A enorme repercussão que teve o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, com sua meta cabalística de 1 milhão de unidades habitacionais para enfrentar o impacto da crise econômica, tende a obscurecer o longo, difícil e relevante processo promovido pelo governo, com o apoio (crítico e militante) da sociedade, representada pelo Conselho Nacional das Cidades, para dotar o país de uma política abrangente e estruturada que equacione o dramático problema habitacional brasileiro.
Ao publicizar o novo programa antes de apresentar o Plano Nacional de Habitação (PlanHab) uma estratégia de longo prazo para equacionar o problema habitacional, formulada e debatida por ano e meio, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Habitação, que estava pronta para ser publicada em janeiro de 2009, o governo perdeu uma excelente oportunidade para mostrar como uma ação anticíclica poderia se articular com uma estratégia estrutural para atacar um problema brasileiro crônico, no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento com inclusão social.
Com avanços e recuos, o governo Lula marca um ponto de inflexão nas políticas de habitação do país. Uma reflexão crítica consistente sobre o "pacote" agora lançado exige uma recuperação desse processo, iniciado em 1999 com a elaboração do Projeto Moradia, que se desdobrou nas ações do governo destes últimos seis anos.
Nesse sentido, é necessário mostrar os principais elementos da nova Política Nacional de Habitação e as estratégias previstas no recém-concluído Plano Nacional de Habitação, identificando em que medida o programa Minha Casa, Minha Vida se articula ou não com os princípios e propostas neles contidos.
O "pacote" habitacional não deve ser visto nem com exagerado entusiasmo nem como um desastre, como algumas críticas têm enfatizado. Por um lado, 1 milhão de casas não significam muito para um país com um déficit de mais de 7 milhões de unidades e com uma demanda de 27 milhões nos próximos quinze anos, além de ser evidente o risco de produzir moradias precárias, em localizações inadequadas e com baixa aderência ao perfil do déficit. Mas, por outro, as avaliações pessimistas são excessivamente ácidas ao não observar que o programa elevou a um patamar ótimo os recursos orçamentários em habitação, como há décadas os que lutam por moradia digna reivindicam. Resta saber se esses investimentos chegarão a quem mais precisa e se serão perenes, para garantir a continuidade de uma política realmente social de habitação.
O Projeto Moradia
Há exatos dez anos, fui procurado pelo Instituto Cidadania, para elaborar um projeto para equacionar o problema habitacional no país. A proposta fazia parte de um conjunto de iniciativas do instituto, coordenado por Luiz Inácio Lula da Silva, tendo em vista a construção de projetos de desenvolvimento que associassem o enfrentamento da questão social a crescimento econômico e geração de empregos.
Para levar adiante essa ideia, chamada Projeto Moradia, durante um ano uma equipe1 promoveu inúmeras reuniões técnicas e seminários com todos os segmentos da sociedade envolvidos com o tema da moradia, recolhendo propostas e debatendo alternativas.
Lançado em 2000, o projeto tinha três dimensões gestão e controle social, projeto financeiro e urbano-fundiário e o enfrentamento da questão não apenas no âmbito do governo federal, mas considerando o conjunto dos agentes que têm alguma responsabilidade no problema da habitação, público e privado.
O projeto propôs a criação do Sistema Nacional de Habitação, formado pelos três entes da Federação, que atuariam de forma estruturada sob a coordenação de um novo ministério (Cidades). O controle social seria exercido pelo Conselho Nacional das Cidades e órgãos nos estados e municípios, aos quais caberia gerir fundos de habitação, que deviam concentrar recursos para subsidiar a baixa renda. Nesse aspecto, seria prioritária a aprovação do projeto de lei de iniciativa popular de instituição do Fundo Nacional de Habitação, bandeira do movimento de moradia que tramitava desde 1991 no Congresso Nacional. A política de subsídios previa um mix de recursos não onerosos do Orçamento Geral da União (OGU) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com recursos retornáveis, para viabilizar o crédito e o acesso à moradia digna para a população de baixa renda.
Para concentrar o FGTS na baixa renda, seria indispensável a retomada da produção habitacional pelo mercado, para atender a classe média, reativando o crédito imobiliário, particularmente do SPBE (recursos da poupança), que não vinha cumprindo os dispositivos legais que exigem a aplicação dos seus fundos em habitação, pois o governo FHC, baseado no rigor monetarista, enxergava o financiamento habitacional como inflacionário. A criação de um fundo de aval era considerado estratégico para reduzir os riscos de crédito e os juros.
O Projeto Moradia enfatizava a necessidade de aprovação do Estatuto da Cidade para facilitar e baratear o acesso à terra, combatendo a especulação com imóveis ociosos. A noção de que a questão da habitação não podia ser enfrentada sem uma forte intervenção no mercado fundiário e de modo articulado com a questão urbana consolidou-se depois de um voo de helicóptero sobre São Paulo. Tivemos a oportunidade de mostrar a Lula o caótico processo de expansão urbana, e ele ratificou a concepção de que o problema da moradia não se resolvia apenas com a construção de casinhas, mas era necessário enfrentar também a questão urbana e fundiária, aspecto que tem grande atualidade no programa Minha Casa, Minha Vida.
A política do governo Lula
Em 2003, as propostas de gestão avançaram mais rapidamente que o projeto financeiro. O Ministério das Cidades foi criado buscando, com quatro secretarias nacionais (Habitação, Saneamento, Mobilidade Urbana e Programas Urbanos), articular as políticas setoriais e enfrentar a questão urbana. Em outubro de 2003 foi realizada a 1ª Conferência Nacional das Cidades, com 2.500 delegados eleitos num processo de mobilização social em mais de 3 mil municípios, que consolidou as bases da atuação do governo e propôs a criação do Conselho Nacional de Habitação, instalado em 2004.
O ministro Olívio Dutra e sua equipe encontraram enormes dificuldades na área de financiamento, diante de uma rígida política monetária, sob o comando ortodoxo do Ministério da Fazenda. Durante 2003 e 2004, escassearam os recursos, continuando a prevalecer os programas do FGTS do governo anterior, apesar dos esforços do Ministério das Cidades em priorizar a população de baixa renda, onde está concentrado o déficit.
A nova Política Nacional de Habitação (PNH)2 incorporou as propostas do Projeto Moradia (com exceção do Fundo de Aval), mas aspectos importantes não puderam ser implantados de imediato. Sem subsídios significativos, prevalecia a visão bancária da Caixa Econômica Federal, sem alterações na concessão do crédito.
O Fundo Nacional de Habitação, um compromisso histórico de Lula, reiterado na 1ª Conferência Nacional das Cidades, encontrou forte oposição na equipe econômica e apenas foi aprovado em 2005 e instalado em julho de 2006. Em vez de ser institucionalizado como um fundo financeiro, foi instituído como um fundo orçamentário, limitado a cumprir seu papel. O governo, entretanto, comprometeu-se a aportar R$ 1 bilhão por ano para subsidiar os programas habitacionais, valor nunca alcançado anteriormente. A mesma lei instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e exigiu de estados e municípios a criação de uma estrutura institucional, com fundo, conselho e plano de habitação, para que tivessem acesso aos recursos federais.
Aos poucos, elementos-chave para a implementação da nova política habitacional foram sendo incorporados, com o apoio e luta dos segmentos representados no ConCidades. A Resolução 460 do Conselho Curador do FGTS, que começou a gerar efeitos em 2005, possibilitou a expansão significativa dos subsídios habitacionais com recursos desse fundo. Com isso, ampliou-se o atendimento à população de renda mais baixa, embora as regras não tenham conseguido viabilizar soluções nas Regiões Metropolitanas. O Gráfico 1 mostra o aumento do atendimento à população de baixa renda ocorrido durante o primeiro governo Lula.
Em julho de 2005, Olívio Dutra foi substituído por Márcio Fortes, indicado pelo Partido Popular. A mudança representou o início do processo de desarticulação de um órgão que ainda buscava se estruturar para exercer seu papel de formulador da política urbana para o país. Em 2007, com a substituição de todos os secretários nacionais indicados por Dutra, com exceção da Secretaria Nacional de Habitação, esse processo trágico se completou.
Apesar das dificuldades internas ao ministério, as condições econômicas tornaram-se muito mais favoráveis para implementar as propostas da PNH. Em 2007, o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), objetivando implantar grandes obras de infraestrutura, mas incluiu entre seus componentes um programa de caráter social, a Urbanização de Assentamentos Precários, prevendo-se recursos inusitados para o setor da habitação. O Gráfico 2 apresenta a evolução de recursos não onerosos de 2002 a 2008, mostrando que os investimentos multiplicaram-se por vinte nesse período.
Habitação de mercado
No âmbito da habitação de mercado, o governo Lula tomou medidas para ampliar a produção para a classe média. A Lei nº 10.931/2004 deu segurança jurídica ao mercado e uma resolução do Banco Central passou a exigir que os bancos utilizassem os recursos da poupança para financiar a habitação. Num quadro favorável da economia, essas medidas geraram uma elevação de R$ 2,2 bilhões para R$ 27 bilhões, entre 2002 e 2008, no investimento em habitação do SBPE (ver Gráfico 3).
Com a abertura de capital de 24 empresas do setor imobiliário e uma forte inversão de capital externo, iniciou-se uma avassaladora procura por terrenos, num processo especulativo que chegou a ser chamado, entre 2007 e 2008, de boom imobiliário. Frente à necessidade de ampliar seu mercado, muitas empresas tradicionalmente voltadas para a classe alta e média alta criaram subsidiárias especializadas em produtos mais baratos, dirigidos à baixa classe média, segmento que cresceu fortemente com a política econômica e salarial do governo Lula, mas com renda ainda insuficiente para adquirir uma moradia do mercado privado. A viabilização do crédito imobiliário privado, sem subsídio, para esse segmento é decisiva para a questão habitacional.
A crise econômica internacional que teve início no setor imobiliário americano chegou ao Brasil, gerando incertezas e uma paralisia no setor, pego no contrafluxo, pois estava em pleno processo de aceleração da produção. A situação pareceu fugir ao controle, com baixa acentuada das ações das empresas na bolsa de valores, com impactos nas atividades do setor, que sofreu forte queda.
Essa conjuntura foi determinante para a decisão do governo de investir com vigor no setor habitacional. Esse "pacote", maturado inicialmente no Ministério da Fazenda, tem origem nesse quadro como uma ação emergencial anticíclica de apoio ao setor privado para evitar o desemprego, ameaça concreta na virada de 2009. A intervenção da Secretaria Nacional de Habitação, lastreada no processo de elaboração do Plano Nacional de Habitação (PlanHab)3 , possibilitou que essa ação anticíclica ganhasse algum conteúdo social, muito aquém do que seria possível se a estratégia do PlanHab fosse a referência para as medidas emergenciais a serem tomadas.
O Plano Nacional de Habitação
Um dos componentes centrais da nova PNH, o PlanHab, objetiva planejar as ações públicas e privadas, em médio e longo prazo, para equacionar as necessidades habitacionais do país no prazo de quinze anos.
Foi concebido como um plano estratégico de longo prazo coordenado com propostas a serem implementadas a curto e médio prazo, tendo como horizonte 2023. Suas propostas e etapas se articulam com a elaboração dos PPAs, prevendo-se monitoramento, avaliações e revisões a cada quatro anos (2011, 2015, 2019).
O PlanHab resultou de um amplo processo participativo, que envolveu todos os segmentos da sociedade durante dezoito meses. Suas propostas, estratégias de ação e metas consideraram a diversidade da questão habitacional, as variadas categorias de municípios, as especificidades regionais e os diferentes olhares de cada segmento social.
A estratégia exige ações simultâneas em quatro eixos indispensáveis: financiamentos e subsídios; arranjos institucionais; cadeia produtiva da construção civil; estratégias urbanoundiárias. Esses eixos estão intrinsecamente articulados. Não haverá alterações substanciais no quadro da política habitacional se não forem realizadas ações concomitantes nas quatro frentes.
A ampliação dos recursos para habitação é central no PlanHab, de modo a criar uma nova política de subsídio baseada em grupos de atendimento por capacidade de retorno ao financiamento, em que os mais pobres são beneficiados e os que têm alguma capacidade de pagar, mas representam risco para os agentes financeiros, podem utilizar um Fundo Garantidor.
No entanto, as ações mencionadas são insuficientes para equacionar o problema habitacional. A falta de capacidade das prefeituras, estados e do próprio agente financeiro (Caixa) para uma atuação em larga escala, os constrangimentos da cadeia produtiva, cujos produtos, em geral, não estão adequados para atender à demanda prioritária, a dificuldade de acesso e o custo da terra urbanizada e regularizada para a produção da Habitação de Interesse Social (HIS), em condições urbanas e ambientais adequadas, são obstáculos para a aplicação dos recursos, com foco na população prioritária. Por isso, o PlanHab propõe ações simultâneas nos quatro eixos.
