Mundo do Trabalho

Ressurgimento do movimento sindical nos anos 1980 se confunde com a história da central que hoje é a maior da América Latina

O ressurgimento do movimento sindical nos anos 1980 se confunde com a história do nascimento da central que hoje é a maior da América Latina e se tornou um dinâmico ator social do Brasil, levando a classe trabalhadora à condição de personagem da história do país

[nextpage title="p1" ]

A CUT foi fundada em 28 de agosto de 1983, mas sua criação pode também ser celebrada al­gumas semanas antes, quando, em 5 de julho, os petroleiros do turno da noite da Refinaria do Pla­nalto (Replan), em Paulínia, interior de São Paulo, decidem entrar em greve contra um decreto do governo militar que acabava com direitos do funcionalismo público. Petroleiros de Mataripe, na Bahia, aderem ao movi­mento, sendo seguidos pelos metalúr­gicos de São Bernardo e Diadema, na Grande São Paulo. A primeira greve geral contra a ditadura contou com a adesão de 3 milhões de pessoas. Daqueles dias em diante, a classe trabalhadora passou a fazer parte da história brasileira como personagem ativo. Mas, para se transformar em uma das maiores centrais sindicais do mundo, a entidade teve de se adaptar às mudanças sofridas pelo Brasil, com novos métodos de ação e novos parceiros de luta.

São 3.438 sindicatos filiados, 7 mi­lhões de associados entre trabalha­dores na ativa e aposentados. A CUT representa cerca de 20 milhões de trabalhadores sindicalizados e é a quinta central do mundo e a principal da América Latina. O momento de fun­dação da CUT explica como a central chegou a esse estágio de organização.

Nos anos 1980, o Brasil figurava como o epicentro das lutas trabalhis­tas mundiais. “Houve movimentos de greve extremamente expressivos, que conseguiram recuperar a sociedade, reorganizar o movimento sindical. Não é possível conhecer a história brasileira nessas duas décadas sem estudar o movimento sindical”, afirma José Dari, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho da Unicamp.

Luta contra a ditadura

Foi uma experiência inédita, diante das tentativas frágeis de se formar uma central sindical no Brasil ao longo do século 20. “Tínhamos no Brasil até o fim dos anos 1970 três grandes instituições que focalizavam os interesses nacionais. De um lado, a Igreja, que quando se pronunciava dava uma certa identidade ao país em virtude de sua fala. De outro, as Forças Armadas, que em um Brasil continen­tal também tinha uma expressão de unidade. Tínhamos ainda a imprensa, que focalizava interesses de dimensão nacional. Mas não havia a vocalização de um interesse nacional por parte dos trabalhadores”, explica o profes­sor e economista Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Pela primeira vez na história, ava­lia Pochmann, surge “uma instituição que, quando se manifesta, está ex­pressando o interesse mais ou menos homogêneo por parte dos trabalha­dores, que até então não tínhamos no país”. O ressurgimento do movimento sindical a partir do final da ditadura militar vai se confundir com a própria história da CUT. Boa parte da expres­são desse movimento tem a ver com o chamado novo sindicalismo.

Confunde-se também com esse processo a luta pela organização po­lítica dos trabalhadores, que desde 1980 se expressava também com a formação do PT. São os dirigentes sin­dicais do PT que lideram o processo de formação da CUT. A nova central vai experimentar ao longo de 25 anos um processo de atração e distancia­mento de outras forças e partidos para seu interior.

Em agosto de 1984, a CUT realiza seu primeiro congresso e elege o metalúrgico Jair Meneguelli como presidente. Define também uma lista de reivindicações trabalhistas e a luta pelas eleições diretas para presidente como linhas de atuação. A combinação de reivindicações sin­dicais e políticas faz da CUT um novo e dinâmico ator social no Brasil. “As negociações coletivas começaram a ter expressão na sociedade brasileira, as pressões populares foram vocali­zadas pelo movimento sindical e se refletiram na Constituição de 1988”, lembra José Dari.

Enfrentamento com o neoliberalismo

Se o fim da ditadura e a participa­ção da CUT no processo democrático da Constituinte de 1988 foram marcos na vida da nova central sindical, o pe­ríodo que estava para chegar reserva­va momentos extremamente difíceis. Em março de 1990, Fernando Collor assume a Presidência da República e inaugura a era neoliberal no país. Mo­dernidade para o governo significava estar em sintonia com a ofensiva do grande capital sobre os direitos dos trabalhadores em todo o mundo.

Talvez o movimento que mais marcou o período tenha sido a greve dos petroleiros de 1994/1995, que pode ter sido o equivalente à greve dos mineiros derrotada por Margareth Thatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha, que dez anos antes mudou a agenda política local, serviu de base para a implantação do projeto neoli­beral e trouxe profundas conseqüên­cias para o mundo do trabalho.

No Brasil, o novo presidente, Fernando Henrique Cardoso, consegue colocar a defesa do Plano Real contra a mobilização dos petroleiros, que saem da luta na defensiva e sem a conquista de reivindicações já negociadas. O movimento sindical, particularmente a CUT, participante ativo do processo de democratiza­ção, iria ser alvo de uma nova ação muito mais agressiva do governo e dos patrões.

“Havia uma avalanche de tenta­tivas de retiradas de direitos, priva­tizações, demissões, o desemprego em alta. Foi um período muito difícil, em que o movimento sindical acabou passando por um momento de re­sistência para não perder aquilo que tinha sido conquistado na década de 1980”, afirma o atual presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos.

Em 1994, o metalúrgico Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (hoje deputado federal pelo PT), presidia a CUT. O congresso que o elegeu aprovou a luta pela recuperação dos salários, pela redução da jornada de trabalho, por moradia, saúde e em­prego dignos, reforma agrária e por um novo modelo econômico para o Brasil. Também priorizou as lutas nas questões de gênero e política racial.

Com pouco mais de dez anos de existência, a CUT passava a discutir novas formas de luta, diante de mu­danças decisivas na relação entre tra­balho e capital em todo o mundo. “Os métodos aplicados na década anterior não dão mais conta das questões. Para muitos, não é mais pelas ações coletivas que se melhora a condição de vida, mas pelo espírito empreende­dor. É um contexto mais desfavorável aos trabalhadores. O movimento sindical vai buscar novas estratégias”, afirma José Dari. “Alguns empresários ousavam apresentar uma pauta de rei­vindicação para retirar direitos. Nesse momento introduzimos a visão de um sindicato-cidadão, voltado à comuni­dade”, lembra Vicentinho.

Vicentinho conta que descobriu a importância das novas formas de lutas ao tomar contato com o movimento sindical de outros países. “Em viagens ao exterior, via o momento sindical muito isolado do contexto social. Com exceção do Canadá e da COB bolivia­na, poucos tinham essa relação com a sociedade. Foi por isso que a gente precisava ganhar a opinião pública perante a sociedade com nosso tra­balho, com nossas propostas”, conta o sindicalista.

Diante da ofensiva neoliberal, a CUT chegou a conquistar uma vitória importante em agosto de 1995, com a filiação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). As duas entidades realizam no ano seguinte uma marcha de agri­cultores a Brasília, que contou com a participação de 50 mil pessoas.

Mas, após a fase de conquistas contra a ditadura e da participação na luta pela democratização, a cen­tral passava pela prova de fogo dos ataques neoliberais dos anos 1990, buscando novas formas de luta e novos aliados. “O movimento sindi­cal soube partilhar com a sociedade num momento de enfrentamento com a ditadura militar e influenciar naquele momento e ajudar. Mas, depois, com os governos conservado­res, os sindicatos passaram por quase isolamento, em uma democracia sur­gindo, mas sem diálogo por parte do governo e do empresariado”, lembra Luiz Marinho, que antes de ser mi­nistro do Trabalho e da Previdência do governo Lula presidiu a CUT entre 2003 e 2006.

Nos anos 1990, há muita diver­gência interna na CUT sobre quais as estratégias para se enfrentar a questão econômica. Sintomatica­mente, nessa época, todas as forças presentes no movimento sindical perdem forças. Da metade da déca­da de 1990 em diante, diminuem as greves e aumentam as articulações. No fim de 1997 é criado o Fórum Na­cional de Lutas por Terra, Trabalho e Cidadania, que reuniu organizações da sociedade civil, partidos políticos de esquerda e organizações não-governamentais.

O auge do processo de aglutinação de forças políticas do Fórum Nacional de Lutas se dá em agosto de 1999, com a Marcha dos Cem Mil Sobre Brasília, manifestação que recolheu 1,3 milhão de assinaturas contra a privatização da telefonia brasileira, além de se posicionar pela mudança da política econômica. No ano seguinte, em seu sétimo congresso nacional, a CUT elege o professor João Antonio Felício o novo presidente da entidade.

A central sindical reforça sua atuação no movimento de ofensiva ao governo neoliberal de Fernando Henrique. É a época da Marcha pela Instalação da CPI da Corrupção (abril de 2001), da campanha contra o Apa­gão (junho de 2001) e da luta contra a flexibilização da CLT (março de 2002).

Em maio de 2002, a CUT se posiciona a favor da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Em junho do mesmo ano, elege o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho.

[/nextpage][nextpage title="p2" ]

 

Governo Lula

Com a eleição de Lula, em 2002, a CUT procura repensar sua relação com o governo federal. Em dezembro de 2004, lidera a Marcha Nacional do Salário Mínimo, cujas principais ban­deiras são elevação do mínimo para R$ 300 e correção em 10% da tabela do imposto de renda a partir de 2005. Até então, alguns pontos tinham garanti­do a unidade do movimento sindical e o primeiro deles é o papel da CUT como resistência ao neoliberalismo. Com exceção do PSTU e sua tendên­cia sindical, todas as demais forças apostaram que a vitória de Lula seria uma forma de reverter esse quadro adverso e a possibilidade para uma reforma sindical, que garantisse mais representatividade ao movimento dos trabalhadores.

As centrais se aproximam de Lula, há uma agenda pública do governo comprometida com a redução da jor­nada de trabalho e com a resolução 158. Apesar dessa aproximação (até a Força Sindical, desde a origem ligada às políticas de flexibilização do pa­tronato, passa a apoiar o presidente), começa um processo de divergências dentro da CUT. Depois do Conlutas, deixam a central a Intersindical e a CTB, ligada ao PCdoB.

“O que ocorreu no governo Lula foi a fusão de três pequenas centrais sindicais, a SDS, a GCT e CAT, que se constituíram na UGT, e duas novas centrais sindicais criadas a partir de decisões político-partidárias. Há o Conlutas, que saiu da CUT para criar essa organização que às vezes é organização sindical e às vezes é mo­vimento, mas que foi criada simplesmente para ser uma correia de trans­missão do PSTU. Mais recentemente, o PCdoB decidiu em sua cúpula par­tidária constituir central sindical, em nossa opinião, para enfrentar o debate da sucessão em 2010 e tentar fazer com que o chamado Bloco de Esquerda (PCdoB, PSB e PDT) tivesse uma central sindical mais ligada a esses partidos políticos. Então, uma decisão de criar novas centrais sindi­cais se dá não por conta de melhorar a organização dos trabalhadores, mas sim para tentar ser um instrumento partidário para as disputas que vão acontecer no país”, avalia Artur Hen­rique, presidente da CUT.

Com passado de sindicalista, o presidente Lula faz sua ponderação sobre o processo de afastamento de forças sindicais da CUT. “Tivemos 23 anos de regime militar. Era proi­bido ter central sindical. Quando foi permitido, se criaram muitas centrais sindicais. Um processo de unificação, de criar uma central ou no máximo duas, é muito melhor para o movimento sindical. Acho que este momento é de aprendizado. Vai sobreviver quem tiver mais orga­nização, for mais forte e representar melhor os trabalhadores”, afirmou o presidente em recente entrevista ao jornal ABCD Maior.

Com divergências e rachas, o movimento sindical e a CUT vivem um novo momento na relação com o governo federal. “O movimento sindical hoje é mais forte, influencia mais, negocia com o governo, nego-cia acordos coletivos. No passado não tinha isso. Antes havia um desejo de negociação, havia os enfrentamen­tos que a sociedade apoiava, mas os sindicatos não conseguiam negociar absolutamente nada. As pautas eram ignoradas por parte do empresariado brasileiro e o governo nem sequer dava ouvidos para o movimento sin­dical”, lembra Luiz Marinho.

E quais as pautas para a CUT a partir do governo Lula e da retomada do crescimento econômico? Tudo in­dica que os novos horizontes abertos pela reação econômica podem ser opções importantes para a CUT, além das frentes tradicionais trabalhadas pela central desde sua fundação. Está em jogo a capacidade da entidade de explorar as contradições e também para pressionar o governo no sentido de favorecer de forma mais acentuada os trabalhadores, e não só os grandes grupos econômicos.

“Esse espaço é mais favorável que o dos anos 1990. Há muitas possibi­lidades de o sindicalismo continuar sendo um ator social expressivo na sociedade brasileira”, opina o pesqui­sador José Dari. O ex-ministro Luiz Marinho também é otimista quanto às possibilidades que se abrem para a central sindical. “Quanto mais cresci­mento da economia, mais possibilida­de de participação dos trabalhadores, ao buscar negociar a parcela que cabe aos salários na renda nacional.”

“Nós continuamos na briga por melhoria das condições de trabalho, principalmente no setor da constru­ção civil, do comércio, no setor de açúcar e álcool, em várias áreas em que precisa haver uma intervenção mais efetiva da nossa central”, garante o presidente da CUT, Artur Henri-que. As contradições do crescimento econômico estão sendo exploradas como no caso do setor da construção civil, que no primeiro trimestre de 2008 cresceu 8,8% em relação a 2007 – maior nível de expansão trimestral desde 2004. Com os empresários do setor, a CUT assinou neste ano pro­tocolo nacional que garante que as empresas contratem trabalhadores com carteira assinada e diminuam o processo de terceirização. Na constru­ção civil, quase 60% dos trabalhadores estão com contratação temporária ou sem carteira assinada.

“Em outros setores ainda há uma luta muito grande para que o próprio governo estabeleça a contrapartida no momento das negociações com os empresários para benefícios fiscais ou empréstimos a juros muito mais favoráveis. É também preciso uma pressão sobre os empresários, que estão ganhando muito dinheiro, é o momento de fazer um debate sobre contrapartidas sociais”, afirma Artur Henrique.

Em 25 anos, os dirigentes da CUT passaram por um processo perma­nente de aprendizado com as seguidas mudanças políticas e econômicas no Brasil. “Decorrido esse um quarto de século, nós temos um horizonte que exige de parte da CUT, dos sindicatos e dos trabalhadores uma posição em que o protagonismo da organização dos trabalhadores se estabeleça cada vez mais como elemento central da definição da vida do país”, avalia Márcio Pochmann. Para a CUT, fica a necessidade de elaborar novas formas de atuação tanto em relação ao governo quanto nas relações entre capital e trabalho no novo momento da economia brasileira.

Walter Venturini é editor do jornal ABCD Maior. [/nextpage]