Economia

PEC 233/08 é a segunda proposta de reforma tributária enviada pelo presidente Lula ao Congresso. Agora o momento é outro!

A segunda proposta de reforma tributária apresentada pelo governo Lula sofre resistência política, em função do cenário econômico e das dificuldades dos governadores

Estamos diante de uma grande oportunidade de reformulação do sistema tributário nacional, de modo a beneficiar o país, os estados, os municípios e, principalmente, o povo brasileiro. O debate já começou em torno da proposta de emenda constitucional da reforma tributária (PEC nº 233/08), encaminhada ao Congresso Nacional, em 28 de fevereiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a segunda proposta de reforma tributária apresentada pelo governo Lula. A primeira se deu em 2003, quando um conjunto de medidas foi aprovado, principalmente no âmbito da União.

O leitor certamente se lembra da imagem do presidente Lula, acompanhado de todos os governadores, caminhando em direção à Câmara dos Deputados para entregar as duas reformas do seu primeiro mandato. A reforma da Previdência foi aprovada integralmente, visando ao equilíbrio do sistema. Já a reforma tributária sofreu maior resistência política, em função do cenário econômico e das dificuldades dos governadores, sobretudo dos estados maiores, de enfrentar duas grandes reformas ao mesmo tempo. Agora o momento é outro – o Brasil mudou! Nossa credibilidade internacional, o crescimento sustentável, o desenvolvimento industrial, o aumento da oferta de emprego e os indicadores positivos da economia são ingredientes importantes dessa discussão. Sem minimizar a complexidade do tema para a União, estados e municípios, esse novo ambiente positivo em que o Brasil se encontra nos leva a crer na aprovação da proposta pelo Congresso Nacional.

Debate democrático

O governo do presidente Lula acredita na construção de consensos, no debate democrático e na conquista, paulatina, das propostas que modificam a estrutura econômica, social e política do país. Essa decisão de caminhar o máximo possível conforme os preceitos constitucionais, respeitando a ordem democrática e o acúmulo das discussões no conjunto da sociedade, permitiu avanços importantes para todos. E é por causa dessas mudanças que o cenário deste ano é tão diferente do de 2003.

Um exemplo foi a reforma da Previdência, que relatei na Câmara dos Deputados, cujo resultado está expresso nas Emendas Constitucionais nº 41 e 47. As modificações no Regime Próprio dos Servidores Públicos apontam para o equilíbrio do sistema, evitando que a sociedade, anualmente, tenha de aportar mais recursos no seu financiamento. De 2003 a 2005, a necessidade de financiamento do Regime Próprio dos Servidores caiu de 3% do PIB para 2,4%. O fato de reverter uma curva histórica ascendente, em direção ao equilíbrio, por si simboliza o acerto da reforma. Não apenas garante a continuidade do pagamento de aposentadorias e pensões futuras como reduz o comprometimento cada vez maior de recursos escassos, liberando-os para outros investimentos de que a sociedade necessita.

Mesmo com a resistência encontrada na reforma tributária de 2003, conseguimos solucionar boa parte dos problemas da União. Foi naquela reforma que tratamos do compartilhamento de cadastros e informações fiscais (União, estados e municípios), ficou autorizada a repartição dos recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para estados e municípios e criamos instrumentos para isenção de impostos para setores específicos. Também avançamos na isonomia tributária entre produtos nacionais e importados e abrimos a perspectiva de tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte. Isso permitiu que, em 2007, entrasse em vigor a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, simplificando a vida de 98% dos pequenos negócios comerciais, industriais e de serviços. Uma lei, aliás, que conta com a aprovação e a simpatia de 75% dos pequenos empresários, conforme pesquisa do Observatório das Micro e Pequenas Empresas do Sebrae.

Também contribuem para a melhoria do cenário que acolhe a nova reforma tributária a criação da Receita Federal do Brasil e a entrada em vigor da Lei de Recuperação de Empresas, que permite a reestruturação de empresa em dificuldade financeira, além dos resultados positivos dos indicadores macroeconômicos do Brasil (veja quadro comparativo abaixo).

Indicadores macroeconômicos do Brasil
2003 2007
Crescimento do PIB (%) 1,1 5,4
Inflação (IPCA - %) 9,3 4,5
Exportações (US$ bilhões) 73,2 160,7
Saldo comercial (US$ bilhões) 24,9 40,0
Reservas internacionais (US$ bilhões) 49,3 180,3
Superávit primário (% do PIB) 3,9 4,0
Déficit nominal (% do PIB) 4,7 2,3
Dívida líquida do setor público (% do PIB) 52,4 42,8
Fonte: Ministério da Fazenda

A nova reforma tributária

A proposta de reforma tributária apresentada pelo governo é resultado de um amplo debate realizado com estados, municípios, empresários e trabalhadores no último ano. São medidas importantes e fundamentais para resolver os principais problemas do sistema tributário nacional: complexidade, cumulatividade, guerra fiscal e tributação excessiva da folha de salários.

