Economia

Entrevista com Luciano Coutinho, presidente do BNDES

O economista Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) explica a política industrial recém-anunciada pelo governo federal

Foto: Divulgação BNDES

Primeiramente, como o senhor pode resumir para o leitor de Teoria e Debate uma proposta tão abrangente quanto a Política de Desenvolvimento Produtivo anunciada pelo governo federal, da qual o BNDES é um dos pilares?
A proposta tem como objetivo mais do que o crescimento do país, o seu desenvolvimento nos próximos anos. São quatro grandes objetivos: o primeiro e mais importante é a elevação da taxa de investimento da economia brasileira, atingindo ao menos 21% do PIB, e a partir de então sustentá-la em um nível alto ou até ultrapassar esse número. Isso é fundamental porque permite criar capacidade produtiva da indústria para garantir oferta suficiente, sem pressão de inflação dentro do sistema econômico do país, que deixe instável o processo, pelo menos internamente. Claro que pressões externas podem acontecer. O segundo objetivo é aumentar os investimentos, mas fazê-lo qualitativamente melhor, promovendo a inovação e a produtividade. Essa é a diferença entre simples crescimento e desenvolvimento ou dinamização da economia. O taxa de inovação das empresas é fundamental para disseminar avanços tecnológicos, aumentar a produtividade de forma regular e firme, o que concilia a possibilidade de aumentar os salários, melhorar a distribuição de renda, sem pressionar os custos das empresas e, portanto, sem gerar inflação. Além disso, a inovação em si cria mercados, oportunidades e é, portanto, uma dimensão muito forte da Política de Desenvolvimento Produtivo – aumento de investimento com aumento de inovação. O terceiro objetivo é sustentar um desempenho exportador sólido nos próximos anos, mesmo que a economia mundial não seja mais tão favorável. E o quarto é apoiar a estrutura de micros, pequenas e médias empresas para alargar a base do sistema empresarial.

Como esses são objetivos de grande envergadura, a política é abrangente, pois está dirigida a um amplo conjunto de setores e cadeias da indústria de serviços e também a grandes sistemas científicos e tecnológicos do país de forma mais completa do que a proposta no primeiro mandato do governo Lula, que foi importante mas estava mais focada no setor de alta tecnologia. Agora se trata de uma política mais abrangente e ampla.

Como se deu a definição dos setores abarcados neste novo momento?
São 24 complexos de setores relevantes na estrutura brasileira, mas não é uma política restritiva ou que se limitará a esses setores. A política é aberta ao diálogo com o setor privado. É evolutiva, portanto, aberta à inclusão de novos setores e ao desdobramento de novas iniciativas. Nos focamos nessas porque são as cadeias mais importantes, por peso e relevância econômica. Mas isso não significa que a política estará fechada a outros ou a cadeias de indústria e serviços que não tenham sido definidos nessa primeira rodada.

Uma novidade nessa política é o estabelecimento de metas. Como acompanhar sua implantação adequadamente? Está pensado em um comitê gestor?
Essas metas foram estabelecidas para que fique claro que a política tem uma operacionalidade e sabe aonde quer chegar. São metas factíveis, realistas, algumas delas foram até criticadas por não serem mais ambiciosas. Mas preferimos estabelecer metas que possam ser efetivamente atingidas e até ultrapassadas, se possível. Eventualmente, o desempenho pode ser até melhor que o previsto. As metas são importantes porque a política terá um sistema de gestão e acompanhamento bem organizado, comandado por uma secretaria executiva, integrada pelo BNDES, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), representantes dos ministérios da Fazenda, de Ciência e Tecnologia e também da Casa Civil. A coordenação geral da política caberá ao ministro Miguel Jorge, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Há uma estrutura de gestão da política e uma subdivisão dessa secretaria executiva em comissões gestoras que estão constituídas e que terão à frente representantes de todos os ministérios ou entidades envolvidas, até mesmo do setor privado, para acompanhar e alimentar permanentemente a tomada de decisões ou complementação de medidas necessárias. As metas de investimento estão sendo discutidas com o setor privado e haverá uma prestação de contas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento a cada seis meses e ao comitê de ministros a cada três meses.

O fato de ter metas quantificadas é importante para aferir se a política está ou não funcionando. Essa é uma determinação do presidente Lula, que não quer uma proposta simplesmente com conteúdo retórico, e a melhor maneira de aferir resultados é estabelecendo metas. Dessa forma, a própria sociedade poderá acompanhar a política.

Está prevista a redução de 20% para 10% da contribuição patronal à Previdência para o setor de tecnologia da informação. Isso não poderá levar à insatisfação e conseqüente pressão de outros setores para obtenção dos mesmos benefícios, o que seria um problema numa área já tão sensível?
Discutimos muito essa exceção, mas pareceu por consenso que não havia outra forma de apoiar o desenvolvimento, especialmente do setor de software no Brasil, sem aliviar o peso das contribuições previdenciárias. Sei que esse é um tema delicado, mas o item folha de pagamento é o grande custo do setor de tecnologia de informação, especialmente de software. O Brasil estava perdendo e debilitando suas bases empresariais que estão se transferindo para outros países, inclusive da América do Sul, que têm regimes tributários mais favoráveis. Então, para evitar o esvaziamento da capacidade brasileira nesse setor, precioso para o futuro do país, abrimos essa exceção, que me parece defensável. Poderá gerar demanda de outros setores, que por sua vez deverão comprovar as características especiais de alta tecnologia e também o potencial e a importância de geração de valor e a criação de outras oportunidades no país para merecer o mesmo tratamento O alívio da contribuição é dado de maneira proporcional ao desempenho competitivo da empresa. Não é um benefício permitido de maneira incondicional.

Alguns críticos da Política de Desenvolvimento Produtivo alegam que mudanças na política macroeconômica trariam resultados mais efetivos para as indústrias do que as medidas recém-anunciadas. O que o senhor tem a dizer a esse respeito?
É claro que eu não estou satisfeito com o nível da taxa de câmbio atual, que se apreciou muito no Brasil. Espero que esse ciclo de apreciação cambial esteja no fim e possa ser revertido no futuro próximo à medida que o dólar volte a se fortalecer no mercado internacional e com isso possa mitigar a apreciação do real. Não quero fazer nenhuma crítica à atuação das autoridades monetárias, que fique claro. Estou apenas afirmando que realmente a taxa de câmbio registrada é um problema para o país, já está se revelando com a redução do superávit comercial e com uma possibilidade de déficit em conta corrente neste ano e no próximo. Então, é um fator de preocupação. Mas não obstante isso, a estruturação da política de desenvolvimento cria condições de confiança em setores, acelera a solução de problemas de coordenação ou de medidas que precisam estar muito bem articuladas com o setor privado em cada realidade específica dessas cadeias. Então, a política tem um valor grande, além disso a política tem um outro valor: os incentivos dados ao investimento, à formação do capital fixo e à inovação tecnológica são muito poderosos. De forma que mesmo que as condições macros não sejam as ideais, a política tem um valor por si própria muito relevante que não deve ser subestimado. Claro que se conseguirmos, além disso, aperfeiçoar a política macroeconômica, tanto melhor, os resultados poderão nos surpreender e ultrapassar aquelas metas. Devemos lembrar que vamos enfrentar nos próximos meses a necessidade de conter pressões inflacionárias que vêm do mercado internacional para dentro. Então, o BC terá de manter as expectativas de inflação sob controle, o presidente da República tem o firme compromisso de não conter a volta da inflação, pois sabe que o principal prejudicado pela volta da inflação são os pobres, os trabalhadores, cujo salário começa a ser erodido na gôndola do supermercado quando os preços sobem. É preciso que enfrentemos esse desafio transitório de conter as pressões inflacionárias, ainda que isso signifique retardar aquela trajetória desejada de queda da taxa de juros, que todo o Brasil quer, mas é preciso entender que o controle da inflação está acima disso porque é ele que torna viável todo o ciclo de crescimento.

É preciso ter a sabedoria, neste momento, de conciliar o incentivo ao investimento e a sustentação do crescimento, por isso o valor da Política de Desenvolvimento Produtivo, e, ao mesmo tempo, manter as condições macroeconômicas sob controle de tal maneira que possamos passar por 2008, 2009 e 2010 com um firme crescimento e alcançar essas metas. Então, eu vejo contrariamente a essa crítica que a política tem sim um grande valor em si própria. Ela é um elemento positivo na consolidação de expectativas favoráveis do setor empresarial e os investimentos continuam crescendo e, portanto, o BNDES terá um grande trabalho pela frente para cumprir com seu papel de financiar o investimento.

Quais são, nessa política, as medidas específicas para o Nordeste?
Nós estamos confirmando nos financiamentos do BNDES uma preferência para as regiões mais pobres do Brasil inteiro e para o Norte e Nordeste, em particular, níveis de financiamentos mais altos. Quando numa determinada linha financia-se 70% ou 80%, no caso dessas regiões daremos 10% mais, chegando até a 100% de financiamento. Em segundo lugar, criamos um novo instrumento, o FIP-Nordeste, Fundo de Investimento em Participações, que terá inicialmente uma dotação pequena, de R$ 300 milhões, mas que poderá ser rapidamente ampliada. É um fundo de capitalização de empresas, voltado a fortalecer a estrutura das empresas das regiões Norte e Nordeste, que será gerido em conjunto pelo BNDES, Banco do Brasil e Banco do Nordeste. Esse é um instrumento novo, exclusivo para a região.

Além disso, o banco trabalhará junto nos grandes projetos do PAC, no sentido de maximizar o impacto positivo na região, fortalecendo e atraindo novos projetos com poder multiplicador. Cito projetos na área de siderurgia, mineração, papel e celulose, queremos também deslocar para o Nordeste mais estaleiros, para construção naval. Há, ainda, projetos nas áreas de petróleo e gás, petroquímica, têxtil. Há um conjunto de grandes projetos que estão associados a obras e investimentos de infra-estrutura que complementarão o esforço de investimento social muito expressivo já realizado pelo governo. Como é sabido, o PAC, nas áreas de saneamento, habitação e urbanização de favelas, terá um impacto muito grande no Nordeste – as outras políticas, principalmente o Bolsa-Família, têm um peso muito relevante para essa região. Então, faltava um impulso maior ao desenvolvimento industrial, de serviços e tecnológico.

Também dedicaremos quatro escritórios regionais do Fundo de Capital Semente do BNDES, o Criatec, dirigido para tirar empresas das incubadoras das universidades, trazendo-as para o mercado. Vamos trabalhar em conjunto com os secretários de Planejamento de toda a região para fortalecer o sistema regional e alavancar um programa de arranjos produtivos locais em parceria com o Sebrae, o Banco do Nordeste, o Banco do Brasil e com os estados.

Há uma preocupação especial com a região a pedido do presidente Lula. Também por sua orientação, o BNDES dará atenção aos projetos de zona de processamento de exportação na região nordestina com uma nova filosofia, para que elas não venham a ser enclaves isolados da economia da região, mas pólos de desenvolvimento, maximizando a compra de bens e serviços e matérias-primas do Nordeste, para impulsionar o desenvolvimento. Portanto, há um conjunto de iniciativas que busca fortalecer o crescimento e a dinamização do Nordeste brasileiro.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate.