Economia

No Brasil, a crise foi sentida a partir do último trimestre de 2008. O governo agiu de forma rápida e eficaz, em parte por causa do PAC

No Brasil, a crise foi sentida a partir do último trimestre de 2008. O governo agiu de forma rápida e eficaz, em parte por causa do PAC, em execução desde 2007. Entre as medidas está a proposta de dobrar o volume de investimento público em dois anos

A crise veio crescendo aos poucos: em 2006 estourou a bolha imobiliária nos EUA, com a queda contínua dos preços dos imóveis; no ano seguinte a crise das hipotecas de segunda classe (subprime) passou a impor prejuízos bilionários aos maiores bancos de investimento do mundo, recaindo pesadamente também sobre a Europa e a Ásia (Japão); em 2008 a redução generalizada do crédito atingiu a economia real dos países desenvolvidos, com queda do consumo, da produção e do emprego. Os EUA entraram em recessão, seguidos pelo Japão e pelas principais economias europeias.

Em 15/9/08, finalmente a falência do Lehman Brothers acelerou a crise que alcançou o Brasil (além de China, Índia e outros emergentes), com uma queda brusca do crescimento econômico, através do fechamento do crédito externo e do declínio das exportações, resultado da baixa generalizada do comércio internacional. Além da ameaça de falência dos grandes bancos globais, multinacionais da economia real, particularmente do setor automobilístico, apresentaram perdas bilionárias e foram socorridas, nos EUA, por créditos públicos de emergência.

A partir do último ano, a reversão da conjuntura produziu crescimento acelerado do desemprego nas economias mais dependentes de exportações, como a China, onde 20 milhões de pessoas subitamente perderam o emprego e tiveram de deixar as cidades. Nos EUA, o desemprego atingiu milhões de pessoas nos últimos meses, o que vem acontecendo também na maioria dos países desenvolvidos.

No Brasil, a crise vem sendo anunciada desde 2007, mas só chegou realmente no último trimestre do ano passado, quando o crescimento se tornou negativo. Entre outubro e dezembro, o PIB diminuiu 3,6%, depois de vir se expandindo nos nove meses precedentes a 6,8% ao ano. A reversão foi brutal e se refletiu na geração de novos postos de trabalho: 61.401 em outubro de 2008, em comparação com 205.260 um ano antes. A crise atingiu o Brasil não pelas finanças, pois os bancos brasileiros escaparam dela, mas pelo desaparecimento do crédito internacional e pela queda das exportações.

A reação dos governos dos países vitimados pela crise foi espantosamente rápida, indicando total inflexão de rumos. A ortodoxia neoliberal foi deixada de lado e todos passaram a intervir ativamente para conter os efeitos da crise: ajuda financeira maciça aos bancos quebrados, redução das taxas de juros a quase zero (em termos reais, abaixo de zero) e estatização dos bancos e companhias de seguros considerados estratégicos. Tudo isso com o objetivo de restaurar logo a normalidade financeira, tendo em vista minimizar os prejuízos à economia real.

Ação rápida 

Embora não tenham tido perdas, os bancos privados nacionais também reduziram a oferta de crédito, principalmente aos bancos menores, que são os que financiam as pequenas e médias empresas. Mesmo para as grandes empresas, a concessão de crédito se tornou mais seletiva e muito mais cara. Muitas delas vinham tomando empréstimos no exterior, onde as taxas de juros são muito menores. Com o fim dessas fontes externas, tiveram de procurar os bancos nacionais e pagar juros muito maiores, com sacrifício de grande parte de seus lucros.

À queda das exportações e do crédito se somou o pânico, provocado pelo noticiário referente à crise nos outros países. A mídia praticamente não deu destaque a outra coisa nos últimos meses. O pessimismo atingiu até mesmo o consumidor de classe média, que passou a cortar despesas adiáveis, causando demissões em massa em setores da indústria, como o automobilístico. O investimento privado caiu, assim como a cotação dos principais produtos de exportação, que são commodities.

A ação do governo federal foi notavelmente rápida e eficaz, em parte por causa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em execução a partir de 2007. Desde o fim do primeiro mandato do presidente Lula, o PAC já vinha sendo preparado, o que permitiu ao governo aumentar fortemente o investimento público na infraestrutura e em ações sociais. Em relação ao PIB, o investimento do governo federal subiu de 0,64% em 2006 para 1% em 2008, devendo atingir 1,2% este ano. Dobrar o volume de investimento público em dois anos é provavelmente a ação mais eficaz de combate à crise que o governo vem travando. Outros governos, como o de Obama nos EUA e o da China, estão preparando "pacotes" anticrise semelhantes, mas com atraso de dois anos. Por isso, seus efeitos sobre a economia real desses grandes países (e por consequência do mundo) levarão ainda muitos meses antes de se fazer sentir.

O governo também intervém ativamente no mercado financeiro para restabelecer o crédito. Começou por reduzir os depósitos obrigatórios dos bancos comerciais no Banco Central, o que em geral deveria elevar de imediato a oferta de crédito às empresas e aos consumidores. Mas, dado o pânico instaurado pelo modo como a imprensa noticia a crise no país e alhures, os bancos privados mantiveram a restrição ao crédito e aplicaram os recursos liberados em títulos da dívida pública. O governo, pela voz autorizada do presidente, esforçou-se para convencer os bancos a mudar de política, mas com poucos resultados.

