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A ocorrência de mudanças climáticas mostra a urgência da proteção ambiental

Os programas e projetos de ocupação do “vazio” amazônico sempre foram pautados pelo mercantilismo, liberal e capitalista. Foram planos que pilharam a região e promoveram o desenvolvimento à custa de prejuízos ambientais

Não faz muito tempo, os ambientalistas eram amiúde acusados de catastrofismo, supostamente por bater sempre na mesma tecla: a denúncia da degradação ambiental e a demanda por maior proteção ao meio ambiente.

De uns tempos para cá essa postura desqualificadora parece ter perdido fôlego. Afinal, as catástrofes se sucedem, a aceleração do aquecimento global aumenta a ocorrência de eventos climáticos extremos e a proteção ambiental já é consenso de sobrevivência para a humanidade.

Como efetivar a proteção é um tema que sempre remete à relevância e pertinência de manter a integridade dos ecossistemas ainda preservados. Aí o embate ainda é feroz, sobretudo no caso das florestas, pois entra em cena o argumento do “desenvolvimento” e da necessidade de “novas áreas para a produção”.

O Brasil está no centro dessa discussão. Somos um país florestal. Nossas florestas ocupam 56% do território, num total de 4,8 milhões de quilômetros quadrados. Elas representam 10% das florestas mundiais e fazem do país o segundo maior detentor de florestas no mundo.

De acordo com dados de 2005, as florestas são responsáveis pela geração de 4 milhões de empregos diretos e indiretos, 6% das exportações e 4% do PIB. Além disso, cerca de 5 milhões de extrativistas têm nessas florestas sua base de reprodução material e social. Os produtos nelas gerados são fundamentais para a existência de importantes cadeias produtivas, como a de madeira sólida, chapas e compensados, papel e celulose, siderurgia e carvão vegetal, resinas e óleos, cosméticos e fármacos e alimentos.

As florestas ainda prestam serviços ambientais altamente relevantes para a vida no planeta, a exemplo da manutenção das chuvas, a regularidade do ciclo hidrológico, o equilíbrio climático, o armazenamento de carbono nas árvores, a conservação da biodiversidade, dos mananciais, da fertilidade do solo e das paisagens.

A produção agrícola é altamente dependente da oferta de água de boa qualidade. Para se ter uma ideia, são necessários 15 mil litros de água para produzir 1 quilo de carne bovina, 2 mil litros para 1 quilo de frango, 800 litros para 1 litro de leite e mil litros para 1 quilo de milho. A perda de florestas e a utilização inadequada do solo estão reduzindo drasticamente as áreas agricultáveis em várias regiões do mundo. Um terço da superfície da Terra, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), sofre com problemas ligados à desertificação, afetando 1 bilhão de pessoas e 20% da produção mundial de alimentos. No Brasil esse problema atinge uma área de quase 1 milhão de quilômetros quadrados, na Região Nordeste e no norte de Minas Gerais.

A ONU afirma que a falta de água potável é responsável por 80% das mortes nos países pobres. As chamadas doenças de veiculação hídrica, como febre tifoide, leptospirose e cólera, já estão entre as causas mais comuns de morte no mundo e afetam mais os países em desenvolvimento.

Esses dados ajudam a ter uma ideia bem concreta do que está em jogo quando se fala em desmatamento, fonte de cerca de 20% das emissões globais atuais e de 75% no caso brasileiro. Daí é fácil entender o erro de fundo que persiste nas análises artificialmente centradas numa alegada incompatibilidade entre boa performance econômica e proteção ambiental. Ao contrário, a realidade mostra que a proteção ambiental e o uso inteligente dos recursos naturais é condição inarredável para a solidez da economia. A crise climática global é de tal monta que, segundo o relatório Stern de 2006, o mundo pode perder 20% do PIB se nada for feito para deter os efeitos das mudanças do clima.

Se pensarmos apenas no uso mais nobre da água, que é a oferta em boas condições para o consumo humano, o impacto do desmatamento na redução dessa oferta é grave, sobretudo porque se trata de um recurso cada vez mais escasso, em razão de processos continuados de degradação e mau uso. A água doce para consumo humano corresponde a cerca de 3% da água do planeta, mas não está ao alcance da mão. Mais da metade (68,7%) está congelada nas geleiras e glaciares e 30,1% encontram-se em reservatórios subterrâneos. Menos da décima parte daqueles 3% está na superfície, em lagos, nascentes, rios e pântanos.

Os mananciais estão secando a uma velocidade muito preocupante, principalmente se levarmos em conta o aumento da população, o aqueci mento global e a intensidade da poluição urbana, rural e industrial, que levam a uma situação de dramática redução da quantidade de água disponível para cada pessoa no mundo.

Além de proteger os mananciais e regular o sistema climático, as florestas são fundamentais para a proteção das cidades contra enchentes e inundações, como as que ocorreram em Santa Catarina recentemente. Nesse caso, os prejuízos foram muito altos e mais caros do que os investimentos para conservar as florestas nas regiões críticas. Os números oficiais informavam, até meados de dezembro de 2008, a morte de 122 pessoas e outras 29 desaparecidas, além da existência de 33.475 desalojados e desabrigados. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas tenham sido afetadas pelas enchentes em todo o estado. Somente a paralisação do Porto de Itajaí acarretou a perda de US$ 350 milhões em apenas dez dias sem operação.

O mundo está perdendo cerca de 200 quilômetros quadrados de florestas por dia, área correspondente a vinte estádios do Maracanã. Somente no último ano perdemos quase 12 mil quilômetros quadrados da floresta amazônica, já reduzida em 18%. Da Mata Atlântica só restam 7% e apenas 20% do cerrado permanece bem preservado.

A par de todos os efeitos danosos à qualidade de vida no planeta, a perda de florestas acarreta também a perda de biodiversidade. O Brasil é campeão absoluto de biodiversidade terrestre, reunindo quase 12% de toda a vida natural do planeta. Concentra 55 mil espécies de plantas superiores (22% abriga em torno de um terço da biodiversidade global e estão fixadas mais de uma centena de bilhões de toneladas de carbono. Sua importância para o equilíbrio do planeta é inequívoca. Abriga, ainda, expressivo conjunto de populações tradicionais com riquíssima diversidade cultural. São cerca de 220 povos que falam 180 línguas e têm sua sobrevivência física e cultural intrinsecamente ligada à existência da floresta.

Estudo recente da ONU indica que o desmatamento da floresta tropical pode causar prejuízos de US$ 1 trilhão ao Brasil e a outros países latino-americanos, nos próximos cinquenta anos, em decorrência dos prejuízos no setor agrícola, causados pela redução das chuvas. Para se ter uma ideia da magnitude dessa informação, o Instituto de Pesquisas da Amazônia estima que a floresta amazônica seja responsável pela evaporação de 20 bilhões de toneladas de água todos os dias. A bacia amazônica é o maior, mais dinâmico e mais poderoso sistema hidrológico de águas continentais, detentor de 11% das reservas de água doce no mundo. Aproximadamente 20% da água doce despejada nos oceanos pelos rios, em todo o planeta, é da Amazônia. Sua vegetação libera a cada ano, como vapor de água, cerca de 7 trilhões de toneladas para a atmosfera.

A América do Sul, em geral, e o Brasil, em particular, apresentam excelentes condições para a agricultura e produção de energia hidrelétrica graças à abundância de chuvas que irrigam o continente, a leste dos Andes. Seguindo a tendência natural da circulação planetária, imensas áreas produtivas na região compreendida na faixa de Cuiabá a Buenos Aires e de São Paulo aos Andes – região onde estão 70% do PIB do continente –, poderiam se tornar zonas áridas, não fossem os “rios voadores” da Amazônia. Sem floresta, ficam ameaçadas a regularidade e a abundância das chuvas. Sem chuvas, ficam ameaçados amplos setores da economia e a sobrevivência das populações.

Com a floresta, a atmosfera protege, regula-se, conecta, favorece. Sem a floresta a atmosfera seria outra, extrema, oscilante, agressiva, pouco aconchegante. A floresta traz a água do mar, absorve a energia do sol, circula as massas úmidas através de brisas, filtra poluentes, recicla o gás carbônico.

Um deserto, uma vez instalado, pode durar eras geológicas. Se não submetidas à ação humana predatória, também as florestas duram muito. Um se mantém pela ação das poderosas forças geofísicas do vento e do sol, a outra se mantém pela obra e arte da vida e seus elaborados mecanismos de ajuste e controle.

A preservação das florestas vai muito além do seu valor econômico, social e ambiental. Existe um valor intangível expresso por sua importância para sustentar e dar identidade a diversos processos culturais, sobretudo aos associados aos povos e comunidades tradicionais extrativistas, além do valor estético e paisagístico.

Nos últimos cinco anos o Estado brasileiro tem dado passos essenciais para a proteção de suas florestas, especialmente no caso da Amazônia. A partir do lançamento do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, em 2004, quando a taxa de desmatamento atingiu seu segundo recorde histórico, 27 mil quilômetros quadrados, obteve-se uma redução de 57% até 2007, chegando-se a uma taxa de 11.532 quilômetros quadrados. Evitou-se, com isso, a emissão de 500 milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera. Medidas como o Decreto nº 6.321, impediram que o desmatamento subisse entre 30% e 40%, como previsto para 2008, o qual ficou em 11.968 quilômetros quadrados, ligeiramente acima do patamar de 2007. A partir desses bons resultados, o governo pode mudar sua posição histórica no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas, assumindo a meta de redução do desmatamento na Amazônia em 70% até 2017. Dessa forma deverá ser evitada a emissão de 4,8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono.

Para cumprir esse importante passo, será necessário aprofundar as medidas estruturais em curso e avançar na implementação de políticas de desenvolvimento sustentável da região. Essa mesma abordagem deverá ser estendida aos demais biomas brasileiros, na perspectiva de proteger os remanescentes do cerrado, mata atlântica, caatinga, pantanal e pampas e de incorporá-los a uma nova visão de desenvolvimento para o país.

O Brasil não poderá aspirar ser uma nação desenvolvida sem suas florestas, recursos hídricos e diversidade biológica e cultural. Quando somos questionados sobre o desmatamento da Amazônia, muitos se sentem incomodados. Mas a crítica não só é natural como desejável. Deveria ser vista como uma espécie de interpelação ética feita em nome das gerações futuras.

É pertinente o questionamento vindo dos países que já destruíram suas riquezas naturais. É legítima sua preocupação, hoje, a respeito do impacto de nossas escolhas sobre o destino de todos, desde que façam também sua parte. Embora o desafio que lhes é colocado não diga mais respeito à preservação de grandes extensões de florestas em seus territórios, ele é crucial para o destino da humanidade, já que impõe mudanças estruturais num modelo de produção e de consumo insustentável, que impulsiona a degradação ambiental e social em escala global.

No passado, ouro e petróleo eram considerados tesouros. Agora sabemos que os verdadeiros tesouros são água, solo, ar, biodiversidade.

Marina Silva é senadora da República pelo PT-AC