Mundo do Trabalho

A Convenção 158 e a 151 da OIT, ao ser ratificada, coloca fim às demissões imotivadas e estabelece negociação permanente no setor público

Foto: Valter Campanato/ABr

Estamos vivendo um período de definições em torno de conquistas importantes para a disputa entre a classe trabalhadora e o capital. Há propostas em curso que podem consolidar no plano institucional alguns instrumentos que fortalecerão o sindicalismo para além de governos ou conjunturas.

Trata-se de tornar definitivas propostas progressistas que apontam para maior justiça social e equilíbrio na distribuição dos frutos do progresso e do desenvolvimento. O período é propício devido à vigência do governo Lula e também por termos um crescimento econômico superior aos observados nas últimas décadas.

A luta pela ratificação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da ONU, insere-se nesse contexto e está acompanhada de outras bandeiras que a CUT vem empunhando desde seu nascimento – por muitos de nós, antes disso – e estão próximas de se concretizar. As conquistas dependem principalmente da mobilização da CUT e das demais centrais que vêm se somando à agenda e, em paralelo, de uma articulação consistente no Congresso Nacional, cujo crivo é essencial para que as reivindicações se incorporem ao cotidiano brasileiro.

Contra a demissão imotivada

Se ratificada, a Convenção 158 estabelecerá como política de Estado o fim das demissões imotivadas como recurso indiscriminado, saída fácil para qualquer obstáculo ou ferramenta empresarial para conter o avanço dos salários. Na vigência da convenção, antes de demitir o patrão deverá comunicar aos trabalhadores e ao sindicato que os representa a demissão e justificá-la. O sindicato, em seguida, avaliará se as razões apresentadas pelo empregador são justas ou se há uma outra forma de resolver a questão e abrirá um processo de negociação com a empresa. O objetivo é encontrar uma alternativa à demissão.

Processos semelhantes já existem no Brasil, em setores em que os sindicatos estão bastante fortalecidos. O Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia-CUT-SP), por exemplo, conseguiu firmar acordos coletivos que estabelecem uma série de obstáculos às demissões. Foram acordos importantes na defesa de bastiões durante o processo de desmonte neoliberal da estrutura pública paulista, que em nenhum momento impediram o crescimento das empresas do setor elétrico estadual e muito menos restringiram a geração de novos empregos.

Costumo citar outro exemplo de negociação bastante simbólico e conhecido. Nos poucos saudosos anos 1990, a câmara setorial do setor automotivo encontrou uma alternativa histórica às demissões em massa anunciadas pelas montadoras, que enfrentavam grave crise. Os sindicatos cutistas puxaram uma força-tarefa, formada por trabalhadores, empresas e governo federal, que resultou na redução de impostos, preços e margens de lucro e em mudanças na linha de produção, dando origem aos carros de mil cilindradas no país. Aquela experiência mostrou que o freio a um ato unilateral do empresariado poupou não só os trabalhadores das empresas, mas toda a cadeia econômica brasileira. Com uma prática civilizatória, a onda de demissão foi suspensa e as empresas pavimentaram o caminho para os recordes de produção e venda registrados hoje em dia.

A ratificação da 158, com seu caráter normativo, deve espraiar tal política por todos os setores econômicos. Não sem, é verdade, a adaptação das empresas e também dos sindicatos. Será necessário qualificar-se para uma tarefa muito mais complexa do que simplesmente homologar demissões.

Criatividade e inteligência estratégica

Não há razão para o temor que vem sendo disseminado por representações empresariais, com eco em colunas econômicas. Com criatividade, inteligência estratégica e uma dose extra de compromisso, o empresariado estará capacitado a enfrentar a nova situação. Pequenos empreendimentos, assim como sindicatos com pouca estrutura, terão mais dificuldade na etapa de adaptação, mas é tarefa das grandes entidades representativas transmitir o acúmulo histórico e formativo necessários à mudança.

Para compor com a Convenção 158, precisamos da Organização por Local de Trabalho (OLT), mecanismo que o movimento sindical vem construindo em alguns setores e quer consolidar em todo o país. Onde existe, a OLT antecipa-se a confl itos, apresenta propostas e soluções produtivas de grande valia para os sindicatos e empresas, que, mediante a luta dos trabalhadores e os acordos coletivos resultantes, a entendem como uma ferramenta moderna que em nada atrapalha seus negócios, ao contrário.

Alguns porta-vozes do empresariado, apesar de experiências como as que citamos, têm dito que a 158 vai gerar desemprego, pois “fechará a porta de entrada” ao estipular regras mais civilizadas para o uso da porta de saída. Outro argumento que têm usado é de que diminuiu o número de empregos em países que a ratificaram – como Alemanha, França, Espanha e Suécia.

O Estado de Bem-Estar Social, tal como implementado na Europa do pós-guerra e mantido como resistência ao neoliberalismo recente, estabeleceu regulações contra o processo selvagem de acumulação do capital sobre os trabalhadores e nem por isso o continente perdeu competitividade ou patinou na pobreza. Todos sabemos que em países europeus, se houve redução do ritmo de crescimento dos empregos em certos períodos, foi em razão da diminuição do crescimento econômico e a várias condicionantes estruturais, e não à regulação contra a demissão imotivada.

