Sociedade

Para deixar de liderar ranking da violência homofóbica, o Brasil mobiliza população GLBT em conferência inédita

Século 21, doze paradas realizadas na maior cidade do país, homossexualidade pautada em novelas, leis e ações afirmativas para acabar com o preconceito. Avançamos, então? Um pouco, mas não o suficiente. O Brasil ainda desponta como um dos líderes em violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais ou  LGBT.

As paradas do orgulho LGBT foram crescendo a cada ano. No caso paulistano, passaram de 2 mil participantes, em 1997, a mais de 3 milhões de pessoas nas ruas, em 2008, reafirmando direitos e desejos geralmente combatidos e oprimidos pelo cotidiano construído a partir do ponto de vista heterossexual. As paradas são grandes festas, é verdade, mas o histórico mostra que, em meio aos trios elétricos, go-go boys dançando e fantasias variadas, foram momentos de apresentar propostas de reflexão, exigir direitos, combater o preconceito e, principalmente, defender a diversidade.

Neste ano, a 12ª Parada do Orgulho Gay de São Paulo foi para a avenida “cantar” que “Homofobia mata! Por um Estado laico de fato”. O medo, a aversão ou o ódio a homossexuais mata mesmo. Segundo o antropólogo e presidente do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de homossexuais.

De acordo com levantamento feito em jornais e revistas (não há estatísticas oficiais), em 2007 foram mortos 122 gays no país. No mesmo período, no México, segundo colocado, foram 35 pessoas. Os Estados Unidos vêm em terceiro, com 25 casos de homicídio. “Vivemos um verdadeiro ‘homocausto’”, disse o antropólogo.

A Associação Brasileira GLBT divulgou dados coletados nas paradas de Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, de 2003 a 2006, que varia de 56% a 70% o número de pessoas que relataram ter sofrido discriminação em razão de sua sexualidade. Experiências de agressão têm índices mais consistentes, entre 58% e 65% nos quatro anos do levantamento.

A senadora Fátima Cleide (PT-RO), da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT, lamenta que o projeto de lei 122/06, que visa tornar crime o preconceito e a discriminação contra homossexuais, na pauta da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, esteja há um ano sem decisão. A Frente Parlamentar Evangélica faz manobras que adiam a votação. O que mostra que a chamada deste ano da parada paulista, por um Estado laico, precisa mesmo ser levada a sério. Para Fátima, enquanto nada é decidido, dezenas de homossexuais são assassinados no Brasil. “A nossa luta constante contra a homofobia só será vitoriosa com mudanças na cultura, e isso ocorre com a punição de atos discriminatórios”, justifica.

Século 21, doze paradas realizadas na maior cidade do país, homossexualidade pautada em novelas, leis e ações afirmativas para acabar com o preconceito. Avançamos, então? Um pouco, mas não o suficiente. O Brasil ainda desponta como um dos líderes em violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais ou  LGBT.

As paradas do orgulho LGBT foram crescendo a cada ano. No caso paulistano, passaram de 2 mil participantes, em 1997, a mais de 3 milhões de pessoas nas ruas, em 2008, reafirmando direitos e desejos geralmente combatidos e oprimidos pelo cotidiano construído a partir do ponto de vista heterossexual. As paradas são grandes festas, é verdade, mas o histórico mostra que, em meio aos trios elétricos, go-go boys dançando e fantasias variadas, foram momentos de apresentar propostas de reflexão, exigir direitos, combater o preconceito e, principalmente, defender a diversidade.

Neste ano, a 12ª Parada do Orgulho Gay de São Paulo foi para a avenida “cantar” que “Homofobia mata! Por um Estado laico de fato”. O medo, a aversão ou o ódio a homossexuais mata mesmo. Segundo o antropólogo e presidente do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de homossexuais.

De acordo com levantamento feito em jornais e revistas (não há estatísticas oficiais), em 2007 foram mortos 122 gays no país. No mesmo período, no México, segundo colocado, foram 35 pessoas. Os Estados Unidos vêm em terceiro, com 25 casos de homicídio. “Vivemos um verdadeiro ‘homocausto’”, disse o antropólogo.

A Associação Brasileira GLBT divulgou dados coletados nas paradas de Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, de 2003 a 2006, que varia de 56% a 70% o número de pessoas que relataram ter sofrido discriminação em razão de sua sexualidade. Experiências de agressão têm índices mais consistentes, entre 58% e 65% nos quatro anos do levantamento.

A senadora Fátima Cleide (PT-RO), da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT, lamenta que o projeto de lei 122/06, que visa tornar crime o preconceito e a discriminação contra homossexuais, na pauta da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, esteja há um ano sem decisão. A Frente Parlamentar Evangélica faz manobras que adiam a votação. O que mostra que a chamada deste ano da parada paulista, por um Estado laico, precisa mesmo ser levada a sério. Para Fátima, enquanto nada é decidido, dezenas de homossexuais são assassinados no Brasil. “A nossa luta constante contra a homofobia só será vitoriosa com mudanças na cultura, e isso ocorre com a punição de atos discriminatórios”, justifica.
A senadora acredita que o Legislativo, na condição de um dos poderes do Estado laico, tem de apreciar o PL 122 sob a ótica da necessidade social. “Os homossexuais são cidadãos. São pessoas como qualquer outra. Não podem ficar privados de garantias constitucionais, como o direito à vida”, destacou.

Enquanto alguns legisladores federais tentam impedir as leis em favor dos direitos dos LGBTs, de acordo com o portal da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis, em 2007, mais de setenta municípios brasileiros já haviam aprovado leis nas quais consta a proibição expressa à discriminação por orientação sexual.

Em 17 de maio de 1990, a homossexualidade deixou de ser vista como doença pela Organização Mundial de Saúde, que declarou oficialmente tratar-se de um comportamento normal e que a livre orientação sexual é um direito humano fundamental. A partir daí foi criado o Dia Mundial de Luta contra a Homofobia, com o objetivo de articular ação no combate a todas as formas de violência física, moral ou simbólica ligadas à orientação sexual, numa iniciativa mais global de defesa dos direitos humanos.

Direitos LGBT no Brasil
Quando o assunto é sexualidade, dizem alguns autores, o Brasil pode ser o paraíso ou o inferno, considerado aberto, pois transpira samba, suor e sensualidade. Mas o país do carnaval e das maiores paradas GLBTs realizadas no planeta não aceita tão bem assim a diversidade sexual. O governo tenta reagir e apresenta propostas para coibir a violência letal e as que envolvem familiares ou instituições públicas, como a escola ou a Polícia. Algumas pesquisas mostram as dinâmicas mais silenciosas e cotidianas da homofobia, que englobam humilhação, ofensas e extorsão.

Em 2004, a Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou o Brasil Sem Homofobia, Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e de Promoção da Cidadania Homossexual, “com o objetivo de promover a cidadania a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbica, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais”.

O governo brasileiro aponta que, “enquanto existirem cidadãos cujos direitos fundamentais não sejam respeitados por questões relativas à discriminação por orientação sexual, raça, etnia, idade, religião ou opinião pública, não se pode afirmar que a sociedade seja justa, igualitária, democrática ou tolerante”. E com ele pretende dar um passo para construir uma verdadeira cultura de paz e de tolerância à diversidade.
Um resultado prático do programa foi a criação dos Centros de Referência em Direitos Humanos para prevenção e combate à homofobia, espaços para divulgar informações, orientações e apoio em casos de violência ou de desrespeito e discriminação. Advogados, psicólogos e assistentes sociais atendem e orientam a população. Também implementam as ações de capacitação para ampliar o entendimento e valorizar o respeito à diversidade entre a comunidade local e a população LGBT. Estão em funcionamento cinqüenta centros em diversas capitais e cidades do interior, criados mediante parcerias com ONGs e prefeituras. O Brasil Sem Homofobia também entrou na agenda do Mercosul e está sendo debatido entre os países-membros.

Três anos após o lançamento do programa, o governo Lula saiu de novo na frente ao convocar, por meio de decreto presidencial, a 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, realizada em Brasília, de 5 a 8 de junho de 2008. A primeira conferência com essa abordagem no mundo com o tema Direitos Humanos e Políticas Públicas: o Caminho para Garantir a Cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais teve como objetivo propor políticas públicas e elaborar o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, ao mesmo tempo que propôs estratégias para fortalecer o programa Brasil Sem Homofobia.

O texto-base com 77 páginas é extenso também na quantidade de áreas que pretende atingir. Apresentou para discussão a Previdência Social e saúde, educação, cultura, trabalho e emprego, esportes e comunicação, entre outros. Todos eles com diagnóstico e estratégias de gestão e ação.

Na opinião do secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, “estabelecer um pacto democrático, possibilitado pela Conferência, foi o caminho adotado pelo governo para a definição de ações, que se consolidará no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos para os LGBTs”. Para se concretizar, necessitará de articulação e integração dos Três Poderes. Para Vannuchi, “o governo do presidente Lula reafirma seu compromisso de tratar a questão dos direitos humanos como uma política de Estado”.

Perly Cipriano, subsecretário nacional de Direitos Humanos, foi o responsável pelo acompanhamento das etapas estaduais da conferência. Para ele, um ganho importante de todo o processo foi a possibilidade de o debate chegar nas várias localidades brasileiras leiras, envolvendo milhares de pessoas do interior do país. Outro motivo de comemoração é o fato de, a partir da ação federal, estados e município pautarem a luta contra a homofobia com propostas que coíbam a violência e com atuação em áreas como saúde e educação. Para a etapa nacional, foram eleitos seiscentos delegados(as), sendo 60% da sociedade civil e 40% de representantes do poder público.
Para Cipriano, o debate de políticas públicas mostra que o país é sensível ao problema e que, portanto, pretende consolidar a democracia em uma sociedade sem preconceitos. “O pai não discrimina um filho com deficiência, ou porque é negro ou mulher. Mas não aceita um filho homossexual. Ninguém nasce machista, racista ou homofóbico. Nossa obrigação é construir outra mentalidade e fazer de nosso país um território livre de todo tipo de discriminação.”

O subsecretário conta que as discussões nas várias etapas mostraram que é uma questão que envolve todas as camadas sociais e que apresenta demandas que vão do local ao nacional. Ele acredita que a conferência será também um fator aglutinador do movimento GLBT brasileiro que, para ele, “não quer mais nem menos direitos, mas direitos iguais para todos”.

A partir do plano nacional e do aperfeiçoamento do programa Brasil Sem Homofobia serão estudadas as ações dos ministérios e secretarias. Algumas delas serão fruto da ação entre os vários segmentos da sociedade atuando em conjunto: governos, movimentos sociais, ONGs. Um exemplo concreto seria atacar o preconceito existente nas escolas a partir da formação dos profissionais de educação. Outra demanda é a criação de um conselho nacional, nos moldes do conselho dos direitos das mulheres, por exemplo.

Paulo Mariante, militante do Grupo Identidade, de Campinas, São Paulo, participou de pelo menos três etapas locais, em São Paulo e outras duas cidades do interior. Para ele, no caso paulista, foram apresentadas propostas “amarradas a metas e prazos”. “Não queremos uma declaração de boas intenções. As ações que discutimos têm prazo para que se concretizem. Em nosso caso, propomos, por exemplo, que em quatro anos esteja em andamento um programa de formação com a inserção do tema GLBT para os agentes de segurança pública.” Segundo Mariante, é preciso envolver todas as regiões do país, evitando, com isso, que ações propostas pela conferência aconteçam somente para uns.

Pelo mundo
A Associação Internacional de Gays e Lésbicas (Ilga) é uma federação mundial de 30 anos que reúne 670 grupos LGBTs de mais de cem países. Em maio último, divulgou o estudo Homofobia do Estado, um levantamento que revela a extensão da homofobia no mundo. São 86 Estados membros da ONU que ainda criminalizam as relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo, oficializando, dessa forma, a cultura do ódio. Entre eles, sete aplicam a pena de morte como forma de punição. Seis províncias ou unidades territoriais também punem com prisão relações homossexuais.
Rosana Flamer, da Ilga, alerta que este debate deve ser colocado em seu devido lugar: na agenda de direitos humanos. “Cerca de sessenta países apoiaram em conjunto e publicamente a questão da orientação sexual como tema da Comissão de Direitos Humanos da ONU desde 2003. A criminalização das atividades sexuais consensuais do mesmo sexo representa um desafio para as ONGs e para os Estados.”

O movimento LGBT tem dois casos exemplares para denunciar, Moscou e Jerusalém, onde as paradas, assim como a organização de grupos homossexuais, são reprimidas e discriminadas pelo Estado. No caso de Israel, com explícita ingerência da religião na conduta do Estado contra os direitos de uma parcela da população.

Pesquisa e literatura
“Diversidade Sexual e Homofobia: Intolerância e Respeito às Diferenças Sexuais nos Espaços Público e Privado” é a pesquisa nacional e pioneira sobre a homofobia no Brasil que está sendo realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Instituto Rosa Luxemburgo. O estudo investiga questões que podem contribuir para práticas sociais e transformadoras e detém-se em questões pouco abordadas, com foco na imagem da opinião pública sobre identidades sexuais que fogem do padrão heterossexual.

Gustavo Venturi, coordenador do Núcleo de Opinião Pública da Fundação, acredita “que a pesquisa trará alguma luz sobre os motivos de o Brasil liderar em crimes homofóbicos. O foco é captar o preconceito e mensurar práticas discriminatórias contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, em busca de subsídios para políticas públicas de combate à homofobia e do aumento do debate público sobre a intolerância”.

A pesquisa é realizada em dois módulos: o primeiro, com 2 mil entrevistas da população urbana acima dos 15 anos, trata de captar o preconceito contra os segmentos LGBT e a percepção sobre o grau de homofobia e transfobia vigente no Brasil. O segundo, só com a população assumidamente GLBT das regiões metropolitanas, tratará de captar as experiências de discriminação sofridas. A coleta dos dados acontece entre maio e julho de 2008.

A Editora Fundação Perseu Abramo está lançando o livro Na Trilha do Arco-Íris: do Movimento Homossexual ao LGBT, de Júlio Assis Simões e Regina Facchini. De forma bastante didática, apresenta a história do movimento GLBT, homofobia e identidade de gênero, aids, conexões com Estado e mercado e outros temas. Nele, os leitores poderão conhecer alguns exemplos de conquistas obtidas pela população LGBT: jurisprudências favoráveis ao reconhecimento de direitos da Previdência e herança a parcerias homossexuais estáveis, a partir de sentença da Justiça gaúcha, em 1996. Foram ações que geraram mudanças na legislação previdenciária do país, que passou a reconhecer “o companheiro ou a companheira homossexual de segurado inscrito no regime geral de previdência” como dependente com direito a pleitear pensão por morte e outros benefícios.

Em 2007, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de Goiás, em decisão inédita, reconheceu um casal formado por duas trabalhadoras rurais como unidade beneficiária do programa de reforma agrária, com todos os direitos e deveres das demais famílias assentadas.

A morte de Cássia Eller foi uma grande perda para o cenário musical brasileiro. Por outro lado, fortaleceu o debate sobre guarda, tutela e adoção de crianças por casais homossexuais. E sua companheira, Maria Eugênia, venceu nos tribunais e obteve a guarda do filho biológico de Cássia. A Justiça dos estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, em 2006, proferiram também sentenças favoráveis nesse sentido. A conquista de direitos e de políticas públicas, talvez com uma velocidade menor do que se espera, poderá dar ao Brasil o título de país que respeita a diversidade.

Fernanda Estima é editora-assistente de Teoria e Debate