Queremos simplificar e desburocratizar o sistema em relação aos tributos federais e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A proposta é a extinção de cinco tributos já no segundo ano de vigência da reforma. Eles seriam substituídos pelo Imposto sobre Valor Adicionado (IVAF), sem que haja aumento ou perda de arrecadação. Os tributos a ser extintos são a Cofins, a contribuição para o PIS, a Cide e a contribuição sobre folha para o salário-educação. A CSLL seria incorporada pelo imposto de renda pessoa jurídica.

Dentro dessa lógica de simplificação também se insere o ICMS, recolhido pelos estados. Existem hoje 27 legislações sobre o tema, dificultando e prejudicando o desempenho do setor produtivo. Pretende-se unificar essa legislação, dando alguma flexibilidade aos governos estaduais para o estabelecimento de alíquotas diferenciadas para um número limitado de bens e serviços.

A guerra fiscal tem-se mostrado predatória para o pacto federativo e o crescimento econômico, impondo-nos modificações na cobrança do ICMS em transações interestaduais. Atualmente a cobrança ocorre no estado onde a mercadoria é produzida (na origem). A proposta é que o imposto seja devido ao estado onde a mercadoria é comercializada (no destino). Como forma de mediar os interesses estaduais, a proposta é que 2% do ICMS fique no estado de origem da mercadoria, sendo o restante transferido para o estado de destino, por meio de uma câmara de compensação. Essa metodologia desestimulará a guerra fiscal e será implantada, gradativamente, ao longo de oito anos, permitindo o planejamento dos estados e a equalização dos compromissos já assumidos.

Uma das propostas mais importantes é a desoneração da folha salarial.Pretende-se diminuir de 20% para 14% a contribuição dos empregadores para a Previdência Social. O Executivo terá noventa dias, após a reforma, para enviar projeto de lei formalizando a redução. Essa medida, associada à extinção da contribuição para o salário-educação, significa uma redução de 8,5% no valor da folha de salários das empresas, concorrendo para a geração de empregos com carteira assinada e a competitividade. Pretende-se também avançar na desoneração da cesta básica, como, por exemplo, o pão, o açúcar e o óleo de soja.

Outra idéia é corrigir as distorções no sistema tributário com a desoneração completa das exportações, a redução da cumulatividade e o fim do favorecimento às importações. Além disso, a introdução da Nota Fiscal Eletrônica facilita o trabalho das empresas e possibilita a identificação das distorções ainda existentes no sistema de arrecadação.

O desenvolvimento regional está contemplado na proposta de reforma tributária. Pretende-se criar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que viabilizará a aplicação dos recursos da Política de Desenvolvimento Regional (PDR). Os recursos seriam ampliados do equivalente a 4,1% da arrecadação do IR e do IPI para 4,8%. Serão garantidos os investimentos estruturantes, conforme diretrizes estabelecidas pelas superintendências regionais, como a Sudene e a Sudam, e Ministério da Integração Nacional. Trata-se de um aperfeiçoamento da Política de Desenvolvimento Regional, cujos projetos serão executados de forma descentralizada por estados, municípios, associações de municípios ou entidades locais.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já declarou que o impacto previsto dessas medidas chega a elevar em 10% o PIB brasileiro. E não é para menos, pois empresários, trabalhadores e governos só têm a ganhar com a simplificação, a desoneração tributária da folha de pagamentos e da cesta básica e o aumento da competitividade empresarial. A continuidade do crescimento econômico e da geração de empregos traz benefícios para todos.

A reforma tributária possível é a resultante do maior consenso a ser construído entre o governo, a sociedade e seus representantes no Congresso Nacional. O Brasil já avançou muito desde 2003, mas é preciso avançar mais. E a reforma tributária que estamos discutindo prepara as condições para ampliar o desenvolvimento do Brasil num futuro bem próximo, principalmente, nos governos que sucederão o presidente Lula. Portanto, é uma reforma que pertence ao país, feita para o Brasil.

Aos deputados e senadores cabe a responsabilidade de escrever essa história.

José Pimentel é deputado federal (PT-CE), membro efetivo da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, foi relator-geral do Orçamento da União 2008