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O processo eleitoral deste ano ofereceu um cenário positivo para o PT e partidos da base do governo Lula, que a partir de 2009 passarão a governar 72% do eleitorado brasileiro. O resultado deve ser comemorado, mas também é necessária uma análise política aprofundada

O resultado das eleições municipais de 2008 representou um inquestionável avanço do PT. Conquistamos 148 novas prefeituras e, dentre todos os partidos, obtivemos o maior percentual de reeleições entre os prefeitos que se submeteram ao julgamento das urnas (56%). Nossos prefeitos e prefeitas administrarão 559 cidades, o que representará um crescimento da ordem de 36% em relação ao resultado eleitoral de 2004. Fomos o partido mais votado no segundo turno das eleições (5,1 milhões de votos recebidos), tendo vencido em oito cidades das quinze em que disputamos.

Os partidos aliados estratégicos do PT, o PCdoB, o PSB e o PDT, também se saíram bem, aumentando o número de prefeituras que governarão a partir do início do próximo ano. O PMDB continuou sendo o partido que comanda o maior número de prefeituras e capitais no Brasil. Esse substantivo êxito eleitoral poderá ser creditado, em geral, a praticamente todos os partidos que integram a base de sustentação do governo Lula. A partir de 2009, esses partidos passarão a governar 72% do eleitorado brasileiro, incluindo vinte das 26 capitais.

Por mais que tenham se esforçado os líderes oposicionistas e alguns analistas pouco isentos em descaracterizar o resultado das urnas, a verdade é que a derrota das forças tucano-democratas em âmbito nacional, apesar da vitória que obtiveram na cidade de São Paulo, foi contundente e inegável. Os números finais não poderão nunca ser desmentidos ou encobertos por discursos retóricos e fantasiosos.

Esse cenário positivo para o PT e para os partidos que apóiam o governo Lula deve ser ressaltado e comemorado. Mas exige, também, uma reflexão política aprofundada, sob todos os seus aspectos.

De fato, não poderemos de início deixar de ressaltar que é inegável que o clima de aprovação ao governo Lula e de crescimento econômico do país, que levou à melhoria das condições de vida de setores expressivos da população, desenhou o pano de fundo favorável a um melhor desempenho das forças partidárias que apóiam o governo. Aliás, poucas vezes se viu na história política brasileira uma eleição em que, de um lado, as forças governistas de todos os matizes buscavam colar, sem ressalvas, seus candidatos na imagem do presidente da República, enquanto, de outro, as forças oposicionistas tentavam também se apropriar indevidamente dessa mesma imagem ou fugir de críticas ao governo federal. Não poucas vezes, na Direção Nacional, recebemos apelos de companheiros para que gravássemos depoimentos dizendo que o “presidente Lula apóia o candidato do PT” ou o candidato de “tal partido aliado” na busca de combater a proposital confusão que algumas campanhas oposicionistas tentavam estabelecer no eleitorado. Houve casos até de candidatos que, pela rejeição que atraíam, tiveram de ir a público pedir desculpas pelas críticas violentas ou agressões que, no passado, haviam dirigido contra o presidente da República.

Essa impressionante aprovação popular ao governo federal acabou gerando ainda um efeito reflexo que não pode ser desprezado em qualquer análise, por mais superficial que seja. Ao propiciar mais equipamentos, mais programas e mais recursos para as prefeituras em geral, seguindo critérios de distribuição objetivos, republicanos, e não de beneficiamento direto apenas a aliados políticos (como era tradicional na vida administrativa brasileira), a forte presença do governo Lula no país acabou favorecendo a avaliação eleitoral dos atuais prefeitos, independentemente do partido em nome do qual exerceram seu mandato. Desse modo, a satisfação e aprovação generalizada do governo federal, em todas as regiões do país e por todas as classes sociais, criou um clima extremamente favorável à avaliação dos prefeitos eleitos em 2004 e, aturalmente, à sua reeleição. Esse mesmo cenário favoreceu ainda a eleição dos candidatos que, nessa disputa, foram apoiados por esses prefeitos, independentemente de serem ligados a forças situacionistas ou oposicionistas no âmbito federal.

No que se refere especificamente ao PT, torna-se importante observar que o nosso desempenho no Nordeste representou um grande avanço. Da mesma forma, fomos vitoriosos nos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo, onde obtivemos vitórias, quando não nas capitais, em cidades-pólo do interior. Mesmo em cidades importantes em que perdemos a eleição, como Porto Alegre, obtivemos uma significativa votação, mostrando um partido forte e bem enraizado em setores expressivos da população.

Porém, é importante reconhecer que nossos resultados ficaram aquém do esperado e do possível em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. É verdade que tivemos avanços importantes nos municípios da Baixada Fluminense, como, por exemplo, na reeleição do nosso prefeito de Nova Iguaçu, e principalmente na Grande São Paulo, onde mantivemos ou ganhamos municípios de peso, como Guarulhos, São Bernardo, Osasco, Diadema, Mauá, Carapicuíba e Suzano. Mas o resultado, seja nas capitais desses estados, seja no interior, em uma análise isenta, acabou deixando a desejar. Nos casos de Paraná e Santa Catarina, louve-se a vitória em Joinville, maior cidade catarinense. Fomos, no entanto, derrotados em importantes cidades que já governamos, como Blumenau, Criciúma, Itajaí e Chapecó, em Santa Catarina, e Londrina, Maringá e Ponta Grossa, no Paraná. No interior e litoral de São Paulo, obtivemos também vitórias em Araçatuba, Cubatão e Registro, que governaremos pela primeira vez, como também em São Carlos, onde conseguimos eleger o sucessor do nosso prefeito. Entretanto, tivemos resultados ruins em cidades-pólo como Ribeirão Preto, Jundiaí, Santos, Piracicaba e Sorocaba. Também não conseguimos eleger nossos candidatos em cidades que governávamos com boa avaliação, como Santo André, Araraquara e Botucatu.

É evidente que, muitas vezes, nossos resultados eleitorais negativos podem ser creditados, em parte, a um mau desempenho do candidato local, a erros na tática ou na organização da campanha, a um cerco de setores conservadores e da imprensa local controlada por oligarquias, ou a outros fatores muito específicos e localizados. Obviamente, fatores dessa natureza jamais poderão deixar de ser objeto de análise cuidadosa, na busca de que se evitem novos erros ou se superem obstáculos no futuro. Contudo, temos o dever partidário de fazer, a partir de agora, uma análise mais aguda e aprofundada de alguns aspectos que não só permearam estas eleições municipais em 2008, mas também se fizeram presentes em outros momentos eleitorais. Um deles, de grande importância, diz respeito à nossa relação política com as classes médias tradicionais e emergentes.

De fato, essa questão precisa ser objeto de reflexão e debate pelas nossas instâncias partidárias e por nossos dirigentes. Podemos tomar como exemplo a cidade de São Paulo. Nesta eleição obtivemos resultados extraordinários na periferia, mas nossa votação foi baixa nos bairros de classe média mais tradicionais e mesmo em antigos bairros operários hoje essencialmente de classe média emergente, como Capela do Socorro, São Miguel Paulista e Itaquera. É verdade que, desde o nascimento do PT, conseguimos ganhar apenas por duas vezes as eleições na capital paulista. A primeira, com Luiza Erundina, em 1988, quando saímos vitoriosos, sem que, contudo, tivéssemos obtido o voto da maioria dos eleitores (na época ainda não existia a exigência de segundo turno nas grandes cidades). E a segunda, no ano 2000, com Marta Suplicy. Nessas duas eleições, nossa vitória foi conquistada em decorrência de uma forte polarização com o malufismo e com os setores políticos mais reacionários e conservadores da cidade (particularmente na eleição de Marta, com o desgaste propiciado pela administração de Celso Pitta). No âmbito dessa polarização, conseguimos atrair uma parcela significativa de votos desses segmentos sociais. Torna-se imprescindível, assim, analisar e discutir as razões pelas quais não conseguimos, nesses segmentos sociais, conservar esse apoio ou ter a aceitação do nosso discurso e das propostas de campanha. Até porque essa situação, com nuances diferenciadas, se repete em outras importantes cidades do país.

O bom resultado eleitoral de 2008, portanto, não pode turvar nossa visão para o grande embate de 2010. Pela primeira vez na nossa história partidária, disputaremos uma eleição presidencial em que não teremos como candidato o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva. Teremos, assim, como tarefa prioritária, a construção de uma candidatura presidencial não só dentro do nosso partido, mas a partir de um diálogo maduro e respeitoso com os partidos e as forças políticas aliados. A relação dessa candidatura com o conjunto da sociedade brasileira deve ser pensada, em larga medida, a partir dos resultados obtidos em 2010. Manter a relação com os segmentos sociais que reconhecem o modo petista de governar como a melhor solução para o país e dialogar com os setores sociais com os quais hoje não dialogamos ou que ainda nos rejeitam de forma preconceituosa são os grandes desafios. Desafios que estamos preparados para enfrentar, rumo à continuidade do governo do presidente Lula.

José Eduardo Cardozo é deputado federal e secretário-geral do Partido dos Trabalhadores