Economia

Excedentes financeiros acumulados podem gerar fundos capazes de financiar investimentos

Excedentes financeiros acumulados podem gerar fundos capazes de financiar investimentos, de curto e longo prazo, e complementar o Orçamento da União na construção e modernização da infraestrutura

Presidente Lula e o presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, com óleo extraído da camada do pré-sal nas mãos. Foto: Ricardo Stuckert/ ABr

O Brasil reúne condições propícias para manter o novo ciclo duradouro de crescimento econômico acompanhado de redução de desigualdades sociais e regionais, já em curso no país.

As reservas em divisas ultrapassam US$ 200 bilhões e o país já conquistou a posição de investment grade, fatores que permitirão, encerrada a crise mundial, voltar a captar recursos com menores encargos financeiros e com prazos mais longos.

As empresas estatais e privadas nacionais e multinacionais, de um modo geral, obtiveram lucros crescentes nos últimos cinco anos, o que lhes possibilita realizar investimentos com recursos próprios. Os fundos de pensão, os fundos mútuos de investimentos e as instituições financeiras também obtiveram elevada rentabilidade com aplicações tanto em renda fixa quanto em renda variável.

Assim, existem excedentes financeiros acumulados que podem gerar fundos capazes de financiar investimentos de curto, médio e longo prazo e, ainda, complementar as tarefas do Orçamento Geral da União na construção e modernização da infraestrutura.

Este texto contém algumas proposições para mobilizar adequadamente os instrumentos disponíveis e para estimular a criação de novos mecanismos capazes de canalizar recursos para o financiamento de projetos mais ousados de infraestrutura, industriais, de serviços avançados e de agronegócios.

Novas missões estratégicas são sugeridas para os bancos oficiais, atualmente conglomerados financeiros ou bancos universais contemporâneos, de modo a capacitá-los ao exercício de liderança na indução do sistema financeiro privado na construção de um novo ciclo de crédito e de fortalecimento do mercado de capitais. Os conglomerados financeiros, atuando como banco comercial, financeira, leasing, banco de investimentos, administradora de previdência complementar, seguradoras, empresa de capitalização e de consórcios, empresa de crédito imobiliário etc., estão capacitados a captar recursos com compromissos de curto, de médio e de longo prazo, que, a propósito, são pré-requisitos para a montagem de um forte sistema de financiamento a longo prazo e, ao mesmo tempo, de expansão e diversificação do mercado de capitais.

Em parceria com o BNDES, os bancos oficiais devem priorizar a geração de fundos de investimentos corporativos, setoriais, inter-setoriais, plataformas logísticas integradas etc. Devem participar de fundos ventures-capital e private-equity, especializados no apoio às empresas tecnologicamente inovadoras.

Nesse contexto, cabe chamar a atenção para a necessidade de uma mudança de postura do Banco Central do Brasil. O Bacen deverá compatibilizar metas de inflação com metas de crescimento do emprego e da renda. Deverá, também, evitar ameaças de fragilização das instituições financeiras. Para tanto, será necessário que desenvolva estudos de oferta por setor, assim como já realiza projeções de demanda, contando ou não, com parcerias do Ipea, do BNDES, do Banco do Brasil, devido à capilaridade de sua rede, e dos bancos regionais (BNB, Basa).

Além disso, deverá introduzir métodos modernos de acompanhamento e avaliação de cada instituição financeira para evitar risco sistêmico para o mercado financeiro como um todo. Ou seja, deverá analisar, com profundidade, os níveis de consistência entre a composição dos passivos e aplicações reunidas nos ativos.

Quanto à infraestrutura e ao processo de expansão/modernização de setores intensivos em capital e em tecnologia, que envolvem elevado custo de capital, com taxas de retorno mais baixas, será necessário maior presença do governo segundo o interesse de empreendedores.

A criação de uma Empresa Nacional de Ativos (PROBR ou Probrasil) poderá ter, no Brasil, funções semelhantes às desenvolvidas, na Itália, pelo Instituto de Reconstrução da Itália (IRI). Uma holding ou “empresa guarda-chuva”, com capital integralizado pelas ações, de propriedade da União, ordinárias e preferenciais das estatais e de bancos oficiais (Banco do Brasil, BNDESPAR, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, Petrobras, Eletrobrás, Instituto de Resseguros do Brasil, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Embrapa, Infraero etc.), poderá constituir-se no mecanismo operacional adequado para viabilizar PPPs e antecipar recolhimento de resultados para o Tesouro Nacional.

Essa empresa, vinculada ao Tesouro, terá um capital social estimado em mais de R$ 400 bilhões, capaz, portanto, de alavancar elevado montante de recursos no mercado financeiro através de lançamentos de debêntures, de ações resgatáveis e de empréstimos (BNDES, BB, CEF, BIRD, BID etc.) com compromisso de longo prazo. Esses recursos poderão ser utilizados tanto na antecipação de recolhimentos de dividendos ao Tesouro quanto para proporcionar parcerias com o setor privado (PPPs) em Project Finance (PF) de Sociedades para Propósitos Específicos (SPEs) estratégicos de infraestrutura.

A PROBR poderá contemplar, portanto, múltiplos objetivos:

• colaborar para reduzir a 30% a relação dívida pública/PIB em um período de três a quatro anos, o que possibilitará a redução da taxa de juros reais para 5% a 6% ao ano;
• fortalecer, diversificar e expandir o mercado de capitais;
• liberar dotações orçamentárias do Orçamento Geral da União para programas e projetos voltados para transferência de renda, inclusão social, redução de desigualdades regionais e programas mais ousados de moradia, de transportes urbanos, de saneamento básico, de segurança pública, de saúde, de educação e de segurança alimentar, de modo a garantir maior poder aquisitivo para famílias que ganham até cinco salários mínimos;
• viabilizar PPPs estratégicas para solucionar problemas atuais e futuros de infraestrutura.

Os recursos a serem captados pela PROBR deverão, no entanto, obedecer a um cronograma definido de acordo com a capacidade de absorção pelos investidores financeiros, especialmente os fundos de pensão, seguradoras, bancos de investimentos e outros investidores institucionais, nacionais e estrangeiros.

Os títulos mobiliários e imobiliários a serem lançados pela PROBR deverão garantir remuneração pelo IPCA mais participação nos resultados obtidos pelos projetos contemplados.

Além do lançamento de títulos mobiliários (ações que devem ser resgatadas pelo próprio Tesouro Nacional, debêntures, bônus etc.), baseados no patrimônio líquido da PROBR e de fundos e certificados imobiliários, lastreados nos seus ativos imobiliários, é importante destacar seu enorme potencial para viabilizar o lançamento de dois fundos mútuos de investimentos. Um com base na securitização de recebíveis que são gerados pelas receitas correntes das empresas que constituem o capital da PROBR e o outro lastreado no valor presente da projeção de dividendos de cada uma das participações acionárias da PROBR.

As estatais e os bancos oficiais federais deverão recolher mais R$ 20 bilhões de dividendos ao Tesouro por ano, o que equivale à distribuição de 25% do lucro líquido total obtido em 2006. O desempenho de 2003 a 2006 possibilita prever lucros crescentes. Logo, uma projeção conservadora permite estimar o repasse de aproximadamente R$ 200 bilhões ao Tesouro em um período de doze anos.

Logo, a PROBR reunirá plenas condições para captar, através de lançamentos de debêntures e/ou outros títulos mobiliários, montantes anuais de recursos lastreados em seu patrimônio líquido e no fluxo de dividendos anuais, proveniente das empresas componentes de seu capital social, para participar no capital de risco de SPEs, em parceria com investidores privados e, assim, viabilizar PF de infraestrutura.

A distribuição dos recursos alavancados pela PROBR, tanto para reduzir a dívida pública como para permitir sua participação em SPEs destinadas a viabilizar os projetos de infraestrutura, obedecerá principalmente às características das fontes e fundos de recursos captados. Para ilustrar: os recursos captados através de recebíveis projetados deverão ser usados em SPEs, entretanto, os fundos baseados na projeção de dividendos e/ou de rentabilidade dos ativos da PROBR poderão ser usados tanto para a redução da dívida pública quanto em SPEs.

As proposições ora sugeridas requerem a estruturação da organização empresarial cuja gestão se subordine às melhores práticas de governança corporativa.

A PROBR e o pré-sal

O governo iniciou o debate sobre o tema sinalizando que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deveria redefinir suas atribuições para executar a política do governo, assim como nos países desenvolvidos. Nesse sentido, o governo aponta para a criação de uma nova empresa 100% estatal, que deverá ser a proprietária das reservas de petróleo nas camadas do pré-sal e, ainda, agir como instrumento adicional do governo na partilha das rendas a serem auferidas.

Sem dúvida, sua constituição exigirá grandes investimentos e, portanto, será preciso estimulá-los. O Brasil já ultrapassou a fase em que empresas estatais eram necessárias para promover a industrialização acelerada; mas não é essa a questão em jogo em torno da empresa 100% estatal para explorar o pré-sal. É preciso, portanto, redefinir a política brasileira de exploração do petróleo e estabelecer diretrizes mais adequadas para o desenvolvimento dessas novas e singulares atividades.

As reservas de petróleo do pré-sal são propriedade da Nação e, portanto, devem ser exploradas de forma planejada em um contexto da matriz energética constituída por combustíveis fósseis, energia nuclear, etanol e biodiesel, energia eólica e solar e, também para além da continuidade da exploração da energia hidroelétrica; consequentemente, devem receber todas as garantias de que permanecerão sob o controle nacional.

As reservas e sua exploração podem atrair parcerias com a iniciativa privada nacional e estrangeira. Mas os resultados devem constituir fonte de recursos para promover o desenvolvimento nacional em seu mais amplo e justo sentido, isto é, crescimento econômico com redução de desigualdades sociais.

O desafio é tão grande quanto foi o da fundação da Petrobras e do desenvolvimento da tecnologia de exploração em águas profundas, que hoje o Brasil domina. Seus resultados deverão ser destinados a garantir o futuro energético e os recursos necessários para financiar a infraestrutura básica e o desenvolvimento social do país.

A utilização dos royalties do petróleo deve estar vinculada às prioridades nacionais para otimizar o balanço de custos e benefícios sociais pela exploração do pré-sal. Ou seja, os rendimentos obtidos com a exploração petrolífera do pré-sal devem ser utilizados em grandes projetos sociais na área de saúde, educação, saneamento básico, infraestrutura logística (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias), em aperfeiçoamento eficaz da matriz energética e em outras medidas que venham a ser promovidas em benefício das camadas mais pobres da população.

Ou seja, os excedentes devem ser empregados para garantir ao país desenvolvimento sustentado e duradouro, evitando-se, por conseguinte, que ao se esgotarem as reservas de recursos naturais a economia entre em grave e inevitável colapso. E cabe a advertência: quanto mais tempo durarem as reservas, mais grave será o colapso. É necessário lembrar que o excesso de otimismo, gerado pela descoberta de grandes reservas de recursos naturais, pode levar ao esvaziamento de setores econômicos mais refinados e de crescimento mais rápido e permanente. É a chamada “doença holandesa”.

Tendo em conta que as limitações fiscais não permitem que o governo realize vultosos investimentos, está em debate um modelo de partilha da produção no qual o petróleo retirado é dividido entre o governo e as empresas responsáveis pela exploração. Nesse caso, a nova estatal deveria, pelas discussões, apenas administrar a nova reserva a partir da assinatura dos contratos com os operadores.

A empresa não será uma petroleira como a Petrobras. O modelo é semelhante ao da Petoro norueguesa. Teria mandato para negociar as reservas do pré-sal, o que seria a missão principal da empresa, mas afastaria a ANP dessa tarefa. Em um modelo de partilha, a nova empresa assinaria contratos com operadoras (como a Petrobras, por exemplo), que teriam o ressarcimento pelos investimentos. O resultado da produção seria dividido entre as empresas. Há modelos diversos adotados em outros países do mundo, como na Venezuela, em que a participação do Estado é superior a 80%.

Para viabilizar os investimentos em sete campos já identificados no pré-sal, serão necessários valores que oscilam entre US$ 150 bilhões e US$ 200 bilhões e a origem desses recursos dependerá do modelo adotado. Os recursos obtidos com a exploração do pré-sal no Brasil poderão ser administrados por uma nova estatal ou pelo Tesouro ou, até mesmo, através de um fundo soberano.

Cabe sugerir, entretanto, que as reservas do pré-sal, à medida que sejam comprovadas e quantificadas, possam ser incluídas, gradativamente, no capital social da PROBR. A integralização desses ativos no capital da PROBR possibilitará, também gradativamente, captações de recursos com lastro nos royalties que as reservas poderão proporcionar, o que garantirá financiamentos para cada etapa de exploração do pré-sal. A PROBR poderá lançar títulos mobiliários, tais como debêntures não conversíveis em ações, ações resgatáveis no prazo de quinze a vinte anos, para financiar a exploração de cada etapa planejada.

Cézar Manoel de Medeiros é doutor pelo IE-UFRJ