O plano apresentou três cenários, dos quais o único considerado capaz de enfrentar satisfatoriamente o déficit seria o que garantisse, durante todo o horizonte temporal (quinze anos), uma dotação estável de 2% do OGU e de 1% dos orçamentos estaduais e municipais, uma porcentagem três vezes maior do que se previa no PPA 2008-2011, já incorporando a elevação dos recursos propiciada pelo PAC. Entidades empresariais e movimentos de moradia atuaram no Congresso Nacional e propuseram uma emenda de vinculação de receita à habitação, com esses mesmos porcentuais.
Minha Casa, Minha Vida
A crise econômica e a disposição do governo em dinamizar a construção civil atropelaram a construção do PlanHab, pactuado como uma estratégia de longo prazo. Mas, por outro lado, aceleraram a decisão governamental sobre as propostas lançadas pelo PlanHab, sobretudo no eixo financeiro, que seriam muito mais demoradas.
Ao aplicar R$ 26 bilhões em subsídio, além do que já estava previsto pelo PAC, o "pacote" habitacional acabou por adotar, na prática, o cenário mais otimista proposto pelo plano. Se esse patamar for mantido por quinze anos, conforme a estratégia do PlanHab (oque não está acontecendo no "pacote"), será possível produzir um impacto real no déficit habitacional. Essa é, sem dúvida, a principal novidade positiva do Minha Casa, Minha Vida.
Outras medidas do PlanHab para reduzir o custo da habitação, como a desoneração tributária para HIS, o barateamento do seguro e o fundo garantidor (que retomou a ideia do fundo de aval proposto no Projeto Moradia), foram adotadas, gerando um impacto positivo no acesso à habitação tanto de interesse social como de mercado.
Por outro lado, o programa também adotou a lógica proposta pelo plano para a alocação do subsídio: a população com renda intermediária (de R$ 1.395 a R$ 2.790, ou seja, de 3 a 6 salários mínimos em 2009) terá um subsídio para complementar o financiamento, enquanto os com renda inferior a R$ 1.395 (3 salários mínimos em 2009) terão subsídio quase total. No entanto, o programa tem limites superiores aos propostos pelo PlanHab, que por meio de complexas simulações definiu o subsídio no limite mínimo necessário para viabilizar o acesso das famílias de baixa renda à moradia. Ao contrário, o Minha Casa, Minha Vida esticou exageradamente as faixas de renda a serem atendidas, beneficiando segmentos de classe média e gerando mercado para o setor privado, com risco reduzido.
O PlanHab previu um leque de alternativas habitacionais a custos unitários mais reduzidos (como lotes urbanizados e/ou material de construção com assistência técnica), com potencial de atender um número maior de famílias; já o Minha Casa, Minha Vida fixou-se na produção de unidades prontas, mais ao gosto do setor da construção civil4. Dessa forma, as metas quantitativas do programa, malgrado a enorme disponibilidade de recursos para subsídio, são tímidas nas faixas de renda mais baixas (ver Tabela 1), pois o valor unitário médio do subsídio é mais elevado do que seria necessário numa estratégia que objetivasse garantir o direito à moradia para todos.
O programa não adota o conjunto das estratégias que o PlanHab julgou indispensável para equacionar o problema habitacional, sobretudo nos eixos que não se relacionavam com os aspectos financeiros; em consequência, aborda-o de maneira incompleta, incorrendo em grandes riscos, ainda mais porque precisa gerar obras rapidamente sem que se tenha preparado para isso.
A localização dos empreendimentos poderá ser inadequada, em áreas carentes de emprego, infraestrutura e equipamentos, correndo o risco, ainda, de gerar impactos negativos como a elevação do preço da terra, que representaria a transferência do subsídio para a especulação imobiliária, desvirtuando os propósitos do programa.
Várias estratégias do PlanHab, se incorporadas ao Minha Casa, Minha Vida, poderiam ser positivas, como o "subsídio localização", valor adicional a ser concedido aos empreendimentos de áreas mais centrais e consolidadas. É importante ressaltar que são limitadas as possibilidades do governo federal quanto a garantir uma localização adequada dos projetos se os municípios não estiverem dispostos a isso. Cabe a eles, por meio de seus planos diretores e habitacionais, definir os locais onde é permitida e deve ser estimulada a implantação de novos empreendimentos.
O PlanHab propôs incentivar, com prioridade no acesso aos recursos, os municípios que adotassem políticas fundiárias e urbanas corretas, como a instituição do imposto progressivo para combater os imóveis ociosos e subutilizados, lembrando que quase 2 mil municípios formularam planos diretores e, na sua grande maioria, não puseram em prática instrumentos para combater a especulação imobiliária.
Felizmente, a redação final do programa apresentada no Congresso introduziu, em parte, essa proposta do PlanHab, ao priorizar no atendimento aos municípios os que, além de adotarem a desoneração tributária (critério que já constava na proposta original), doarem terrenos localizados em área urbana consolidada e utilizarem os instrumentos do Estatuto da Cidade voltados para combater a retenção especulativa de terrenos urbanos.
Também merece destaque a inclusão de um capítulo sobre a regularização fundiária no "pacote", viabilizando a aprovação de dispositivo legal debatido pela sociedade na revisão da Lei nº 6.766/79. Além de ser um dos aspectos mais importantes do "pacote", mostra que o governo poderia ter aproveitado para incorporar a essa ação anticíclica o conjunto de estratégias previstas para ser implementadas na primeira etapa do Plano Nacional de Habitação (2009-2011), em particular nos eixos institucional e urbano-fundiário.
Se mais não foi feito nessa área, é forçoso lembrar que o enfraquecimento e a desarticulação do Ministério das Cidades, particularmente da Secretaria Nacional de Programas Urbanos a partir de 2007, à qual cabe implementar políticas fundiárias e urbanas, têm um custo, a ser creditado na "política de governabilidade".
Finalmente, ressalta-se que a distribuição das unidades por faixa de renda adotadas no programa não obedece ao perfil do déficit habitacional. A análise leva em conta que o governo Lula promoveu uma forte recuperação do salário mínimo, o que distorce fortemente a utilização desse indicador para fixar as faixas de atendimento. Por essa razão, o PlanHab eliminou o salário mínimo e adotou os valores nominais nas propostas.
Assim, a faixa até R$ 1.395 (3 salários mínimos em 2009), que recebe subsídio integral no novo programa, corresponde, em valor real, a aproximadamente 5 salários mínimos no ano de 2000, último em que se dispõe de dados sobre o déficit por faixa de renda. Nessa faixa, concentram-se 91% do déficit habitacional acumulado, ou seja, cerca de 6,5 milhões de famílias (ver Tabela 1).
A meta de 1 milhão de unidades, atende 14% do déficit acumulado. No entanto, na faixa prioritária (até R$ 1.395), que, de acordo com as diretrizes da PNH, deveria ser o foco do subsídio, com 400 mil unidades, apenas 6% do déficit deverá ser atendido, isso se essa meta for cumprida, o que parece ser um dos grandes desafios do programa. Já o déficit nas demais faixas (acima de R$ 1.395) é reduzido e a meta do novo programa pode não só zerar as necessidades como atender à demanda demográfica ou, até mesmo, financiar uma segunda moradia.
A elevação do patamar de subsídios que se obteve com o programa é um avanço importantíssimo, que precisa ser perenizado, assim como os incentivos fiscais, o Fundo Garantidor e outros mecanismos capazes de dar maior agilidade ao atendimento habitacional.
No entanto, as regras para a distribuição dos subsídios precisam ser alteradas, pois estão injustas do ponto de vista social. Embora se possa admitir, no contexto do combate à crise econômica, alguma distorção na concessão de subsídio, em termos de faixa de renda isso não pode se perenizar. É fundamental que se retome o Plano Nacional de Habitação para implementar, de modo articulado, as estratégias previstas, enfrentando o desafio de focar na população de baixa renda o subsídio habitacional. Não se pode reproduzir num governo que herda as lutas históricas pelo direito à moradia a distorção que faz com que recursos públicos acabem por privilegiar os que menos necessitam.
Pode-se concluir que, apesar das distorções e lacunas, o programa dá mais um passo no sentido de construir políticas públicas para garantir o direito à habitação, que é o que se persegue desde o Projeto Moradia. Mas é necessário avançar mais e retomar o debate e a implementação do PlanHab é urgente.
Nabil Bonduki é professor de Planejamento Urbano da FAU-USP. Foi superintendente de Habitação Popular na Prefeitura de São Paulo e vereador pelo PT, membro da equipe que elaborou a Política Nacional de Habitação (2003-2004) e coordenador técnicoda consultoria contratada para elaborar o PlanHab (2007-2008). Foi conselheiro do Conselho Nacional de Habitação e do Conselho Gestor do FNHIS