo fundamental. Se ele não aceitar essa pressão e, ao contrário, pisar no acelerador, poderemos entrar num ciclo de crescimento sustentável, que permitirá amenizar de forma impor­tante os obstáculos que a financeirização impõe ao capitalismo de maneira geral.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate.