Internacional

São inúmeras as diferenças na região e a cooperação é a chave para seu fortalecimento

Não há como negar diferenças programáticas, estratégicas, táticas, organizativas, históricas e sociológicas na esquerda latino-americana. Seu fortalecimento e crescimento no continente foi possível graças à diversidade das classes dominadas e dependerá da cooperação entre as diversas correntes existentes

A posse e o governo de Mauricio Funes, em El Salvador, desmentem uma vez mais a teoria segundo a qual haveria duas esquerdas na América Latina: uma "vegetariana", a outra "carnívora"; uma radical, a outra moderada; uma revolucionária, a outra reformista; uma socialista, a outra capitalista.

Afirmações dicotômicas desse tipo continuam sendo feitas pelos porta-vozes (oficiais ou oficiosos) do Departamento de Estado dos EUA, com o propósito explícito de provocar discórdias na esquerda latino-americana, fazendo-a lutar internamente, e não contra os inimigos comuns. Afirmações similares são feitas, também, por intelectuais e dirigentes políticos de esquerda.

Evidentemente, não há como negar a existência de diferenças programáticas, estratégicas, táticas, organizativas, históricas e sociológicas na esquerda latino-americana. Só que não há apenas duas, mas sim muitas esquerdas. Uma interpretação dicotômica das diferenças entre elas, além de servir aos propósitos políticos da direita, expressa uma interpretação teórica incorreta.

O reducionismo (dizer que há duas esquerdas na América Latina) ajuda politicamente a direita, porque traz implícita a seguinte conclusão: o crescimento de uma esquerda depende do enfraquecimento da outra esquerda, numa equação que convenientemente tira da cena os inimigos comuns e dificulta a cooperação entre movimentos, partidos e governos de esquerda.

Ademais, o reducionismo é uma interpretação teórica incorreta, porque não dá conta de explicar o fenômeno histórico dos últimos vinte anos (1989-2009), a saber: o fluxo e o refluxo simultâneos das várias esquerdas latino-americanas, tornados ainda mais evidentes na retroalimentação virtuosa entre as vitórias eleitorais e os governos progressistas e de esquerda, no período 1998-2008.

O fortalecimento experimentado pelas diferentes correntes da esquerda latino-americana se tornou possível, em certa medida ao menos, graças a sua diversidade, que permitiu expressar a diversidade sociológica, cultural, histórica e política das classes dominadas da América Latina.

E a continuidade do fortalecimento das esquerdas latino-americanas dependerá, por sua vez, principalmente da cooperação entre as diferentes correntes existentes. Tal cooperação, por suposto, não exclui a luta; mas esta deve estar subordinada àquela.

Essa cooperação será imperfeita, porém, se não houver uma adequada compreensão teórica do processo que estamos vivendo na América Latina.

A base material que torna possível a cooperação (mais ou menos consciente) entre as diferentes correntes da esquerda latino-americana é a existência de uma situação estratégica comum.

Os setores de esquerda (ultrarradicais ou hipermoderados) que se recusam a perceber a existência dessa situação estratégica comum são exatamente aqueles que, consciente ou inconscientemente, prestam ajuda às classes dominantes locais e ao imperialismo.

A presente situação estratégica deita algumas de suas raízes no final dos anos 1970, quando, derrotada a estratégia guerrilheira, começou a tomar corpo outra estratégia, baseada na combinação entre luta social, disputa de eleições e exercícios de governos (em âmbito nacional, subnacional e local).

Esta foi coroada, desde 1998 (Chávez) até 2009 (Funes), pelas vitórias de partidos de esquerda e progressistas, nas eleições para o governo nacional de diversos países da América Latina.