O que contribuiu para diminuir as restrições ao crédito foi a ação desassombrada dos grandes bancos federais (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste etc.), que ampliaram o suprimento de crédito às empresas e famílias, ainda que a juros elevados (com exceção do BNDES). O fato de o Brasil ainda possuir quase a metade da intermediação financeira sob o comando da União tem se mostrado um fator estratégico de grande importância no combate à crise. Finalmente, não se pode ignorar o tardio despertar do Banco Central para a necessidade de reduzir a taxa de juros Selic para baratear o crédito, agora uma necessidade vital para preservar o país da crise internacional. Nas duas últimas reuniões do Copom do Banco Central, a taxa foi fortemente diminuída, embora continue a maior do mundo.

O governo federal também age para proteger da crise setores fundamentais da economia. Vem promovendo a expansão do crédito à agricultura, com uma linha especial para a agricultura familiar em investimentos de longo prazo (dez anos, com três de carência) e taxa de juros de 2% ao ano. Estímulos estão sendo dados ainda à mecanização agrícola, melhoria do solo, pastagens, sementes e genética. Mais recursos serão aplicados em Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para que, em cinco anos, 30 mil profissionais atendam 1 milhão de agricultores.

O PAC realiza uma ampliação dos programas de habitação social, uma das mais significativas políticas de combate à pobreza. Entre janeiro de 2007 e setembro de 2008, esses programas beneficiaram 1.786.179 famílias, com recursos totais de R$ 64,65 bilhões. Esses dados indicam que a ambiciosa meta de 2 milhões de novas habitações de interesse social a serem construídas até o fim de 2010 é realista, embora exija um complexo multissetorial de medidas, que envolverão também governos estaduais e municipais, além de entidades da sociedade civil.
Uma ação anticrise original é a campanha que o governo realiza contra as demissões. Trata-se principalmente de exigir das empresas beneficiadas por auxílios do governo, sob a forma de crédito ou redução de tributos, a garantia de que não haverá demissões em grande número. Nada mais justo, pois nesse caso há troca de votos de confiança. De um lado, o governo oferece crédito a setores atingidos pela crise, que por isso mesmo dificilmente seriam financiados por bancos privados. De outro, quer que os beneficiários confiem no governo de que seus esforços para reverter a crise terão êxito. Afinal, demissão em massa só se justifica pela crença de que a crise ainda vai se aprofundar e durar bastante.

A crise internacional teve um efeito negativo sobre o mercado de trabalho brasileiro, que vinha numa expansão encorajadora, com forte aumento de postos de trabalho e queda do desemprego. Essa tendência teve nítida reversão desde o fim de 2008, mas ainda está longe do desemprego em massa que tínhamos há seis anos. É provável que as ações anticrise do governo federal ­ incluindo a que coíbe as demissões em massa ­ acabem por impedir que o desemprego volte aos níveis desesperadores atingidos nas décadas perdidas do século passado.

É impossível relacionar neste espaço todos os programas anticíclicos que o governo brasileiro está realizando. Os mais importantes são os redistributivos, entre os quais merece pelo menos uma menção o Programa Nacional de Segurança Pública de Cidadania (Pronasci), que pela primeira vez acentua as ações preventivas da violência urbana, em lugar de se preocupar apenas com a repressão. Essa iniciativa deverá dar novas possibilidade de reintegração social não só a centenas de milhares de presos cumprindo pena, mas também a egressos das penitenciárias e sua família e a milhões de jovens pobres, a grande maioria desempregada, que vivem nas favelas e cortiços frequentemente dominados pelo crime organizado.

Os efeitos do combate à crise  

Dados indicam que a crise internacional tem um impacto crescente sobre a economia brasileira, mas esse impacto está sendo contido e possivelmente revertido pelo conjunto de políticas financeiras, econômicas e sociais do governo. No momento (meados de março de 2009), as informações disponíveis não permitem interpretações seguras. O fato é que a brutal reversão do desenvolvimento, ocorrida no último trimestre de 2008, parece ter sido contida nos primeiros meses de 2009. A queda nas vendas do comércio foi revertida em janeiro e dados colhidos por amostra indicam que a inflexão foi mantida nos meses seguintes. Isso significa que a estratégia de substituir pela expansão da demanda interna a queda (ainda em aceleração) da demanda dos outros países por nossos produtos está dando resultados.

Políticas ativas anticíclicas de matiz keynesiano não vinham sendo praticadas há muitas décadas no mundo inteiro. A atual geração de administradores e governantes não tem experiência com elas, além de não dispor da base institucional para pô-las em ação. Estão todos aprendendo, por meio de tentativa e erro, para fazer frente a uma crise mundial cujos eventuais erros só fazem aprofundar e acelerar. Nesse panorama, o governo do presidente Lula tem vantagens relativas. A construção do PAC lhe forneceu ensinamentos preciosos, que ele aproveita para iniciar novas políticas em áreas como educação, saúde, segurança, ciência e tecnologia e distribuição de renda, com importantes efeitos anticrise. Por isso, apesar dos juros ainda proibitivos que nos atormentam, é provável que o Brasil seja atingido pela crise menos gravemente que outros países e entrará mais cedo do que eles em recuperação.

Paul Singer é economista, secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego