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Está posto para as candidaturas petistas em 2008 o comprometimento com a continuidade das conquistas do governo Lula

É razoável supor que a inquebrantável popularidade do presidente Lula tenha atraído muitos dos apoiadores, mas também pesou na decisão daqueles prefeitos a percepção de que o gover­no Lula havia revertido radicalmente a lógica neoliberal dos anos FHC - e que os maiores beneficiados dessa mudança eram os municípios, seus habitantes e, conseqüentemente, os administradores locais

Um fenômeno pouco analisado da eleição de 2006 foi o apoio impressionante de prefeitos de todo o país e de todos os partidos - inclusive do PSDB e do então PFL - à reeleição de Lula. É razoável supor que a inquebrantável popularidade do presidente tenha atraído muitos dos apoiadores, mas também pesou na decisão daqueles prefeitos a percepção de que o gover­no Lula havia revertido radicalmente a lógica neoliberal dos anos FHC - e que os maiores beneficiados dessa mudança eram os municípios, seus habitantes e, conseqüentemente, os administradores locais. Para eles, nada poderia ser pior do que um retorno aos tempos do Estado mínimo, quan­do as cidades brasileiras, com suas enormes carências, foram abandona­das à própria sorte por um governo que abrira mão da tarefa de governar.

A tradicional Marcha de Prefeitos a Brasília, que ocorre há onze anos, talvez seja o maior símbolo da revira­volta na relação do poder federal com os municípios. Na gestão FHC, legí­timos representantes do povo eram recebidos com desprezo e cassetetes. Com Lula, a mobilização se tornou uma celebração democrática apoiada pelo governo, que tem atendido prati­camente todas as suas reivindicações e estimulado um intercâmbio cada vez maior entre as prefeituras e os gabinetes ministeriais.

Não há dúvida de que Lula resta­beleceu o sentido original da expres­são "pacto federativo" ao investir no fortalecimento dos municípios como mola institucional para o desenvolvi­mento do país.

De um lado, o sucesso desse novo modo de pensar o Brasil - expressado no apoio da população e na resposta positiva dos administradores mu­nicipais - pode ser entendido como uma importante vitória do projeto de país elaborado pelo PT e colocado em prática com a chegada do partido ao poder central. De outro, porém, a consolidação desse projeto continua dependendo de um maior equilíbrio na correlação geral de forças.

É essa correlação, ainda bastante desfavorável, que retarda o processo de mudanças, obriga a concessões que nem sempre gostaríamos de fazer e deixa as conquistas recentes do país sob permanente risco de retrocesso. Nada garante, por exemplo, que o apoio multipartidário verificado em 2006 se repetirá em 2010. Com Lula fora da disputa, a perspectiva de po­der dos demais partidos, legítima, po­derá mudar radicalmente a disposição das peças no tabuleiro político.

Muitos elementos indicam que esse movimento já está ocorrendo, motivo pelo qual é preciso aproveitar as eleições de 2008 para avançar na construção de uma rede institucional realmente comprometida com o pro­jeto petista. A eleição de candidatos do PT em outubro, por si só, não garante resultados positivos em 2010, mas nos dará melhor condição de jogo.

Para isso, alguns desafios já estão colocados. O principal deles talvez seja justamente o de se apropriar das conquistas do governo Lula, num cenário em que quase todo mundo se apresenta como parceiro (quando não como protagonista) das políticas federais bem-sucedidas. Esta tem sido uma dificuldade real, expressada com freqüência nas conversas com prefei­tos e candidatos petistas. Enfrentá-la significa, em primeiro lugar, conhecer em profundidade tudo o que nosso governo tem feito pelos municípios, das ações mais simples, como a criação de salas exclusivas para atendimento de prefeitos nas agências da CEF; às de maior impacto econômico e so­cial, como os pesados investimentos do PAC em obras habitacionais e de saneamento básico. Muitos desses investimentos podem ser encontrados, em detalhes, na página eletrônica do Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE) dis­ponível no site do PT (www.pt.org.br).

O segundo passo é associar tais conquistas às bandeiras históricas do PT, mostrando ao eleitorado que os candidatos do partido são os mais comprometidos com a continuidade desse processo. O governo Lula é o go­verno do PT: esta é a mensagem. Não funciona automaticamente, como receita de bolo, mas recoloca o debate político no plano ideológico, algo que andou se perdendo nos últimos tem­pos e que começou a ser resgatado, com sucesso, no segundo turno das eleições presidenciais de 2006.

Por esse caminho, entendo que te­mos condições de alcançar um resulta­do expressivo neste ano. Até porque há um sentimento crescente na socieda­de sobre a real contribuição do partido para o conjunto das transformações realizadas pelo governo federal. Aos poucos, vai se desfazendo aquela idéia - tantas vezes vendida pela mídia - de que Lula seria uma coisa e o PT outra, de que o apoio popular a Lula estaria desconectado do partido. A pesquisa que encomendamos ao Instituto Vox Populi, em maio, mostra que o cená­rio não é bem esse. Destaco aqui dois pontos: para 63% dos entrevistados, o PT é visto como a legenda que ajuda o país a crescer; enquanto 47% têm mui­ta ou alguma simpatia pelo partido. Os números estão bastante próximos dos índices de aprovação ao governo e ao presidente. A íntegra da pesquisa Vox Populi pode ser consultada no ende­reço http://www.pt.org.br/.

Representação de qualidade
Quando falo que podemos obter um "resultado expressivo" em 2008, não me refiro apenas à quantidade de prefeitos e vereadores eleitos, mas à qualidade da representação que po­derá emergir das urnas em outubro.

Em algumas das maiores capitais brasileiras, por exemplo, teremos um embate ideológico direto com os principais formuladores e executores da política neoliberal, com chances reais de vitória. Também poderemos expandir nossa representação nos médios e pequenos municípios, historicamente dominados pelas oli­garquias locais, cujo clientelismo foi enfraquecido pelo impacto universal das políticas socioeconômicas imple­mentadas a partir de 2003.

A busca pela qualidade da repre­sentação exige, portanto, um alarga­mento de horizontes para além das questões imediatas que envolvem qualquer eleição. Embora o pragma­tismo seja uma característica comum - e muitas vezes necessária - do jogo político, um partido como o PT não pode se prender excessivamente a isso. Mesmo no caso das eleições municipais, em que os interesses do­mésticos costumam falar mais alto, a experiência tem demonstrado que, para nós, o sucesso eleitoral e admi­nistrativo sempre esteve condicionado à manutenção de nosso compromisso com uma sociedade mais justa, demo­crática e igualitária.

De maneira geral, essa perspec­tiva nunca nos faltou, nem na teoria nem na prática, razão pela qual a sociedade continua a nos dar grande crédito. Mas é forçoso reconhecer que a dinâmica de crescimento do partido, as concessões necessárias à governa­bilidade e os vícios do sistema político brasileiro (aos quais, naturalmente, os petistas não estão imunes) acaba­ram produzindo um distanciamento pontual, mas perigoso, das questões de fundo, aquelas que são a própria razão da existência do PT e de sua sobrevivência.

Ironicamente, foi a violência dos que desejavam extinguir nossa raça que levou o partido a uma correção positiva de rota, tanto no trato das questões internas como nas práticas relativas ao universo institucional dos governos e parlamentos.

Assim, o PT se apresenta para as eleições de 2008 mais forte, amadure­cido e consciente de que, para vencer essa guerra, não basta saber dominar as regras do jogo democrático e do sistema político brasileiro, repleto de distorções. A opção histórica do par­tido - construir a hegemonia popular pela via institucional - nos obriga a participar desse jogo, mas não nos obriga a perder de vista o compro­misso programático nascido das aspi­rações da expressiva base social que, ao lado de uma aguerrida militância, nos apóia e nos cobra intensamente desde o início.

São essas características que fazem do PT a única alternativa real de poder às oligarquias econômicas brasileiras, que, com o controle absoluto sobre a máquina do Estado por mais de 500 anos, nada mais fizeram que governar apenas para si próprias. Naturalmente, esses grupos continuam muito fortes e não medirão esforços - como não têm medido - para retomar seu projeto par­ticular de país para poucos. E a resis­tência da sociedade a esse retorno, que tem se mostrado mais forte do que eles gostariam, será novamente colocada à prova em 2010, certamente com o PT à frente do processo, mas agora sem Lula como candidato.

Por isso mesmo, a disputa começa mais cedo, para nós e para eles. Não tenho dúvida de que o sucesso do governo Lula poderá pesar a favor dos petistas nas eleições deste ano. É fun­damental, porém, que os candidatos do partido fortaleçam suas campanhas em bases ideológicas e programáticas. Não só para aumentar suas chances de vitória, mas também porque, os que forem eleitos, estarão desde já na linha de frente na grande batalha de idéias que se anuncia para 2010.

Ricardo Berzoini é deputado federal e presidente Nacional do PT