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Entrevista com o ministro da Justiça Tarso Genro

Debates sobre o caso Satiagraha e seus desdobramentos, as disputas entre Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência, as polêmicas sobre a lei de Anistia ou a homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol são comentadas por Tarso Genro, ministro da Justiça do governo Lula, para os leitores de Teoria e Debate

O possível indiciamento do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, por suposta quebra de sigilo funcional e interceptação de comunicações telefônicas sem autorização judicial, prejudica uma investigação como a Satiagraha?
O eventual indiciamento do delegado Protógenes, se isso ocorrer, não prejudica a investigação. Todas as provas que foram produzidas legalmente, pelas investigações do delegado Protógenes, são provas válidas. De outra parte, o trabalho que está sendo feito agora pelo delegado Ricardo Saadi tem, ao mesmo tempo, relação com o anterior, com autonomia e com maior profundidade. Trata-se de um trabalho técnico, de alto nível. Será a base de um inquérito que não terá reparos por parte da Justiça nem prejudicará o direito de defesa dos indiciados ou denunciados.

O senhor acha que a opinião pública consegue entender o que está acontecendo ou ficará com a impressão de que alguém está tentando proteger Daniel Dantas?
Creio que a opinião pública ficou um pouco confusa com o que aconteceu inicialmente, mesmo porque o delegado Protógenes teve um grande protagonismo pessoal em todos os eventos. Mas entendo que, com a continuidade das investigações, a apresentação do segundo relatório e até mesmo o esclarecimento de eventuais erros que possam ter sido cometidos pela investigação anterior, tudo ficará mais claro. A opinião pública entenderá que o Estado preocupou-se em fazer um inquérito correto, para que a Justiça possa fazer um processo judicial correto. Não há nenhum tipo de investigação, por mais meritória que seja, que deva socorrer-se de meios ilegais para alcançar seus objetivos.

A que o senhor atribui essa tensão entre as instituições? Polícia Federal (PF) × Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Executivo x Judiciário, e assim por diante. E, principalmente, como dar um basta a essa situação?
A tensão entre a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência decorre de um fato muito concreto: a Polícia Federal está se tornando cada vez mais efetiva e mais republicana. Como esses fatores incidem nas relações com outros organismos, como a Abin, é evidente que sobra algum tipo de tensão nesse relacionamento. O caso do inquérito Satiagraha é um exemplo de como as relações informais entre a PF e a Abin, ao que tudo indica, produziram ações que não são regulares, quem sabe até ilegais, o que está sendo verificado. O que há, portanto, é uma melhora na relação entre as instituições, acabando com a informalidade entre agentes de ambas, o que, aliás, é um resíduo da ditadura. Não vou me pronunciar sobre tensões entre Poder Executivo e Judiciário, porque não devo fazer juízo sobre o comportamento do Judiciário, em função das tarefas que exerço como ministro da Justiça. Aumentar os controles internos, para que sejam cada vez mais rigorosos, e a movimentação da PF e da Abin para que seja cada vez mais dentro das normas, é a forma de dar um basta. É exatamente o que está sendo feito nesse momento.
Como sair do impasse criado pelo parecer emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a extensão da Lei da Anistia, perdoando os agentes do Estado acusados de tortura?
Esse impasse não é jurídico, é político. Temos aí duas posições que são “fundamentáveis”, tanto entendendo que a Lei de Anistia atinge os agentes do Estado que praticaram ilegalidades, como é perfeitamente fundamentável – aliás de forma totalmente rigorosa – de que a Lei da Anistia não pode atingir pessoas que cometeram atos espúrios desta natureza. Portanto, a saída do impasse será a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. A nossa opinião sobre a matéria está exaustivamente divulgada: o agente público que viola a legalidade internacional, a legalidade de seu próprio país, e mesmo a própria legalidade da ditadura, esse agente que tortura pessoas indefesas, não está cometendo um crime político, portanto a anistia política não lhe atinge. Na minha opinião, trata-se de um crime imprescritível, porque além de ser, na legislação, um crime comum, é no direito internacional um crime contra a humanidade.

É notória uma campanha da mídia contra o senhor e o ministro da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, que assumiram posição pela revisão da lei. Há quem diga que se trata de posição pessoal e não de ministros. Há como separar uma coisa da outra nesse momento?
Minha posição e a do ministro Paulo Vannuchi são nitidamente vinculadas a posições históricas que a esquerda democrática e a esquerda mundial em geral sempre defenderam sobre esse assunto. Vou dar um exemplo concreto: defenderíamos a mesma posição em relação a um torturador de um país socialista? Sim, defenderíamos, porque não se trata de uma questão relacionada com o modo de produção nem com o regime político vigente. Trata-se de uma questão que está incorporada ao patrimônio moral e político da humanidade moderna.

Como o senhor espera que essa questão seja tratada pelo Ministério Público, o Supremo e as Forças Armadas?
O Ministério Público Federal já está tratando desse assunto, na minha opinião, de forma adequada. Vamos aguardar a posição do Supremo. Confio que a ele não faltará o melhor bom senso jurídico e político nessa questão. Mas seja qual for a decisão, vamos respeitá-la. Quanto às Forças Armadas, acredito que elas nem deveriam participar dessa discussão, ninguém está tratando do comportamento das Forças Armadas, nem avaliando-as enquanto instituição, mesmo na época da ditadura. Estamos tratando é de pessoas, civis ou militares, que individualmente, dizendo-se representantes do regime, o violaram. O regime não autorizava, legalmente, que qualquer pessoa fosse submetida à tortura.

Outra questão delicada a ser enfrentada por sua pasta no próximo período é o prosseguimento do julgamento sobre a homologação da demarcação da área Raposa Serra do Sol. Como o ministério atuará?
Já fizemos todos os esforços políticos e várias manifestações públicas, para dar sustentação à manutenção da continuidade de demarcação de Raposa Serra do Sol. Temos a esperança que o Supremo julgue a ação de acordo com a tradição segundo a qual o país tratou esta questão das terras indígenas. Terra indígena é da União, a União não perde poder sobre ela. Os indígenas são usufrutuários, como donos imemoriais do território.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate