Sociedade

É impressionante a oposição em bloco da grande imprensa ao governo petista. A mídia deixou de ser mediadora da política para atuar como partido político de oposição

A primeira pergunta de Lula quando me despedi, pouco antes do final do primeiro mandato, foi se eu ia escrever um livro sobre o governo. Em sua mesa estava A Mosca Azul, em que Frei Betto relata disputas palacianas nas quais se meteu. Assegurei ao presidente que não. Só vou escrever sobre a Carta Crítica, que o presidente lia “ainda em jejum” como dizia José Graziano, depois de a poeira assentar. Ainda é prematuro avaliar o governo Lula e o que vem acontecendo na América Latina desde sua eleição. Mas entre os aspectos mais impressionantes da era Lula e que não devem mudar, está a oposição em bloco da grande imprensa a seu governo. Este artigo trata disso e de alguns problemas da comunicação do governo, sem ousar uma avaliação geral.

A mídia na era Lula deixou de funcionar como mediadora da política, passando a atuar diretamente como um partido político de oposição1. E mais: apesar de disputar agressivamente o mercado entre si, há mais unidade programática hoje entre os veículos da mídia oligárquica do que no interior de qualquer partido político brasileiro, até mesmo nos ideológicos, como o PT e o PSOL2.

Na campanha da grande imprensa que levou Getúlio Vargas ao suicídio, o governo ainda contava com o apoio da poderosa cadeia nacional de jornais Última Hora. Hoje, não há exceção entre os grandes jornais. Todos criticam o governo sistematicamente, em todas as frentes da administração, faça o governo o que fizer ou deixar de fazer. Outra diferença desta vez é a adesão ampla de jornalistas, que parecem competir entre si para ver quem pega mais pesado no pé do presidente. As raízes da animosidade contra Lula são profundas, vêm de longe, mas sua disseminação por todos os gêneros jornalísticos e ao conjunto do governo, tornando-se uma subcultura profissional, é uma seqüela da crise do “mensalão”.

Emulada por editores, prestigiada por jornalistas bem-sucedidos e comandada pelos intelectuais orgânicos das redações, os colunistas, essa subcultura é dotada de um modo narrativo e de jargão próprios. Em contraste com o jornalismo clássico, que trabalha com assertivas verazes para esclarecer fatos concretos, sua narrativa não tem o objetivo de esclarecer, e sim de convencer o leitor de determinada acusação, usando como fio condutor seqüências de ilações. É ao mesmo tempo grosseira na omissão inescrupulosa de fatos que poderiam criar outras narrativas e sofisticada na forma maliciosa como manipula falas, datas e números. Seu jargão consiste de novas expressões e maneirismos de linguagem, como “aparelhamento” criminalizações coletivas como “deputados mensaleiros”, títulos adversativos do tipo “governo faz, mas...”, satanização de movimentos populares, e manchetes que reproduzem falas de líderes da oposição como se fossem fatos.

O enunciador dessa narrativa conhece os bastidores do poder e não precisa provar suas assertivas, a ponto de admitir no interior da própria narrativa que não tem provas, dizendo que são desnecessárias porque ele tudo sabe3. Uma subcultura agressiva, arrogante, marcada pelo desrespeito sistemático à figura do presidente e a qualquer protagonista, autoridade, leitor comum ou fonte que a ela não se submeta. Chegam a atacar colegas jornalistas que a ela se recusaram a aderir, criando nas redações um ambiente adverso a nuances de interpretação ou divergências de análise. O meta-sentido construído por essa narrativa é o de que o governo Lula é o mais corrupto da História do Brasil é incompetente, trapalhão, só tem alto índice de aprovação porque o povo é ignorante ou se deixa levar pelo bolso, não pela cabeça4.

Levantam como principal bandeira o repúdio à corrupção, a mesma bandeira moralista tão cara à classe média, desfraldada por Jânio Quadros, empunhada pelos golpistas de 1964 e ironicamente pelo PT. Todos se mostram profundamente chocados com o uso de caixa dois pelo PT, o partido que se fazia de virtuoso. Mas, como quase todo moralismo em política, trata-se de mais uma modalidade de falso moralismo: é o “moralismo dirigido” que denuncia os “ mensaleiros do PT” e deixa para lá o valerioduto dos tucanos, onde tudo de fato começou, e mais recentemente o escândalo do Detran de Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul, onde tudo continua. É “moralismo instrumental” que visa menos o restabelecimento da ética e mais a destruição do PT e do petismo.

O que poucos sabem é que essa subcultura se tornou dominante graças a uma mãozinha da Globo. Desde o primeiro dia do governo Lula, a Globo ignorou solenemente sua advertência, transmitida aos Marinho, de que não toleraria jogo sujo. Não hesitou, por exemplo, em comandar uma campanha midiática contra a proposta do Ministério da Cultura de criação da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), de tal modo violenta, que ela nem chegou ao Congresso. Na esteira da mesma ofensiva, conseguiu derrotar a proposta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) de criação do Conselho Federal de Jornalistas.

Quando foi revelada, em fevereiro de 2004, a propina recebida dois anos antes por Waldomiro Diniz, sub-chefe da assessoria parlamentar da Casa Civil do governo Lula, a Globo vislumbrou a oportunidade de uma ofensiva de caráter mais estratégico: cortar o barato do petismo e de sua ameaça de governar o Brasil por 40 anos. Com esse objetivo, mudou o modus operandi de seu jornalismo político. Logo depois das denúncias de Roberto Jefferson, criou uma central de operações unificando as coberturas de política da TV, CBN e jornal O Globo sob o comando de Ali Kamel, que para isso se deslocou para Brasília.

Em quase todas as campanhas eleitorais os grandes jornais criam uma instância adicional de decisão sob o comando de alguém de confiança da casa, que passa a centralizar toda a cobertura política. A central coordenada por Ali Kamel em Brasília reflete essa passagem de um jornalismo normal para um de campanha, apesar de não estar em curso uma campanha eleitoral.

A central de Brasília, dizem os jornalistas que trabalharam no sistema Globo, formou uma espécie de “gabinete de crise” com líderes da oposição do qual faziam parte ACM Neto e Paes de Andrade, pautando-os e por eles se pautando. Vários jornalistas faziam parte da operação, cada um encarregado de uma “fonte” da oposição. Tinham a ordem de repercutir junto àquela fonte, todos os dias, falas e acusações, matérias do dia anterior, entrevistando sempre os mesmos protagonistas: Heloísa Helena, ACM Neto, Gabeira, Onix Lorenzoni. No dia seguinte, os jornais davam essas falas em manchete, como se fossem fatos. Assim surgiu todo um processo de construção de um relato da crise destinado a se tornar a narrativa dominante e única.

Veja lançara sua própria operação de objetivos estratégicos muito antes. Entre 2003 e 2006, a revista produziu cinqüenta capas contra Lula, sendo dezoito delas consecutivas5. Quando surgiu a fita de Waldomiro Diniz, a revista revelou esse objetivo em ato falho: “Os ares em torno do o Palácio tinham na semana passada sabor de fim de governo”. Na Globo, a operação encontrou resistências internas de jornalistas que ainda lambiam as feridas provocadas pelo falseamento do debate Collor–Lula, e da cobertura da campanha das Diretas Já. Deu-se, então, a marginalização de Franklin Martins da cobertura política. Esse afastamento teve grande importância porque instituiu no corpo de jornalistas a sensação de insegurança e o medo, necessários para a imposição da nova ordem. Sua saída foi um baque, avaliou Luiz Nassif em entrevista a Fórum6.

Com o vazamento de informações sobre o clima interno de intolerância, em especial uma reportagem de Raimundo Pereira em Carta Capital, e textos críticos em blogs e no site Carta Maior, a cúpula jornalística da empresa mandou circular um manifesto cobrando lealdade à casa. Três jornalistas que se recusaram a assinar foram expurgados.

Da Globo o expurgo respingou a outros veículos da grande imprensa. O último capítulo desse processo foi a não renovação do mandato do ombudsman da Folha, Mário Magalhães, por criticar na internet a forma como o jornal reportou o vazamento dos gastos do governo FHC com cartões corporativos. Apontou falta de transparência por não indicar as fontes da acusação de que Dilma Rousseff foi a mandante, e a falha de não ouvir os acusados7. No caminho também perdeu seu espaço Paulo Henrique Amorim. Mino Carta, em solidariedade, desligou-se do IG.

Na campanha contra Getúlio a sobredeterminante era a Guerra Fria, que desqualificava o nacionalismo e as demandas sindicais como meros instrumentos do comunismo. Hoje, a sobredeterminante é o neoliberalismo que desqualifica opções de política econômica em nome de uma verdade única à qual é atribuído o monopólio da eficácia. A unanimidade anti-Lula da grande mídia só tem paralelo na unanimidade pró-neoliberal dessa mesma mídia.

Mas temos um paradoxo. O governo Lula tem mantido religiosamente seu acordo estratégico com o capital financeiro, que é o setor dominante hoje no capitalismo mundial e brasileiro. E, apesar do vasto leque de políticas públicas de apoio aos pobres, não brigou com nenhum dos outros grupos de interesses do grande capital. Por que, então, tanta hostilidade da mídia? É como se a grande mídia agisse por conta própria, pouco ligando para a dupla capital financeiro-capital agrário e na qual se apóia.

Nossos grandes jornais de referência nacional e alguns regionais importantes nasceram por iniciativa de famílias de grandes proprietários de terras, formados na tradição escravocrata com o objetivo explícito de fazer política. Esses jornalões têm sido muito mais protagonistas políticos que mediadores da política. Nosso sistema político continua nas mãos de chefes locais, proprietários das terras e também de rádios, jornais, repetidoras da Globo e tudo mais.

Não por acaso, a maior bancada do Congresso Nacional não é a do PT, nem a do PSDB, é a bancada ruralista. A grande mídia é a arma dessa bancada ruralista na batalha da comunicação. É uma mídia de elite e para a elite, auto-referente, de função mais ideológica que informativa.

É uma mídia governista, ou “áulica” na adjetivação de Nelson Werneck Sodré, quando o governo faz o jogo da dependência, como foram os governos de Dutra, Café Filho, Jânio Quadros e Fernando Henrique. E antigovernista, quando os governos são portadores de projetos de autonomia nacional, como foram os governos de Getúlio, Juscelino, que rompeu com o FMI, Jango e agora o de Lula.

Sua visão de mundo é composta de quatro elementos principais: alinhamento com os interesses da potência externa dominante; oposição a projetos nacionais de desenvolvimento autônomo; desprezo pelo povo; entreguismo. Uma mídia que já nasceu neoliberal, muito antes de o neoliberalismo se impor como ideologia dominante e organizativa das políticas públicas.

Nunca aceitou o Estado que chama pejorativamente de “populista” Em artigo recente na Folha, Bresser Pereira associou diretamente o discurso da mídia contra o populismo e sua inclinação pelo golpe a nossa extrema pobreza e polarização de renda. “Como a apropriação do excedente econômico não se realiza principalmente por meio do mercado, mas do Estado, a probabilidade de que facções das elites recorram ao golpe de Estado quando se sentem ameaçadas é sempre grande.” Diz ainda que nossas elites “estão quase sempre associadas às potências externas e às suas elites.” Daí, diz ele, “o que vemos na imprensa, além de ameaças de golpe, é o julgamento negativo dos seus governantes...”8.

A incompatibilidade entre governos populares portadores de projetos nacionais e a mídia oligárquica é de tal ordem que muitos desses governantes tiveram de jogar o mesmo jogo do autoritarismo, para dela se proteger. Isso desde Campos Salles, que temia o torpedeamento pelos jornais oligárquicos a seu “pacto dos governadores” e sua proposta de saneamento das finanças nacionais. Campos Salles criou jornais e deu dinheiro aos que já existiam para garantir o apoio ao governo e “evitar que a ação funesta dos parasitas perniciosos pudesse embaraçar a solução dos problemas da administração...” Juscelino comunicava-se diretamente com o povo, como se comunica Lula, mas, mesmo assim, fez-se rodear de um impressionante elenco de intelectuais, escritores e jornalistas, entre os quais Danton Jobim, Álvaro Lins, Josué Montello e Autran Dourado.

Getúlio criou A Hora do Brasil como programa informativo de rádio para defender a revolução tenentista contra a oligarquia ainda em 1934, quando o regime era democrático, fundado na Constituição de 349. No Estado Novo foi ao extremo de instituir a censura prévia criando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Em seu retorno democrático, estimulou Samuel Wainer a criar sua cadeia Última Hora10.

Essas reflexões, se têm algum fundamento, mostram como foi equivocada a política de comunicação do governo Lula, a começar por não atribuir à comunicação e às relações com a mídia o mesmo peso estratégico que atribuiu às suas relações com a banca internacional. Nem sequer havia um comando único para a comunicação, que sofreu um processo de feudalização. Só na Presidência, três feudos disputavam espaço, a Secom, o gabinete do Porta-Voz e a Assessoria de Imprensa. Fora dela, dois ministérios definiam políticas públicas na esfera da comunicação: Ministério das Comunicações e Ministério da Cultura.

Propostas longamente discutidas, ainda no âmbito dos grupos de jornalistas do PT e pelos funcionários da Radiobrás, não foram sequer levadas em consideração11. Nesse vazio, o único grande aparelho de comunicação social do governo, o sistema Radiobrás, acabou embarcando numa política editorial chamada de “comunicação cidadã” que tinha como preocupação fundamental e explícita dissociar-se do governo do dia. O que é pior: despojava a Radiobrás de sua atribuição formal de sistema estatal de comunicação. Isso num momento histórico que exigia, ao contrário, reforçar o sistema estatal de comunicação12.

Pouco experiente em jornalismo político, a equipe não conseguiu resolver de forma criativa a contradição entre fazer um jornalismo veraz de qualidade e politicamente relevante e ser ao mesmo tempo um serviço estatal de comunicação13. Com definições opacas, que nada acrescentavam ao que se entende por jornalismo, acabaram desenvolvendo um jornalismo de tipo alternativo, parecido ao que fazem as ONGs e movimentos sociais14.

A importante mudança do papel da empresa nunca foi discutida no Conselho da Radiobrás15. Seu corpo chegou a se entusiasmar com a idéia sempre simpática a jornalistas, mas simplória, de deixar de ser “chapa-branca” mas acabou não havendo muita harmonia entre a nova direção e as bases. Uma apregoada “gestão participativa” ficou mais no papel que na prática.

Em minucioso relatório sobre as conquistas da Radiobrás perto do final do primeiro mandato, o presidente do Conselho enumerou os muitos avanços técnicos, mas apontou que a Radiobrás havia criado uma outra missão e outro papel para si, sem discutir essas mudanças previamente com o próprio governo. Também apontou ser falso o debate que contrapõe comunicação de caráter oficial ao direito do cidadão à boa informação.

Mais equivocada ainda foi a proposta de acabar com a obrigatoriedade de A Voz do Brasil, formulada pela direção da Radiobrás logo no primeiro ano do mandato de Lula, a partir dos conceitos neoliberais de que o Estado não faz parte da esfera pública e a liberdade de imprensa do baronato da mídia é a própria liberdade de imprensa. A Radiobrás chegou a co-patriocinar no anexo II da Câmara dos Deputados, junto com os Mesquitas, um seminário para apoiar a idéia de A Voz do Brasil ser mais flexível.

Essa mesma visão ingênua levou a Radiobrás a adotar como sua, e como se fosse a única possível, a narrativa da grande imprensa na grande crise do mensalão, que como vimos foi em grande parte articulada entre o sistema Globo e a oposição. Embora só hoje se saibam alguns detalhes dessa operação, as forçadas de barra no noticiário e nas manchetes eram discerníveis a qualquer jornalista experiente.

