Política

A ação formativa do PT começa com a sua própria construção como partido

A trajetória da ação formativa petista teve início com a construção do partido. Debates nos núcleos, seminários, cursos de formadores e de dirigentes, reprodução de textos e resoluções integram o conjunto de atividades já implementadas e as que estão em gestação neste momento, fundamentais para a continuidade do vasto patrimônio político do PT

Falar sobre a história da formação política no PT é como falar da própria construção e fundação do partido. Os métodos escolhidos pelos militantes da época para legalizar o partido foram uma ver dadeira corrente de formação política. Não era tão simples e rápido convencer a vizinhança e amigos a assinar a ficha de filiação. Era preciso muita conversa, muita explicação, e com isso ia acontecendo o resultado mais esperado da formação: a tomada de consciência, de porta em porta.

Segundo relata o petista Eduardo Tadeu Pereira, atualmente prefeito de Várzea Paulista (SP) e atuante na área da educação, "a formação política realizada pelo PT, sobretudo no início da década de 1980, é profundamente marcada pela presença de militantes com experiência na chamada Edu cação Popular e dela sofre enorme influência1".

Carmem Sílvia Maria da Silva, em sua dissertação de mestrado2, observa que "a ideia de fazer formação esteve presente no PT desde o início de sua organização (...) Em se tratando especificamente da área de formação supõe-se, a partir dos documentos da Secretaria Nacional de Formação Política (SNFP), que as principais in fluências vieram das organizações de esquerda, da igreja católica na sua vertente popular e dos movimentos sociais, sendo que estes, por sua vez, guardavam um vínculo considerável com a educação popular. Com isso não se negam outras contribuições, como a educação sindical e mesmo a educação escolar, ou ainda aquela que era trazida para o interior do grupo de trabalho da SNFP a partir das áreas de estudos acadêmicos de vários de seus membros".

Carmem ainda destaca que "no PT, nos parece correto afirmar, por um lado, que a educação popular penetrou por duas vias que, embora aproximadas, merecem uma distinção: a presença da militância dos movimentos sociais, que traziam para o interior do partido esse ideário e essa prática, e a presença de educadores populares/formadores, muitos dos quais, no partido, se empenharam em desenvolver o trabalho de formação política. Afirmamos isso apesar de considerarmos que o PT sofreu influência também das experiências de formação das organizações de esquerda que atuavam no seu interior".

Espaço de formação  

Em 1981, muitos anos antes da criação da Fundação Perseu Abramo (1996), o Diretório Nacional do PT instituiu a Fundação Wilson Pinheiro (FWP)3, que tinha como propósito ser "instrumento nacional do partido para realizar pesquisas e estudos socioeconômicos, políticos e culturais (cursos, debates, análises), desenvolvendo atividades de formação política"4. A ideia era que trouxesse, em suas atividades, para dentro do partido, pessoas que de alguma forma não estavam ligadas ao PT, mas com as quais este poderia abrir uma relação de diálogo.

Nenhuma mulher foi indicada para o primeiro Conselho de Curadores da FWP, mas o primeiro presidente, Antonio Candido, esteve acompanhado de nomes como Paulo Freire, Hélio Bicudo, Moacir Gadotti, Paul Singer e Paulo Rubem, entre outros. E, mesmo com tantos intelectuais em sua coordenação, não se tratava por princípio de um espaço academizado, que separasse atividades dos trabalhadores intelectuais de um lado e dos trabalhadores manuais de outro5.

A FWP tinha caráter nacional e conseguiu estruturar seções regionais com algum nível de funcionamento. Produziu debates e publicações e pretendia cumprir tríplice papel: apresentar a posição partidária nos temas em deba te; apresentar ao partido os diferentes pontos de vista existentes na sociedade; e servir como instrumento de aprofundamento de opiniões polêmicas.

