Internacional

Entrevista com Mauricio Funes

A América Latina poderá ter mais um governo progressista em 2009. Os salvadorenhos têm chances de eleger um presidente da República, da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, comprometido com mudanças

Maurício Funes. Foto: Luís Romero

[nextpage title="p1" ]

Antes jornalista, agora notícia: que tal a diferença, vista de um ângulo pessoal e profissional?
Não há dúvida de que é uma mu­dança de atividade e de compromis­so. Agora, como candidato, enfrento o desafio de dar resposta à expecta­tiva que tem a maioria da população de que uma mudança no país não só é necessária, como também é possí­vel. Como jornalista, transformei-me em uma plataforma de análise e re­flexão acerca dos problemas do país. A candidatura exige uma atitude diferente: já não se trata somente de analisar e criticar; agora é necessário propor e construir amplos consensos para resolver os problemas que nos afetam a todos e que impedem o desenvolvimento econômico e social de El Salvador.

Como você se transformou em candidato? Suas relações com a es­querda e com a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) vêm de quando?
Nos 21 anos de exercício do jor­nalismo, tenho mantido contatos profissionais com a FMLN e sua liderança. Nunca fui militante do partido, porém, tenho assumido posição em aspectos relevantes dos acontecimentos nacionais que têm requerido um compromisso. À medida que exerci um jornalismo objetivo e pluralista, esta mesma prática profissional me levou à convicção de aspirar a um cargo de eleição popular, para ajudar a construir uma mudança de rumo no país. A credibilidade construída se transformou em um importante capital político eleitoral, que se ex­pressa em um endosso de confiança da população quanto ao projeto político da FMLN.

Funes presidente: como será o fu­turo de El Salvador? Fale um pouco de suas prioridades programáticas e políticas.
Temos três desafios pela fren­te: primeiro, eliminar a pobreza, a exclusão social e a marginalidade. Segundo, trabalhar pela construção da institucionalidade democrática, desmontada nas últimas décadas pela direita no poder. E, terceiro, aspiro a conduzir um governo de transição e de unidade nacional que ative a participação de todas as forças sociais e políticas na construção da mudança.

Como será o convívio com a direita salvadorenha, ideológica e agressiva?
É difícil, mas possível. Sem uma unidade de esforços e propósitos, o país não vai para a frente. Uma vitória da FMLN provocará a fragmentação da direita, o que facilitará a criação de consensos. O objetivo é isolar a direita excludente, que vem utilizando o governo para seu próprio benefício, afetando, também, outros setores da direita. Isso se consegue ao se propor um programa de governo inclusivo e que faça com que a democracia e as instituições funcionem no país.

Como é para você a relação entre partido, movimentos sociais e go­vernos de esquerda e progressistas?
A FMLN tem a missão histórica de construir consensos e propor­cionar as mudanças de que o país necessita. Deverá articular-se com o movimento social, para garantir a governabilidade democrática. Além de aliar-se com os governos de es­querda e progressistas da América Latina e do mundo todo, para evitar o isolamento internacional no qual poderemos cair, se não tivermos uma opção alternativa ao tipo de relações internacionais que a direita fiel impôs às recomendações do chamado Con­senso de Washington. Vale a pena insistir que também não se trata de tomar os governos de esquerda da região como paradigmas do modelo de gestão política e econômica que impulsionaremos em El Salvador.

Tanto a direita quanto a ultra-es­querda classificam os governos de esquerda e progressistas latino­americanos em dois blocos: “mo­derados” e “radicais”. O que você nos diz sobre isso? Como serão as relações internacionais de El Salva­dor, com Funes presidente?
A diferença entre moderados e radicais não explica as circunstâncias históricas a que responde cada um dos governos de esquerda na América Latina. Para o caso, Lula pode ter uma política econômica moderada que garanta o crescimento e a estabilidade econômica, mas ser radical no combate à pobreza. A questão acerca de mode­rados ou radicais também não nos é útil para definir nossa identidade. So­mos uma esquerda realista e solidária, que lutará contra a pobreza e buscará melhores condições de vida para a po­pulação, e isso sucede por estreitar as relações com os governos de esquerda que têm resultados com bom êxitos para a construção da democracia.

E o Brasil?
Vejo com atenção o governo do presidente Lula, que tem demonstrado que a esquerda pode conseguir taxas mais aceleradas de crescimento da economia e reduzir significativamente a pobreza e a exclusão social.