Naquele momento, a Radiobrás era o único sistema de comunicação social capaz de criar uma narrativa realmente independente da crise, que sem ser chapa-branca também não fosse submissa à articulação comandada pela Globo. Mas, quando veio a crise, seu projeto editorial entrou em parafuso. Mais do que isso: a crise traumatizou a direção da empresa, que viu ruir a bandeira ética do PT, sob a qual muitos deles cresceram, formaram-se e criaram sua identidade pública. Só um estado catatônico poderia explicar o fato de a Radiobrás dar ao vivo e na íntegra o depoimento de Roberto Jefferson de junho de 2005 como se quisesse se colocar à frente do sistema Globo. No momento crucial da crise cortou um discurso de Lula em Luziânia, o que nem a Globo fez.

Foi a fase em que manchetes da Agência Brasil rivalizavam com as da grande imprensa na “espetacularização” da comprovada do dia da renúncia de José Dirceu (16/6/05): “Ex-agente do SNI diz que Casa Civil está envolvida nas provas dos Correios.” E a notícia falsa de que “Miro Teixeira confirmou as acusações de Jefferson”, dada no mesmo dia (21/6/05) em que até a grande imprensa admitia que Miro Teixeira não havia confirmado essas acusações. Mesmo sem atentar para a dimensão política desse tipo d noticiário, sua fragilidade era incompatível com o padrão que se espera de uma comunicação de Estado.

Outras manchetes meramente reproduziam falas de líderes da oposição: “Nada poderá restringir nosso trabalho na CPI” diz líder do PFL (17/6/05) ou “PFL e PSDB alegam que PT violou legislação” (22/6/05).

A Radiobrás, sem perceber, havia entrado no esquema orquestrado por Ali Kamel. Naquele momento nascia o processo de colonização da comunicação de governo e do Estado pelo ideário liberal-conservador, que acabou levando ao fechamento intempestivo da própria Radiobrás.

Fechar a Radiobrás foi a síntese de todos os grandes erros na política da comunicação do governo Lula. Ademais, ao fechar a Radiobrás o governo violou a Constituição que manda coexistirem os três sistemas: público, privado e estatal. E não é à toa que a Constituinte cidadã assim decidiu. Como sabemos, diversas vezes a grande mídia latino-americana apoiou golpes de Estado, algo inimaginável nas democracias dos países centrais. Ter um sistema estatal de comunicação minimamente funcional, com credibilidade e legitimidade junto à população, é uma espécie de apólice de seguro contra golpes de Estado.

O governo lidou com a comunicação como se a nossa democracia fosse igualzinha à americana. Mas o que vale para os Estados Unidos pode não valer para o Brasil. O Estado americano não tem uma Radiobrás ou uma Voz do Brasil, porque nunca sofreu um golpe midiático, mas tem a Voice of America, para defender seus interesses imperiais. O Estado brasileiro não contempla interesses imperiais, mas precisa se defender do golpismo e das pressões externas sobre a Amazônia. Por isso precisa de uma Radiobrás e de uma Voz do Brasil.

De tudo o que está acontecendo, o que mais aborrece é o expurgo dos poucos jornalistas que não aderiram à nova subcultura profissional de animosidade ao governo. Sabemos que as “listas negras” dos donos de jornais existem desde os tempos da ditadura, pelo menos. Mas, durante a ditadura militar, o autoritarismo vinha em geral de fora para dentro, imposto sobre os jornalistas, que não só procuravam resistir de várias formas como demonstravam solidariedade e companheirismo entre si. Hoje, o autoritarismo e a arrogância estão dentro de círculos dirigentes do jornalismo.

É o macartismo tropical. É o cerco midiático. Qualquer tentativa da TV Brasil de criar uma narrativa própria é denunciada no mesmo dia pela grande imprensa como autoritarismo. O que temem é perder a tutela sobre o processo de formação da opinião pública. Faz parte do jogo acusar o outro daquilo que você mesmo está fazendo.

Bernardo Kucinski é jornalista e professor na ECA-USP, autor de A Síndrome da Antena Parabólica: Ética no Jornalismo Brasileiro (1996), entre outros