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Quanto mais se aprofundar publicamente uma dinâmica de revolução democrática, menor será a probabilidade de Serra vencer em 2010

Quanto mais se esclarecer e se aprofundar publicamente uma dinâmica de revolução democrática, menor será a probabilidade de Serra vencer em 2010 com base em uma estratégia transformista de parecer não ser o retorno de FHC nem uma ruptura com o governo Lula

Na avaliação dos efeitos da crise econômica internacional sobre a conjuntura brasileira, deveriam ser evitados dois erros que significam uma regressão em relação à inteligência nacional-desenvolvimentista e às conquistas do debate sobre a relação entre dependência e desenvolvimento do país. O acúmulo dessas tradições já nos ensinou que a economia internacional se relaciona com o país mediada pelo Estado nacional, seu grau de soberania, suas posições de força acumuladas e a vontade política que o governa.

O primeiro erro é a replicação simétrica-­ é inerente aos pensamentos liberais e parece dominar a cobertura hoje dos órgãos da mídia empresarial. Por ela, a economia brasileira acompanha simetricamente ou, no mínimo, não tem espaço para contrariar as linhas de força da dinâmica capitalista internacional.

O segundo campo de erro é a defesa de uma autarquia ou descolamento da economia brasileira em relação à mesma dinâmica. Por esse método de análise, seria possível pensar o desenvolvimento do país a partir de uma dinâmica puramente endógena ou, pelo menos, basicamente endógena, isto é, uma dinâmica que pudesse anular ou reduzir a uma variável de pequena importância a influência do capitalismo internacional.

Evitando esses dois erros, seria possível descortinar um campo realista de previsões centrado nas resultantes prováveis da ação do Estado brasileiro.

Ora, é fato que o país avançou de modo qualitativo na construção de sua soberania nos últimos anos: as reservas internacionais em torno de US$ 200 bilhões, a condição de credor se considerarmos o agregado da dívida externa líquida dos setores público e privado, a desdolarização da dívida pública interna, a diversificação dos mercados exportadores. As posições de força acumuladas do Estado na economia também foram significativamente ampliadas no último período. A dívida líquida do setor público caiu de 52,4% do PIB, em 2003, para 36% em 2008, houve uma fortíssima alavancagem das funções creditícias dos bancos públicos (com resultados muito visíveis no mercado imobiliário e no setor agrícola), um exponenciamento da carteira de crédito do BNDES (o que permite um patamar importante de investimentos na crise), além de uma expansão histórica dos investimentos da Petrobras (inclusive já mirando a exploração das novas jazidas do pré-sal). Por fim, domina largamente no governo, com a notável exceção da direção do Banco Central, uma vontade chamada pelo ministro Guido Mantega de sociodesenvolvimentista e o governo Lula conta hoje com uma inédita e enraizada popularidade, coesão e uma ampla base parlamentar de apoio.

Há também uma dimensão importante de tempo: a crise pegou a economia brasileira em meio a uma taxa forte de crescimento, baseada prioritariamente na expansão do mercado interno. Em 2008, ano da explosão da crise internacional, de acordo com os dados do IBGE o Brasil teve um crescimento de 5,1% do PIB, apenas superado pela China, cinco vezes maior que o dos EUA ou da União Europeia, enquanto o Japão registrou uma recessão de 0,7%. A forte retração do quarto trimestre de 2008, de 3,6% do PIB, tem de realizar seu efeito desorganizador sobre essa memória imediata de um vigoroso ciclo de expansão.

Embora com um grau significativo de subestimação, devido às incertezas do cenário internacional, o governo se moveu em várias frentes nos meses finais de 2008 para bloquear a crise que se instaurou no mercado de crédito internacional e na expectativa dos agentes econômicos privados. O Banco Central brasileiro cometeu o grande erro de marchar na direção oposta à de todos os BCs dos Estados desenvolvidos do mundo ao manter, a princípio, os juros em um patamar altíssimo, focando ainda insensatamente a inflação. Só começou a rever seu erro, de modo parcial e tardio, em janeiro deste ano, no quarto mês de aguda desaceleração, ao aprovar dois cortes seguidos na taxa Selic. Ao fazê-lo, certamente impulsionou o impacto da crise, que tinha no crédito seu veio principal de contágio.

O grau de autonomia, as posições de força e a vontade política legitimada do governo Lula dispõem ainda de um amplíssimo campo de iniciativas. O "muro ideológico" do neoliberalismo veio abaixo, há uma nova onda de keynesianismo no capitalismo central e mesmo aqui grandes capitalistas e as cabeças da oposição pedem mais investimento do Estado e menor taxa de juros.

O PAC continua sendo fundamental para incidir sobre os gargalos históricos da infraestrutura, da energia e do saneamento. Sua execução tem um forte efeito anticíclico sobre as ameaças de recessão. Mas ele é, como o próprio nome indica, um programa de aceleração do crescimento, e não um programa de superação da crise.Se antes era possível conviver com a postura conservadora do BC, agora não há mais esse espaço. A economia obtida com os cortes na taxa Selic (são R$ 8 bilhões a cada ponto de queda) deve propiciar a expansão dos investimentos e das políticas sociais. Por outro lado, há sentido em manter, nesse quadro, um superávit primário de 3,8%? No universo incerto das exportações, o mercado interno tem de crescer a uma velocidade bem maior do que a queda provável das vendas ao exterior. E, sobretudo, há que se defender os direitos e o processo, conjunturalmente abortado, de criação de empregos formais.

Enfim, trata-se de apoiar e aprofundar a dinâmica da revolução democrática em curso frente às pressões da crise internacional provocada pelo neoliberalismo.