Crítica semelhante já vimos a respeito de processos de valorização do salário mínimo, como se patamares mais elevados prejudicassem a geração de emprego e o crescimento. Os números recentes demonstram o contrário e corroboram a tese de que o desejo social por dinâmicas mais civilizadas deve ser estimulado.

Protagonismo dos trabalhadores

Creio que a tentativa de espalhar terror em torno dessa mudança está ligada, na verdade, ao fato de amplos setores do empresariado não aceitarem a idéia de maior poder dos sindicatos – assim como se dá a rejeição a um governo democrático de origem popular e com agenda que alterou prioridades. A Convenção 158 e a 151 – que estabelece negociação permanente no setor público –, bem como o reconhecimento legal das centrais, apontam para um papel protagonista dos trabalhadores na condução da política e da economia brasileiras. É claro que devemos ter bem definido esse diagnóstico e, movidos por ele, empenhar-nos para que tanto a 158 quanto a 151 sejam ratificadas e depois regulamentadas. A CUT não espera do PT nada menos que uma posição única e veemente em defesa dessas bandeiras.

Por outro lado, há dúvidas em nossas bases. Espalhou-se por intermédio dos jornais a tese de que a 158 vai criar a estabilidade no emprego ou, ainda, acabará com a figura da demissão sem justa causa, e portanto todos perderíamos direito às verbas rescisórias.

Esclareça-se: nos casos em que a demissão não puder ser evitada, os direitos rescisórios estarão mantidos – aviso prévio, FGTS, seguro-desemprego, férias e décimo terceiro salário proporcionais. A multa do FGTS, criada em 1966 como substituta da estabilidade no emprego, deve ganhar nova conformação a partir da chegada da 158. Tal mudança deve passar por regulamentação – o que não significa necessariamente seu fim.

Segundo nota técnica elaborada pelo Dieese, há três situações distintas para o fi m da relação de emprego:

a) o término por motivo relacionado ao comportamento do empregado (o que, no nosso caso, equivaleria à “justa causa”);

b) o término por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, a serem previstos na regulamentação da convenção;

c) o término injustificado, que não atende aos quesitos anteriores e, portanto, deveria levar à readmissão do empregado, ou ao pagamento de indenização adequada, ou ainda outra reparação que se considerar apropriada.

Todo o detalhamento das mudanças acarretadas pela Convenção 158 deve ser objeto de regulamentação. Para tanto, se necessário, enfrentaremos o processo de aprovação de uma lei complementar. De qualquer maneira, a CUT tem projetos consistentes sobre temas relacionados ao novo escopo normativo que surgirá. Podemos citar como exemplos o projeto de regulamentação da automação e o projeto de regulamentação das terceirizações.

Mais democracia

A Convenção 158, assim como a 151, ambas enviadas ao Congresso Nacional em 14 de fevereiro pelo governo federal, é fruto de entendimento internacional e já adotada em 34 países. No Brasil, a 158 está em acordo com o parágrafo 7º, inciso 1º, da Constituição Federal, que prevê: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros, (...) relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar (grifo nosso), que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.

Como já mencionado, uma das principais razões para defendermos a entrada em vigor da 158 é a alta rotatividade no mercado de trabalho. Em momentos de crescimento, a rotatividade funciona como ferramenta perversa para impedir a recuperação do poder de compra dos salários. Em 2007, segundo análise do Dieese, 44% dos trabalhadores foram vítimas da alta rotatividade. A diferença salarial entre um demitido e aquele que o substitui foi da ordem de 10% no mesmo ano. Em números absolutos, em 2007 foram admitidos 14,3 milhões de brasileiros. No mesmo período, foram demitidos 12,7 milhões. É fácil supor que muitos fazem parte das duas estatísticas. Enquanto isso, tantos outros não conseguem acesso a empregos decentes.

Todos perdem. O Ministério do Trabalho prevê que em 2008 serão gastos R$ 13,2 bilhões para pagamento de seguro-desemprego, valor que poderia ser investido em outros programas, como requalificação profissional. Segundo o mesmo ministério, as demissões em 2008 devem atingir 9,7 milhões de brasileiros, o que representa cerca de 30% do mercado formal de trabalho.

Os resultados negativos propagam-se – salários menores, menor consumo. Há também a instabilidade e o medo quanto ao futuro, razão do adoecimento por estresse de 91% dos trabalhadores e de 83% das trabalhadoras, segundo pesquisa recente. Maior instabilidade, menor possibilidade de planejamento e de investimento – portanto, menor consumo.

Por tudo isso, a CUT quer ver votadas este ano as ratificações das Convenções 158 e 151 e a aprovação da redução da jornada sem redução de salários, o que vai consolidar, como já disse, conquistas que não poderão ser torpedeadas em outra conjuntura. Não queremos ver repetidas situações como a denúncia feita por FHC contra a 158, em 1996 – retrocesso contra o qual há uma ação movida pela CUT através da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM) no Supremo Tribunal Federal. Queremos, sim, ampliar a democracia nas relações de trabalho no Brasil.

Artur Henrique da Silva Santos é presidente da Central Única dos Trabalhadores.