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A saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente pode ser uma vitória dos conservadores, mas potencializa o debate de um novo modelo de desenvolvimento do país

A saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente pode ser uma vitória dos conservadores, mas potencializa o debate de um novo modelo de desenvolvimento do país

Marina Silva e Carlos Minc. Foto: Valter Campanato/ABr

Há lideranças políticas que se afirmam nos momentos de crise. Pela lucidez e pelo equilíbrio com que se conduzem diante das escolhas que devem fazer. A senadora Marina Silva é uma delas. Foi um dos primeiros nomes anunciados pelo recém-eleito presidente Lula, em 2002, para compor seu ministério. Construiu uma sólida identidade com a agenda do desenvolvimento sustentável, seja no âmbito nacional, seja no âmbito internacional.

Conduziu o Ministério do Meio Ambiente (MMA) por cinco anos e meio. Diferentemente do que tenta passar a mídia conservadora, enfrentou e venceu batalhas importantes na disputa que se trava de forma permanente no governo Lula. Liderou os processos que resultaram na criação de 20 milhões de hectares de novas unidades de conservação, na concessão de licença para 21 hidrelétricas que adicionam 4.690 MW à capacidade instalada do país – oito delas já estão em operação e dezoito com licença do Ibama para início das obras –, e no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal que resultou, em conjunto com outras medidas, na redução de 59% do desmatamento nos últimos três anos – com isso, foram evitadas a derrubada de 1 bilhão de árvores e a emissão de mais de 430 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera; na Lei de Gestão de Florestas Públicas; na Lei de Recursos Hídricos; na realização de três Conferências do Meio Ambiente com ampla mobilização da sociedade, entre outras iniciativas.

Para entendermos a perspectiva de condução da agenda ambiental pelo governo brasileiro, é necessário avaliar as conseqüências imediatas e de longo prazo do gesto de Marina Silva. Do ponto de vista interno, representa uma derrota dos movimentos sociais e ambientais que lhe deram sustentação e vitória dos ruralistas e dos defensores do desenvolvimento a qualquer custo. Ela vem se somar a outra que não se pode esquecer. O Senado aprovou o projeto de lei (PL) das Palmáceas, de autoria do senador Flexa Ribeiro, tucano do Pará, que reduz a Reserva Legal na Amazônia de 80% para 50% da cobertura florestal. O PL tramita na Câmara dos Deputados. Do ponto de vista externo, as repercussões na imprensa, sobretudo da mídia européia, foram negativas para a imagem do governo. A ex-ministra goza de prestígio internacional por sua identificação com as lutas em defesa da Amazônia, uma pauta obrigatória no debate ambiental global.

O presidente Lula agiu com rapidez para reduzir esses efeitos negativos. Depois de declarar que a política ambiental não muda, nomeou para o cargo um militante ambientalista histórico, Carlos Minc, que reafirmou, com estilo próprio, os aspectos fundamentais da agenda anterior e antecipou novos desafios. Tudo somado, o processo de transição acabou potencializando as repercussões da agenda ambiental no debate do novo modelo de desenvolvimento do país.

O afastamento de Marina Silva não resolve nenhum dos problemas da agenda do desenvolvimento sustentável. Pode abrir espaço para produzir avanços. Ela assume seu posto no Senado, levando consigo um acúmulo importante no comando do MMA e um desafio: conduzir seu mandato, sendo, agora, parte da base de sustentação do governo. Marina nunca foi senadora de situação, assumiu o ministério no mesmo dia em que Lula assumiu a Presidência da República. Sua trajetória nos autoriza a afirmar que será uma voz qualificada e solidária com o governo, mas guardando a independência crítica e mantendo o compromisso com as bandeiras da sustentabilidade do desenvolvimento.

O ministro Carlos Minc apontou as baterias contra o desmatamento da Amazônia e identificou as grandes plantações de soja e a pecuária extensiva como fatores decisivos do processo e abriu polêmica com uma das lideranças mais expressivas do agronegócio, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. É preciso reconhecer, o novo ministro coleciona inimigos poderosos.

A mudança de ministro trará acentos diferenciados na agenda. Minc não vem da Amazônia, vem das mobilizações e lutas ambientalistas urbanas onde, hoje, se concentram 82% da população brasileira. O passivo ambiental urbano do país é gigantesco, a necessidade de investimentos pesados nas áreas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos é considerável e urgente. Essa realidade exigirá inflexões inevitáveis na agenda que o novo ministro deve apresentar. O tema do licenciamento ambiental que incomoda os setores que se opuseram a Marina receberá um tratamento “executivo”. O novo ministro deixou claro: “Rapidez nos licenciamentos não significa necessariamente falta de rigor”. Minc se declara um homem de diálogo, ressalvando que será rápido para dizer sim ou não a um empreendimento. Mas, quando disser não, é não.

A expansão econômica pressiona os ativos ambientais da região amazônica e reproduz um ciclo perverso, no qual a riqueza extraída se realiza em outras regiões brasileiras, particularmente no Centro-Sul, ou mesmo fora do país. Reduzindo, dessa forma, a Amazônia a um imenso estoque de matérias primas, explorado de forma primitiva, como se fosse um enclave ou as antigas feitorias portuguesas instaladas no primeiro século da colonização no litoral do país.

A retomada do crescimento da economia levanta, mais uma vez, um problema. A Amazônia continuará se integrando ao desenvolvimento do país nos mesmos moldes dos ciclos anteriores: na condição de fornecedora de energia, matérias-primas e como montadora da quinquilharia tecnológica importada pela Zona Franca? Essa questão de fundo aponta para outra que se apresentará de imediato ao novo ministro: o debate das políticas ambientais está ligado à definição do novo padrão de desenvolvimento do país. Ou seja, exigirá uma integração das políticas públicas ambientais com o conjunto das políticas de retomada do crescimento, leia-se PAC, políticas agrícolas, industrial etc. para alcançar o objetivo de incluir a sustentabilidade no uso dos recursos naturais.

A resolução do Conselho Monetário Nacional bloqueando o crédito a empreendimentos do agronegócio que não cumpram as exigências da política ambiental na região amazônica é um mecanismo indispensável para imprimir essa nova qualidade ao desenvolvimento. As forças conservadoras se mobilizam para revogar a resolução ou reduzir seus efeitos. O caminho ensaiado é alterar o recorte do mapa do território reduzindo as dimensões da Amazônia e ampliando as áreas do Centro-Oeste. Mas a defesa da Floresta Amazônica é inseparável da proteção dos cerrados que guardam o berço das águas dos maiores afluentes da bacia e estão sendo destruídos pela expansão do plantio de soja e da explosão do rebanho bovino. Esses são os termos da primeira queda-de-braço que o novo ministro enfrentará.

Adílson Vieira é secretário-geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). Júlio Barbosa é secretário nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT.