Política

Entrevista com o presidente reeleito do PT, Ricardo Berzoini

Reeleito presidente do PT em segundo turno, com 118.540 votos, Ricardo Berzoini faz uma avaliação do último Processo de Eleições Diretas (PED) e aponta os principais desafios para a nova direção do partido, entre eles o congresso da juventude petista, a formação política, a comunicação partidária, a relação com os movimentos sociais, as eleições deste ano e os debates sobre 2010

Qual sua avaliação do PED?
Uma avaliação positiva, pelo com­parecimento da militância e por estarmos dando consequência ao 3° Congresso - elegemos a direção mandatada para cumprir suas deliberações - e, ao mesmo tempo, verificamos um cenário preocupante em relação a como são feitos os acordos políticos dentro do partido. Isso vale para todas as chapas e correntes. Merece, por parte da nova direção, um debate sobre as eleições, as relações políticas internas e como aperfeiçoar a politização do processo - permitir que de fato as circunstâncias municipais, estaduais e nacionais não se confundam com o processo que elege desde o zonal até o nacional.

Você proporia separar...
Não vejo uma solução nem simples nem fácil. Precisamos estabelecer critérios mais claros da relação dc filiado com o partido. Trata-se de um problema que transcende o que o PED revelou. Para muitos de nós - e conversei com pessoas de várias correntes -, é necessário pensar melhor quem é o filiado pleno do PT, que tipo de discussão política tem de acumular, que nível de relação e informação deve ter e como se processa sua relação comas correntes ou com o partido enquanto instituição. Isso vale também para os mandatos.

Às vezes funcionam como corrente.
Ou administrações que passam a funcionar como correntes quando assumem o governo, no plano muni­cipal, estadual e federal.

Quais são os principais desafios para o PT neste período de dois anos?
Um de curtíssimo prazo é a elei­ção municipal. Temos a obrigação de, nacionalmente, dar conta de um bom diagnóstico sobre o PT nos mu­nicípios, nos quais governamos e nos quais somos oposição. Preparar o par­tido, do ponto de vista político, suas direções estaduais e municipais, para termos um bom desempenho. Por outro lado, executar as deliberações do 3° Congresso do partido.

Nas resoluções há uma série de demandas, aprovadas por consenso ou por ampla maioria, que precisam ser executadas. Como o congresso da juventude; nossa política de comu­nicação - algo que preocupa muito porque um partido de massas precisa ter mecanismos de comunicação eficazes para lidar com essa enorme militância -; a política de formação, pelo acesso ao instrumental teórico e experiências práticas que ajudem na capacitação política dos filiados; e o Código de Ética, que suscitou o debate que evolui positivamente, porque permitiu discutir ética parti­dária e como devemos trabalhá-la no sentido mais amplo das relações pes­soais, institucionais e de coerência política com o projeto transformador representado pelo PT. Não podemos nos ocultar por trás de um símbolo sem ter um compromisso com a ela­boração de uma política que nos faça avançar de fato para uma sociedade diferenciada.

Como vê a política de alianças para as eleições deste ano?
De um ponto de vista mais am­plo, seria termos relações com toda a base aliada do governo Lula e até, em algumas cidades, dependendo das circunstâncias, com partidos de oposição ao governo federal. Estrategi­camente diria que devemos trabalhar para reconstituir ou fortalecer relações com os partidos da esquerda tradi­cional brasileira, mesmo levando em conta que muitos deles são bastante heterogêneos em sua composição. Além disso, fortalecer a relação com o PMDB, que tem papel importante, porém é muito heterogêneo, com se­ções estaduais que são contrárias ao PT. Mas o PMDB, por sua capilaridade e pelo que representa no imaginário nacional ainda no período do combate à ditadura, é um partido com o qual sempre devemos trabalhar para buscar uma composição possível, obviamente resguardadas as situações regionais intransponíveis, como em estados onde há relações de enfrentamento.

Esse mandato vai até 2009 e de cer­ta forma tem responsabilidade de encaminhar o processo com relação à sucessão presidencial, em 2010.
Na prática, em 2009 já estará aberto o debate sobre a sucessão de Lula e o PT fará parte dele. Primeiro apresentaremos programa e estarão postos os nomes que serão especulados pela sociedade, pela imprensa e também dentro do partido. Então, não resta dúvida de que esta direção tem tanta ou maior responsabilidade de construir o caminho para a vitória em 2010. No meu entendimento, o cami­nho é abrir o debate sobre programa, que permita que as possíveis candi­daturas se construam a partir dele, e simultaneamente dialogar com o presidente da República, que terá um papel destacadíssimo nesse processo, pois, como liderança, política e ad­ministrativamente, terá grande apelo como cabo eleitoral, será um eleitor de primeira grandeza e colocará em jogo a continuidade ou não do projeto que liderou neste período.

Portanto, a capacidade de colar o PT ao presidente Lula e ao governo é determinante para nosso sucesso, além da política de alianças que vai ser complicada porque sabemos que vários partidos da base têm o desejo e a legitimidade de lançar candidatos e vão querer dialogar sobre isso. Pre­cisamos, de um lado, ter preparo para uma candidatura forte e, de outro, a abertura para conversar com os de­mais partidos.

Há interpretações diferenciadas da resolução do Congresso sobre essa questão. Alguns interpretam que o PT terá candidato próprio e outros entendem que o partido tem to­das as condições de postular, mas haverá um diálogo com os outros partidos da frente. Qual sua interpretação?
Na verdade, a resolução que foi aprovada expressou uma tentativa de acordo num cenário de divergências. Vários companheiros defendiam como se tivéssemos uma declaração quase na forma de um decreto "O PT terá candidato". Na minha opinião, o PT terá candidato porque é pouco provável que esteja, em 2009/2010, numa situação de debilidade, de fragi­lidade que não se encoraje a ter. Mas, por outro lado, precisamos dialogar com os demais partidos se queremos construir alianças e trabalhar num cenário de uma certa coalizão política na eleição. É preciso também saber ouvir. A resolução é inteligente para afirmar que terá candidato e ao mesmo tem­po não fecha a porta para conversar com os demais partidos. É óbvio que depois de cinco eleições em que o partido teve candidato, depois de 8 anos liderando um governo bem-sucedido, como é nossa avaliação do período passado e a projeção para o futuro, não temos razões para imaginar que o PT chegue às eleições de 2010 sem candidato.

Como imagina o processo de esco­lha com pelo menos cinco pré-can­didatos dentro do PT? Prévia?
O ideal é construirmos uma so­lução política, e aí a participação do presidente Lula vai ser determinante porque poderá ajudar a conduzir o processo para evitar uma prévia. Mas como o PT teve prévia até em 2002, quando o presidente Lula era favorito e o senador Eduardo Suplicy reivindicou o direito de disputar, não é impossível que tenhamos de passar por isso. Pode ser, quem sabe, que inclusive ajude a fortalecer essa can­didatura. As prévias podem muitas vezes criar arestas que dificultam a convivência ou criar mobilização que permita aos vencedores e vencidos se juntarem numa grande mobilização posterior e, ao mesmo tempo, dar pu­blicidade ao debate programático, de tática e estratégia durante o processo. O ideal é não ter, mas, se tiver, vamos trabalhar para fazer dessa dificuldade algo positivo.

Parece que há um mosaico mais amplo na composição do DN. Como vê esse trabalho com essa diversi­dade de representação, ou seja, a unidade do partido?
O PT está em um momento de dis­putas, mas também consolidando uma cultura de coesão política quando é necessário. E simultaneamente é uma renovação silenciosa. Se observarmos os delegados no 30 Congresso - a pes­quisa que a Fundação Perseu Abramo realizou mostra isso -, veremos que muitos nunca tinham sido delegados a um evento nacional do PT. Nos di­retórios regionais e municipais, pelo que pude observar até agora, há uma grande renovação de quadros, gente que tinha menor participação e agora está assumindo responsabilidades. No Diretório Nacional, acredito que ha­verá uma renovação parcial dos qua­dros, vamos combinar a experiência de quem já participa da instância há muito tempo com outros estreantes. A diversidade está contemplada numa lógica política, ou seja, existe identida­de de diagnóstico em vários aspectos. O Congresso e o PED mostraram isso, mesmo quando era necessário dife­renciar por causa da disputa eleitoral, percebíamos pontos de contato para fazer pontes políticas que permitam ao PT avançar. Creio que montaremos uma Executiva com essa diversidade e responsabilidade partidária. Não vejo razão para que não tenhamos uma Executiva que funcione bem, que seja capaz de debater o interesse do partido, o projeto político acima do interesse de cada corrente.

E a relação com os movimentos sociais?
Uma questão fundamental para o PT, neste período que antecede as eleições de 2010, e em pleno processo eleitoral de 2008, é não permitir que a agenda eleitoral - que é extremamente desgastante e consome boa parte da nossa pauta - ponha de lado a seguin­te diretriz que o Congresso apontou: aprofundar o debate, as estratégias um método de relacionamento con os movimentos sociais.

O PT, nas suas origens, era 80% movimento social e sindical e 20% institucional e, com o passar do tem. po, o crescimento do partido quase inverteu essa relação. É importante o equilíbrio. Não podemos perder de vista que o PT está presente em todos os estratos da administração pública e nas disputas político-par­lamentares. Por outro lado, é o único partido do país com a capilaridade dos movimentos sociais, de ter gente do movimento de moradia, da terra, de mulheres, negros, homossexuais, de luta por direitos específicos, e essa capacidade é que faz a riqueza do PT. Ela é muito mais viva e espontânea do que as relações institucionais, em que muitas vezes as condicionantes aca­bam travando o debate político, e se não tiver esse motor para impulsionar o PT pode ficar um partido menos pu­jante, menos capaz de se renovar em termos de elaboração política. Esse debate é fundamental: como manter uma agenda permanente com os mo­vimentos sociais e formular políticas que permitam seu crescimento.

O movimento sindical enfrenta o debate instigante sobre como fica a CUT a partir da decisão do PCdoB de impulsionar uma nova central; se a Central fica com um perfil mais partidário ou se abarca outros seto­res; e como organizar a juventude, já que esse é o debate que o PT precisa fazer para construir sua oxigenação e ter uma agenda para um país jovem como o Brasil, com uma agenda da educação, da segurança, da cultura, a partir de uma visão da juventude. O

Ricardo de Azevedo é presidente da Fundação Perseu Abramo.