Gadotti conta que, apesar da ausência feminina na direção da FWP, nomes como Marilena Chaui e Lélia Abramo produziram grandes contribuições aos debates. Segundo ele, o texto "O que é Cultura", de Chaui, até hoje é atual, assim como o que foi produzido sobre outras possibilidades de energia, uma discussão bem vanguardista para a época.

Num tempo em que os núcleos tinham muito destaque e era o espaço onde ocorria a formação política, a FWP tinha cadernos de textos, resultado de seminários e debates, que chegavam até os militantes da base. "Tenho uma lembrança muito feliz daquele tempo. Tínhamos debates filosóficos profundos, realizamos um seminário, em 1983, ano do centenário da morte de Karl Marx, que foi muito bom. Tínhamos as ricas contribuições do Florestan Fernandes, as discussões que fizemos sobre socialismo ou políticas públicas", recorda o educador. A falta de recursos, no entanto, obrigou a direção do par tido a encerrar a instituição.

Por uma política nacional  

Em 1985, um grande debate começa a delinear a formação política interna do PT, na época sob coordenação de Wladimir Pomar. O primeiro plano de trabalho da Secretaria Nacional de Formação Política do Diretório Nacional, de 1988, é o documento "A política de formação do Partido dos Trabalhadores", que passa a orientar o trabalho educativo tanto do coletivo da SNFP como das secretarias estaduais e municipais.

Foi quando, segundo Carmem Sílvia, "a Secretaria criou dois grandes níveis para o desenvolvimento de seu trabalho: a formação de quadros e a formação de militantes de base. A formação de quadros compreendia o nível dirigente, intermediário e ainda a capacitação de monitores (também quadros intermediários); a formação de militantes dizia respeito à formação de novos filiados e de militantes e ativistas de base".

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Uma das principais atividades estava centrada no programa nacional de monitores, "que se consolidou a partir de experiências-piloto realizadas em São Paulo. Esses monitores eram quadros partidários, de nível inter mediário, que deveriam encaminhar atividades de formação em seus esta dos. Posteriormente, essa atividade foi assumida pelo Instituto Cajamar e em 1989 passou a se chamar Curso de Formação de Formadores"6.

Wladimir Pomar explica que, no período em que coordenou a SNFP e o Cajamar, "o PT não tinha recursos financeiros para bancar uma escola. Também não havia, na Executiva e no DN da época, disposição de tomar uma decisão política dessa envergadura. Era preciso contar com o apoio sindical, interno e externo, que tinha recursos, e combinar formação política com formação sindical". Nasce aí uma parceria do PT com alguns sindicatos.

Na avaliação de Pomar, durante o convênio com o Cajamar, "duas atividades tiveram muito destaque: os cursos e os seminários, nacionais e internacionais, que realizamos". Mas aponta uma dificuldade que, segundo ele, ainda persiste. "Um problema na formação política era comportar as diversas visões teóricas que conviviam internamente no PT e no movimento sindical. A princípio, a SNFP foi criticada porque formou um coletivo com representação das diversas correntes e levou para dar aulas e participar do Cajamar instrutores de diferentes correntes internas. Com isso, iniciamos um processo mais coletivo e representativo do PT na organização dos cursos (de abrangência nacional), dirigidos tanto a elementos de base quanto ao que chamávamos de 'formadores' (Cursos de Formação de Formadores). E começamos a construir a metodologia, o que não era (e continua não sendo) nada fácil."

É certo que grande parte da militância petista do começo da história do partido vinha de movimentos sociais, sindicatos e de outras organizações políticas. Eram militantes com formação anterior cujas experiências foram formando o caldo petista. Muitos grupos ou tendências mantinham seus espaços formativos, que continuaram a acontecer, em paralelo às ações propostas pela direção nacional.