Uma nota política e pessoal: você é casado com uma brasileira, petista e militante da causa salvadorenha. Como isso interfere na campanha?
Minha esposa brasileira e petista desempenha um papel determinante na campanha e na visão que tenho do que El Salvador necessita. Não somente pelas possibilidades que a sua militância e suas relações com o PT e o governo Lula abrem para aproximar o projeto democrático que lidera a FMLN com o que atualmente vive o Brasil, mas também porque esta mesma relação envia uma mensagem de confiança para o eleitorado indeciso, nos momentos em que a direita salvadorenha se esforça em apresentar-nos como uma esquerda irresponsável e irracional.

Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT

[/nextpage]

[nextpage title="p2" ]

Os caminhos da FMLN

A Frente Farabundo Martí para a Li­bertação Nacional (FMLN) nasceu a 10 de outubro de 1980, quando estabeleceu um comando-geral para coordenar as operações militares e o trabalho político-diplomático de or­ganizações político-militares.

A fundação da FMLN é o principal passo na formação de um sistema de alianças políticas e sociais, que abrange todas as forças progressis­tas e de esquerda salvadorenhas. A amplitude e a solidez do sistema de alianças construído em torno da FMLN obedecem ao convencimento de que era impossível derrotar o re­gime oligárquico-militar mediante a luta político-eleitoral. A isso se juntou o projeto democrático que lidera a FMLN com o que atualmente vive o Brasil, mas também porque esta mes­ma relação envia uma mensagem de confiança para o eleitorado indeciso, nos momentos em que a direita salva­dorenha se esforça em apresentar-nos como uma esquerda irresponsável e irracional.

A luta armada foi conseqüência direta da impossibilidade de se encon­trar uma solução legal, democrática e pacífica ao injusto e repressivo sistema econômico-social e político que impe­rava em El Salvador.

Esse sistema foi configurado a par­tir da reforma agrária liberal do século passado, quando, com a força do Esta­do, se expropriou os povos indígenas (Lei de Extinção de Comunidades, 1881), bem como os camponeses (Lei de Extinção dos Ejidos, 1882), em benefício da cultura do café e de seus cultivadores.

Surgiu e enriqueceu-se uma oligar­quia latifundiária cafeeira, que consoli­dou seu monopólio de poder nos anos 1890 e originou um regime político autoritário centralizado e sangrento em alguns períodos. Esse regime se estendeu – com breves interrupções – durante quase cem anos, até a assina­tura do Acordo de Paz de Chapultepec.

Na década de 1970, a essa história se junta uma sucessão de fraudes que privam do triunfo os candidatos presidenciais da União Nacional Opositora (UNO) nas eleições de 1972 e 1977, e também nas legislativas de 1974 e 1976.

Em 15 de outubro de 1979, um golpe de Estado executado pela Juventude Militar derroca a ditadura do general Carlos Humberto Romero e procede, como em outras vezes na história de El Salvador, a formar uma Junta de Governo e um gabinete composto por civis e militares.

No fim de 1980, José Napoleón Duarte assumiu a liderança (formal) da terceira Junta Cívico-Militar. Entre os acontecimentos posteriores, ressalta o assassinato de Monsenhor Romero, ocorrido no dia 24 de março, o massacre da multidão que acudiu a seu enterro dois dias depois e o assassinato de todos os líderes da Frente Democrática Revolucionária, no dia 27 de novembro. Foi no decurso desta situação que foi fundada a FMLN, organização que logo se propôs a lançar uma ofensiva final em 10 de janeiro de 1981 que, se bem não conseguiu conquistar o poder, marcou um salto qualitativo na combinação de todas as formas de luta, com ênfase na luta armada.

Diante do enfoque militarista, adotado pela administração do presidente Ronald Reagan com relação ao conflito salvadorenho, outorgando ao governo uma elevada ajuda militar e econômica – com propósito de aniquilar a insurgência e aparentar melhora da situação social –, a FMLN sempre ergueu a bandeira da solução política negociada, ao mesmo tempo que dava prioridade à guerra de desgaste contra alvos econômicos para frustrar a estratégia contra-insurgente.

Depois da ofensiva lançada pela FMLN em setembro e outubro de 1989, quando era mais que evidente que o conflito salvadorenho não teria um desfecho militar a favor do governo, o presidente Alfredo Cristiani passou a levar a sério uma solução política negociada, cujo desenlace foi a assinatura dos Acordos de Chapultepec em 16 de janeiro de 1992.

Os objetivos alcançados pela FMLN nos Acordos foram: reduzir a duas as missões que a Força Armada tinha na Constituição, a defesa da soberania e da integridade territorial; abolir o recrutamento militar obrigatório; abolir a Doutrina de Segurança Nacional; tirar a segurança pública do controle da Força Armada, entre outros.

Uma vez assinados os acordos de paz, a FMLN começou sua transformação em partido político legal e a luta para exigir o pactuado pelo governo. Em março de 1994, a FMLN participou de sua primeira eleição, com Rubén Zamora como candidato presidencial, Schafik Jorge Hándal como candidato para prefeito de San Salvador, e outros candidatos e candidatas para deputados e prefeitos. Com 25,6% dos votos obtidos por Zamora na primeira rodada eleitoral e 31% que recebeu na segunda, junto de 21 deputados que foram eleitos com 24% da votação, 25 e quinze prefeitos, a FMLN se tornou a segunda força política e eleitoral do país. Em 5 de agosto de 1995 as organizações membros da FMLN se fundem num só partido.

Nos anos seguintes, a FMLN participou das eleições presidenciais com as candidaturas de Facundo Guardado (1999) e de Schafik Jorge Hándal (2004-2009).

Da Redação com base em Encuentros Y Desencuentros de la Izquierda Latinoamericana, de Roberto Regalado, cientista político do Departamento de Relações Internacionais do Partido Comunista de Cuba.

[/nextpage]
[nextpage title="p3" ]

O candidato a vice Sánchez Cerén

No dia 11 de novembro de 2007, Salvador Sánchez Cerén foi proclamado pela FMLN candidato à vice-presidência do país. Nascido no dia 18 de junho de 1944, na cidade de Quezaltepeque, a oeste de San Salvador, Cerén é filho de carpinteiro e descendente de uma família de artesãos. Estudou na escola de professores, “Alberto Masferrer”, onde se formou como professor do primário com 20 anos de idade.

Exerceu a docência durante dez anos, em colégios públicos de sua cidade natal e em escolas humildes do campo. Começou sua militância política em meados dos anos 1970, ao incorporar-se às Fuerzas Populares de Liberación (FPL), uma das cinco organizações que, em 1980, formaram a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN).

No entanto, antes de afiliar-se às FPL, Cerén formou parte da organização de professores, “Andes 21 de Junio”, que dirigiu uma greve de 53 dias e grandes manifestações nas ruas contra o regime militar da época.

Ao estalar a guerra civil, em janeiro de 1981, Sánchez Cerén adquiriu o pseudônimo de comandante Leonel González, como é chamado até hoje. Em 1984, passou a formar parte da Comandância-Geral da FMLN, até a assinatura do Acordo de Paz, em 1992, em que a guerrilha entregou as armas e se converteu em partido político legal. Em 1994, participou, pela primeira vez, das eleições gerais, coligado com agrupamentos de centro-esquerda. Atualmente, é deputado e chefe do grupo parlamentar da FMLN na Assembléia Legislativa.

[/nextpage]

[nextpage title="p3" ]
Brasil-El Salvador
A advogada Vanda Pignato, casada com o candidato da FMLN à Presidência da República, Maurício Funes, atuou desde a formação do PT na área de relações internacionais. Juntamente com Nani Stuart, foi uma das organizadoras da Secretaria de Relações Internacionais do partido. Colaborou também com a fundação do Comitê de Solidariedade à Nicarágua e, posteriormente, a El Salvador, país para onde se mudou logo depois da assinatura dos Acordos de Paz, em 1992.

Atualmente, é diretora do Centro de Estudos Brasileiros, instituição ligada à Embaixada do Brasil, que tem como funções divulgar o idioma e a cultura brasileiros em El Salvador. Ela organiza uma aliança acadêmica e cultural entre diferentes instituições salvadorenhas e brasileiras. Uma de suas prioridades é promover uma agenda que busque apoiar a Cultura de Paz no país, o que lhe rendeu, no ano passado, o título de “Amiga Meretíssima”, outorgado pelo Congresso salvadorenho.

Esta é a primeira vez que a esquerda salvadorenha tem chances reais de ganhar as eleições presidenciais e, assim como já vimos ocorrer no Brasil, a direita faz campanha de medo para aterrorizar o eleitorado, afirmando que a vitória de Funes implantará o comunismo, as Bíblias serão queimadas e que haverá confiscos. O atual presidente de El Salvador, Elias Antonio Saca, tem inclusive perseguido a família de Vanda e os empresários que apóiam a FMLN, vítimas de blitzes diárias em suas empresas e de tentativas de subornos.

A petista acredita que “as experiências de êxito das administrações petistas e dos programas sociais implantados pelo presidente Lula podem ser de grande ajuda, não só para El Salvador, como para toda a região centro-americana. A FMLN, por exemplo, foi o primeiro partido político da América Central a aderir à experiência petista do Orçamento Participativo.

[/nextpage]