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Inês Magalhães, secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, fala sobre o programa Minha Casa, Minha Vida

Inês Magalhães, secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, fala sobre o programa Minha Casa, Minha Vida e sobre a importância das ações voltadas para o setor habitacional não só para diminuir o déficit da área, como para fortalecer o mercado interno

Inês Magalhães, secretária de Habitação do Ministério das Cidades. Foto: Rodrigo Nunes/MCidades

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Em 2009, em meio à crise econômica e como uma das ações para proteger o país de seus efeitos, o governo lança o Minha Casa, Minha Vida. Qual foi o processo de gestão desse programa? Em que medida alavanca a economia e quais são suas metas?  
A escolha de um programa de produção de moradia como estratégia para um momento de crise vai ao encontro de duas diretrizes do governo do presidente Lula. Primeiro, realizar desenvolvimento e crescimento eco nômico com inclusão social. No PAC, isso foi marcado quando pusemos a urbanização de favelas como um dos eixos na infraestrutura urbana e social. E agora, num momento de crise, considerar não apenas a construção civil, mas a produção de moradia como estratégia reforça novamente esse compromisso. A construção civil responde muito rápido aos investimentos, é uma área de mão-de-obra intensiva, em que os insumos são quase todos nacionais.

Em segundo lugar, a diretriz de estimular o mercado também foi contemplada. É um programa que tem questões imediatas e outras estruturais. A instituição, por exemplo, do Fundo Garantidor é um dos componentes que já estava previsto no Plano Nacional de Habitação (PlanHab), uma estratégia de longo prazo. A elaboração do programa contou com o diálogo de todos os segmentos que têm uma interface com a questão da moradia, desde movimentos sociais até a cadeia da construção, tentando tirar uma fotografia dos principais gargalos que temos para dar conta dessa meta de construir 1 milhão de moradias no menor prazo possível.

Quais são os principais gargalos?  
Os prazos de licenciamentos, os custos cartorários... Uma questão fundamental é ter um montante de subsídio adequado para tornar as famílias que têm capacidade de pagamento em consumidores de habitação. Ou seja, a própria classe média que foi criada pelo governo Lula se tornou um consumidor de bens como alinha branca, o celular, mas para que se torne consumidor de um bem de longo prazo é preciso que se dê um volume de subsídio apropriado, que se criem instrumentos de barateamento. Assim, nós diminuímos os juros, aumentamos o subsídio, barateamos os custos cartorários, reduzimos o custo do seguro e instituímos o Fundo Garantidor. Isso do ponto de vista do tomador final. Do ponto de vista da cadeia produtiva, abrimos financiamentos de menor custo, trabalhamos no sentido de que os órgãos ambientais se comprometessem a dar celeridade às licenças, diminuímos o custo dos cartórios para quem vai construir habitação e linhas de financiamento para infraestrutura da habitação, necessária muitas vezes na instalação de grandes empreendimentos.

Esses foram os principais gargalos tratados pela Medida Provisória que cria o programa. Há outro, ainda, muito importante, que não tem a ver diretamente com a produção da habitação, mas é estrutural no que diz respeito à política nacional de habitação: a regularização fundiária. A MP que cria o programa tem um capítulo específico sobre a questão, que permitirá maior rapidez à regularização dos assentamentos precários, loteados e favelas. Isso também vai contribuir para o acesso à moradia como um direito.

O Minha Casa, Minha Vida é fundamental do ponto de vista da crise econômica porque dá resposta rápida, tem componente de inclusão social fortíssimo e inicia o processo de enfrentamento de um dos problemas graves do Brasil, que é o déficit habitacional.

A meta é construir 1 milhão de moradias em que prazo?  
O presidente, no lançamento, não estipulou prazo porque estamos pro gramados para aportar os recursos, mas a produção depende muito da resposta que o setor privado dará, apresentando projetos etc. No entanto, acreditamos que é possível ter quase tudo contratado até o ano que vem e cumprir essa meta em três anos.

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Uma crítica que se faz ao programa é ter estendido demais as faixas de renda a serem atendidas, o que acaba beneficiando segmentos da classe média, em detrimento das faixas mais carentes (até 3 salários mínimos). Como se justifica essa distribuição de faixas?  
O Minha Casa, Minha Vida é um componente a mais do trabalho que vem sendo desenvolvido na área de habitação. É importante lembrar que um volume de recursos já está sendo destinado à urbanização de favelas, onde se imagina que esteja essa faixa de renda ­ R$ 17 bilhões no período de 2007 a 2010. A área de habitação não se restringe a fazer casas, há outros componentes: urbanização de favelas, regularização fundiária e produção habitacional. Isso é importante ter presente.

Em relação à distribuição por faixa de renda do Minha Casa, Minha Vida, o atendimento será da seguinte forma: 400 mil unidades para a faixa até 3 salários mínimos, outras 400 mil de 3 a 6 salários e 200 mil unidades para a faixa acima de 6 salários. Ainda que tenhamos um déficit na faixa até 3 salários, no planejamento de longo prazo que consta do PlanHab há uma projeção de grande demanda para os próximos quinze anos justamente na faixa de 3 a 6 salários mínimos. Ou seja, são as famílias que pelo ganho do salário mínimo, pela melhoria de renda que tiveram, tornaram-se compradores potenciais de moradia. Se não tivermos oferta para essa faixa de renda, e as pesquisas de pós-ocupação de áreas de favela indicam isso, essas famílias comprarão os imóveis ofertados para as famílias de baixíssima renda. É importante que o mercado seja estimulado a produzir para essa faixa de renda. Segundo o desenho da projeção das necessidades habitacionais futuras, há uma barriga na pirâmide representando o comprador e uma demanda potencial que crescerá nos próximos anos, até 2023. Se não houver oferta para essa faixa de renda, ela consumirá o produto pensado para a faixa até 3 salários mínimos.

Outra característica essencial do programa é que o sistema de financiamento para a faixa até 3 salários mínimos não obedece as regras do Sistema Financeiro de Habitação. Para essa faixa, o financiamento independerá de nome com restrição cadastral e comprometerá apenas 10% da renda.

Em que medida o programa recém-lançado se articula com o PlanHab e com uma política nacional de habitação?  
Para uma análise do Minha Casa, Minha Vida é preciso ter um certo distanciamento e olhar para a com posição do que poderíamos chamar de moldura do enfrentamento do problema. Desde o início do governo Lula, houve um avanço significativo em relação à questão urbana. Num primeiro momento tivemos a criação do Ministério das Cidades; do Conselho das Cidades, órgão que referenda e dá as diretrizes para as políticas de setor urbano no país; a aprovação do Fundo Nacional de Habitação; a criação do Sistema Nacional de Habitação; a aprovação da Política Nacional de Habitação. Foram criados os marcos legais. Ao instituir o Sistema e o Fundo, cumpriu-se um compromisso assumi do em 2000, com o Projeto Moradia, apresentado no Instituto Cidadania, com as adequações necessárias para o momento. A criação de ambos foi um passo de reconstrução institucional do setor habitacional no país, porque prevê que os três níveis de governo tenham estrutura, fundos e planos para uma atuação de longo prazo.

No segundo mandato, outros passos importantes foram o aumento dos investimentos federais em urbanização de favelas, por meio do PAC, e a elaboração do PlanHab, uma estratégia de longo prazo, até 2023, cujo pontapé inicial, considerando a crise, foi a criação do Minha Casa, Minha Vida. Do nosso ponto de vista, é o start da implementação do PlanHab, que além da construção de moradia tem outros componentes que vêm sendo trabalhados. Por exemplo, com o Ministério da Indústria e do Comércio, trabalhamos eixos como a modernização da cadeia construtiva, da industrialização da habitação, da melhoria da produtividade, sem os quais não conseguiríamos enfrentar no longo prazo a questão da habitação.

O programa pode ser considerado uma primeira fase do PlanHab?  
É o capítulo de transição entre um momento e outro, porque sua implementação tem outros elementos que não só a construção de moradias.

Qual o déficit quantitativo e qualitativo de moradia do país?  
Temos o déficit quantitativo, da PNAD de 2007, de 7,2 milhões. Faremos uma revisão da metodologia, mas é o dado considerado. Com relação à inadequação, ou ao déficit qualitativo, temos um levantamento, realizado como subsídio para a elaboração do PlanHab, de 3,6 milhões de domicílios em assentamentos precários.

Como esse déficit está distribuído, em termos de área urbana e rural e por região?  
O déficit é de 1,3 milhão de domicílios na área rural, a maior parte concentrada no Nordeste. O maior déficit urbano está no Sudeste, seguido do Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste.

Quais as fontes de financiamento para o setor habitacional?  
Há o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), que é o maior financiamento habitacional. Não es tamos falando de recursos da União, mas de financiamento. O SBPE, que é o financiamento de mercado, teve um aumento de R$ 2 bilhões de empréstimos, em 2002, para R$ 29 bilhões, em 2008. Temos também o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e os recursos do PAC, que somam R$ 17 bilhões nos últimos quatro anos, e o recurso do Minha Casa, Minha Vida, que está em torno de R$ 34 bilhões. Ou seja, são recursos muito expressivos.

Um dado igualmente importante para analisar a questão da habitação no país é o aumento muito significativo dos recursos que foram alavancados para a classe média. O SPBE passou por uma reforma, houve mudanças institucionais, como uma lei que melhora as questões de segurança jurídica dos contratos por meio da regulamentação de um instrumento chamado Patrimônio de Afetação, que protege consumidores de casos como a Encol, a alienação fiduciária, que é um instrumento para dar maior segurança jurídica aos contratos de financiamento imobiliário. Esse conjunto de medidas, pela Lei nº 10.391/2004, estimulou in tensamente o setor do mercado imo biliário. O volume de recursos envolvi dos na habitação tem um crescimento bastante expressivo nos últimos anos tanto para habitação de interesse social como também de mercado.

Há perspectivas de conseguir uma dotação orçamentária constitucional para a habitação?

Há uma PEC, cuja admissibilidade foi aprovada recentemente, que propõe 2% dos recursos federais e 1% dos estaduais e municipais para a habitação. Ter recursos regulares é fundamental para qualquer política pública. A discussão da reserva, do carimbo dos recursos orçamentários, tem de ser feita de maneira mais ampla, porque todas as restrições que há, os carimbos de educação e saúde, deixam o gestor muito engessado em sua capacidade de gerir e mudar as prioridades. Mas é essencial que se tenha uma perspectiva de investimento de longo prazo na habitação.

O que avançou e o que ainda é um desafio do governo Lula no setor de habitação?  
Do ponto de vista institucional, creio que os primeiros passos foram dados. Há adesão do conjunto dos municípios brasileiros ao Sistema Nacional de Habitação. Essa adesão foi expressa e se materializará nos próximos anos por meio da constituição de fundos, conselhos e planos municipais e estaduais de habitação. A coluna vertebral do SNH vem se constituindo. Vários municípios estão elaborando seus planos, financiados ou não pelo governo federal, e já instituíram seus fundos e conselhos. A aplicação permanente de recursos é um fator fundamental para esse avanço.

Além do aumento expressivo do volume de recursos aplicados no setor, é altamente relevante o fato de a habitação ter sido colocada na agenda nacional como um componente não só de inclusão social, mas também econômico. Isso é importante para o desenvolvimento de um mercado popular e para que se tenha um processo de melhoria da produtividade, cuja consequência deve ser o barateamento da construção no médio prazo.

Coisas que precisamos avançar: a questão da terra. A terra é um insumo fundamental, a competência municipal no planejamento urbano é intransferível. O governo federal precisa aumentar o apoio institucional aos municípios no desenvolvimento da área urbana como um todo, para que possamos ter cidades mais bem preparadas para receber inclusive os investimentos que estão sendo realizados. A experiência do PAC e do Minha Casa, Minha Vida mostra grande fragilidade institucional dos municípios. Essa é uma tarefa que precisa ser reforçada.

Desde 2003, o Ministério das Cidades vem ajudando os municípios em capacitação, no financiamento de uma agenda institucional, mas isso deve ser intensificado se quisermos ter municípios com planos diretores sempre atualizados, com áreas destinadas à habitação de interesse social. Esse é um dos nossos maiores desafios no curto e médio prazo. Examinando vários dos planos diretores, observamos a incorporação de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que é um instrumento do Estatuto da Cidade, mas a grande maioria são áreas já ocupadas por favelas ou loteamentos irregulares.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate

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