A relação entre as diversas tendências não era das mais tranquilas e muitas acusavam o grupo então conhecido como Articulação de monopolizar o Instituto Cajamar. Segundo relata Eduardo Tadeu, a Fundação Nativo da Natividade (FNN)7, fundada em 1988, juntou alguns dos grupos minoritários do PT (Democracia Socialista, Partido Revolucionário Comunista, o agrupamento que viria a se unificar na Vertente Socialista, o Fórum Socialista e setores da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo). Tinha entre seus objetivos a formação de militantes e lideranças de base e pesquisas voltadas a aprimorar o conhecimento da realidade. "O processo de abertura da formação política do PT para as contribuições da FNN, e de outros centros de formação, também se ampliou com a participação direta de dirigentes da FNN na direção do partido. Renato Simões, um dos membros da Coordenação Nacional da FNN, passa a ser o secretário de Formação Política do Diretório Estadual de São Paulo em 1989 e João Machado, membro do Conselho Deliberativo da Fundação, sucede a Gilberto Carvalho na Secretaria Nacional de Formação Política do PT, em 1993.8"

Hoje chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho relatou ao Projeto de História Oral, da FPA, em 2007, que no período em que foi secretário de Formação do PT a atribuição principal era construir equipes de formação em cada estado, as quais deveriam organizar a formação de candidatos, os cursos para novos militantes, os cursos de aprofundamento sobre a questão do socialismo. "Tínhamos uma equipe que circulava pelo país fazendo palestras, seminários... Organizei algo muito interessante, pioneiro, no Cajamar, pela Secretaria de Formação, que foi um curso de formação a distância para líderes. Infelizmente, hoje, tudo isso acabou..."

Mas mesmo sem ter a relação de outrora entre PT, Cajamar, FNN e outras entidades, o PT vai construindo sua política de formação. Entre os petistas que responderam pela pasta de Formação no DN, além de Wladimir Pomar e Gilberto Carvalho, estiveram João Machado, Perseu Abramo, Jorge Almeida... Eleita em 2005 para assumir a SNFP, Marlene da Rocha, em entrevista ao portal do PT, afirmou que, naquele momento, o fundamental era contribuir com a formação de quadros para atuar nos governos e mandatos. "Estamos pensando numa formação que deve não apenas privilegiar o ideológico, embora este seja nosso eixo de trabalho, mas também investir na demanda que o partido tem. Queremos ainda preparar a militância para determinados temas, retomar o debate sobre as políticas sociais, reforma agrária, sobre a economia, a relação do partido com o governo, das lições que aprendemos com esta crise. Esses serão os temas que devem estar na ordem do dia e queremos fazer isso em parceria com as demais secretarias."

Preocupação permanente  

Em 1991, o partido estava mergulhado em seu 1º Congresso Nacional. No documento "Construindo uma nova cultura política" estão os indícios de que o PT discutia os rumos da formação política partidária. O texto apresentado pela SNFP justifica a importância da formação política e apresenta propostas para a continuidade da ação educativa no interior do PT. "O documento faz uma crítica radical à forma como o PT trata a formação política, afirmando que a efetivação do discurso de democracia partidária passa necessariamente pela organização de núcleos de base, pela comunicação interna e externa (...). Os dirigentes partidários são acusados de se considerarem autossuficientes e não investirem na formação, cujas estruturas não se encontram em condições para um bom funcionamento."9 No 1º Congresso o debate sobre a criação de uma Escola Nacional do PT10 é retomado, assim como a possibilidade de destinação de 10% dos recursos para a formação.

Concretamente, em outubro de 2008, em seu 3º Congresso, o PT decidiu criar a Escola Nacional de Formação Política, uma estrutura partidária, parte constitutiva da Fundação Perseu Abramo e diretamente subordinada ao Diretório Nacional do PT, segundo Regimento aprovado pelo DN de 10 de fevereiro de 2009. Afinal, a Fundação, desde que foi  instituída pelo partido, em 1996, tem suas atividades e projetos destinados à formação política e cultural dos petistas.

O futuro

Joaquim Soriano, secretário nacional de Formação Política, aponta para o futuro a Escola Nacional de Formação. "Não estamos abrindo um CNPJ de uma entidade educacional, um espaço físico, mas sim diretrizes e orientações metodológicas com cursos variados. É também um esforço para unir as forças políticas e oferecer a formação necessária, seja para a atu ação nos setores, seja para construir a renovação dos governos", define. Os primeiros acertos já foram feitos na última reunião do DN e está em anda mento a realização da Jornada Nacional de Formação, que pretende "pôr de pé" o projeto da Escola Nacional.

Selma Rocha, diretora da FPA e militante da educação há muitos anos, fala apaixonadamente sobre o assunto. Em sua avaliação, as experiências passadas foram fundamentais para a formação da militância e da própria integração nacional partidária. "O Cajamar e as outras escolas tiveram papel muito importante para uma geração inteira, que aprendeu a distinguir oprimido de opressor e os mecanismos ideológicos a partir dos cursos naqueles espaços. Foram fundamentais para a integração do PT. Mas hoje talvez não tivessem o mesmo significado. Hoje é importante que a escola vá até os locais."

A concepção geral que move a atual proposta, segundo Selma, é que os novos militantes, ou aqueles que não tiveram contato com formação, sejam preparados para ser sujeitos da ação política. "Não queremos apenas reproduzir as resoluções, e sim formar sujeitos que pensem, formulem e sejam capazes de ter atuação política. Significa que em nosso partido essas pessoas têm de ter a capacidade de ler a realidade, desconstituí-la e saber por que eles defendem outra coisa."

Trata-se de um processo longo, que tem a formação como instrumental, mas quer, também, ampliar os espaços dos diretórios, mudar a cultura política da participação e da disputa, trazer de volta quem se afastou da militância, por meio de ações culturais, por exemplo, levando a cultura popular, o cinema e a literatura aos diretórios municipais e regionais. Em outras palavras, transformar a vida partidária. "Não se trata apenas de dar cursos, e sim de criar um ambiente formativo que favoreça a leitura, a inquietação, teórica e política, para que os militantes busquem respostas e proponham coisas", explica Selma. "É um grande desafio metodológico, político, financeiro, organizacional, mas que está na gênese de nosso nascimento."

Assim, os temas dos cursos dizem respeito ao longo ciclo da história brasileira. "Queremos que quem passe pelos cursos sejam lideranças de defesa de nosso projeto de desenvolvimento nacional que estará em disputa em 2010. O que está em questão no Brasil é se vamos fortalecer esse projeto ou se vamos voltar àquele que trouxe ao mundo miséria, concentração de riqueza, desregulação econômica, injustiça, violência", afirma Selma.

O tempo não para...  

As Secretarias Nacionais de Formação Política e de Assuntos Institucionais do PT e a Fundação Perseu Abramo iniciaram, em maio, uma série de cursos para vereadores e vereadoras petistas de todo o Brasil. A programação prevê atividades em nove capitais e com prioridade para aqueles que estão no primeiro mandato. Os conteúdos dos cursos são a história do partido e a conjuntura, o modo petista de atuação parlamentar, fundamentos legais do funcionamento dos municípios e eixos políticos para a ação local. A meta inicial é atingir pelo menos 900 dos 4 mil parlamentares municipais do partido.

Também faz parte desse projeto a Jornada Nacional de Formação, que pretende, segundo informou Joaquim Soriano, convocar os petistas da área da educação, por meio dos sindicatos, para formar um cadastro nacional de monitores e formadores (militantes dos movimentos sociais, intelectuais e educadores).

Como estratégia de aquecimento para a Jornada será estimulada a realização de uma campanha para o levantamento da produção de cultura política local (poesias, músicas, filmes etc.). Além disso, é importante que as resoluções, programas, textos e indicadores produzidos regionalmente sejam enviados à Fundação Perseu Abramo, para que esse material seja organizado e colocado em seu portal.

Fernanda Estima é editora assistente de Teoria e Debate