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O município, o primeiro e mais profundo elo do cidadão com o Estado, é também o mais atingido pela crise mundial.

O município, o primeiro e mais profundo elo do cidadão com o Estado, é também o mais atingido pela crise financeira mundial. A medida provisória anunciada pelo presidente Lula garante que nenhuma cidade terá redução nos recursos provenientes do Fundo de Participação dos Municípios, verbas que são fundamentais, principalmente para os de menor receita.

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Grandes crises colocam as nações diante de desafios tão avassaladores que exigem, ao mesmo tempo, ousadia e responsabilidade. Assim, na Depressão de 1929, por exemplo, os Estados Unidos tiveram a ousadia de abandonar a crença nos superpoderes da "mão invisível" do mercado e assumir a responsabilidade de fazer do Estado o grande indutor da economia. O resultado foram trinta anos de prosperidade. O Brasil sofre as consequências da mais grave crise econômica mundial desde a Grande Depressão. Mais do que nunca, o momento exige de nossas lideranças políticas ­ em todos os níveis do Executivo e nos Legislativos ­ o abandono de velhas posturas e a adoção de atitudes ousadas e responsáveis.

O município, o primeiro e mais profundo elo do cidadão com o Estado, é também o mais atingido pela crise. Muitos dependem quase exclusivamente da verba repassada pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para arcar com suas despesas. Reflexo da diminuição da atividade econômica, esses repasses, que variam de acordo com a arrecadação de impostos federais, sofreram no primeiro trimestre de 2009 uma queda em termos reais de 6,1% em relação ao mesmo período de 2008. Isso afetou duramente o cotidiano de muitas prefeituras brasileiras; algumas ficaram impossibilitadas de cumprir seus compromissos, incluindo o pagamento do salário dos funcionários municipais.

Lidando com a economia como um todo, o governo federal adotou medidas de desoneração tributária para setores importantes, como a indústria automobilística e a construção civil. Essas medidas se mostraram essencialmente corretas: mesmo com a crise abalando o setor automobilístico no resto do mundo, a venda de carros no Brasil bateu recordes em março. E a construção civil voltou a contratar no ritmo anterior ao da deflagração da crise. Contudo, essas desonerações promovidas pela União, sobretudo a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) da indústria automobilística, também se refletem no FPM, embora não representem a causa principal ou exclusiva da flutuação negativa.

Mas, como a queda do FPM é real, foi louvável e fundamental o anúncio feito no mês de abril pelo presidente Lula, de garantir, por meio de uma MP, que nenhum município receberá menos recursos do que recebeu do Fundo em 2008. Foi uma medida emergencial para atender principalmente os municípios com menor receita. Paralelamente, é necessário que se faça uma revisão das atuais regras de distribuição do FPM, de forma a corrigir as distorções e atender de maneira mais justa as cidades brasileiras.
Parte do pânico instaurado entre os prefeitos diante da perspectiva no repasse do FPM foi gerada pelos aumentos expressivos nos últimos anos pré-crise. Todos haviam se acostumado a um crescimento médio real das receitas de 10% ao ano. Veio a tormenta e muitos entraram em desespero. A postura afirmativa do presidente Lula foi decisiva nessa questão, tratando de rechaçar qualquer possibilidade de regressão no repasse do FPM.

O presidente prevê ­- e nós concordamos ­-, que o país sairá mais fortalecido desta crise. Na tempestade, a condição firme e acertada do timoneiro fez com que a economia brasileira se reforçasse, passando a ocupar uma respeitabilidade nunca antes obtida no mundo. O Brasil foi um dos últimos países a sentir os efeitos da crise e será um dos primeiros a dela sair. Até porque, diferentemente de outros momentos, as medidas de redução de impostos em setores de mão-de-obra intensiva e de elevada participação no PIB, além do socorro direto com compensação orçamentária aos governos locais, foram acompanhadas de macroações de investimento econômico e social de largo espectro que fazem bem ao país. Minimizam os impactos negativos da crise nas cidades. Referimo-nos ao PAC, à implantação do programa Minha Casa, Minha Vida, à elevação do salário mínimo e do Bolsa Família e, sobretudo, à irrigação de crédito pelos bancos estatais ao setor produtivo.

Diferentemente de outros momentos, dizemos, porque o governo FHC, obedecendo à risca ao receituário neoliberal prescrito pelo Consenso de Washington, respondeu às crises do México, da Rússia e da Ásia com remédios amargos e ineficazes, como injeção de dinheiro público nos bancos privados (Proer), arrocho salarial, aumento de impostos, privatização de estatais produtivas, paralisação (dos poucos) investimentos e mais pedidos de socorro ao FMI, fazendo explodir nossa dívida externa. Não é à toa que nosso PIB despencou, o Brasil mergulhou na sua segunda "década perdida", a juventude foi privada de oportunidades educacionais e laborais e o desemprego atingiu uma escala dramática.

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Hoje, o país está se elevando a outro patamar como nação, com economia sólida e confiável, grandes possibilidades de aproveitamento de suas imensas riquezas naturais, com destaque para a descoberta da camada utilizados pelos entes federados para o de pré-sal em nossa costa, e também devido a nosso potencial tecnológico e know-how na produção de biocombustíveis ­ entre eles, o etanol. Nisso somos top e o mundo está aprendendo a reconhecer essa realidade.

Mas os maiores municípios têm outro problema grave em sua relação com os demais entes da Federação: a dívida pública. O pagamento dessa dívida é compulsório e também condição necessária para a realização de transferências voluntárias. Muitas  cidades, contudo, estão no limite de suas possibilidades e têm poucas  condições de saldar essa dívida. O Senado Federal reconheceu essa situação de penúria ao aprovar a PEC 12, conhecida como PEC dos Precatórios.  Esperamos agora que a Câmara dos Deputados aprove a PEC conforme redação oferecida pelo Senado. Será uma grande conquista para todas as prefeituras do país a se consolidar, se o lobby dos comerciantes de precatórios, mais uma vez, não atrapalhar. Há seis anos estamos batalhando para que os pagamentos dos precatórios sejam feitos pelas prefeituras sem que as finanças dos municípios vejam-se excessivamente oneradas, como acontece hoje.

Lembramos que no texto da PEC está previsto o fim do sequestro de valores das prefeituras e dos governos estaduais em caso de não pagamento de precatórios, assim como se estabelecem percentuais obrigatórios a serem utilizados pelos entes federados para o  pagamento das dívidas. Fizemos uma verdadeira peregrinação nos últimos anos por vários gabinetes em Brasília objetivando sempre o apoio político suprapartidário para que a PEC chegasse à votação no Congresso Nacional com um texto que beneficiasse as prefeituras e permitisse o pagamento a quem de direito. Para isso, foram fundamentais o apoio das Prefeituras de São Paulo e Diadema e as reuniões que a direção da Frente Nacional dos Prefeitos teve, no início de março, com os presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, Michel Temer.

O governo do presidente Lula também reconheceu as dificuldades dos municípios em relação à herança de débitos previdenciários. A MP  nº 457/2009, por exemplo, elevou a 240 meses o prazo para pagamento das dívidas previdenciárias dos municípios. Mas essa iniciativa ainda  deixa a desejar: defendemos que se promova uma revisão dos valores da dívida apontados pela União. Reivindicamos, por exemplo, que a União respeite a Súmula nº 8 do Supremo Tribunal Federal e expurgue das nossas contas os débitos já prescritos. Sugerimos também que se retire da MP a exigência de pagamento mínimo de 1,5% da Receita Corrente Líquida (RCL) – que inviabiliza, na prática, o parcelamento da dívida. A título de exemplo, se mantida essa regra, Belo Horizonte só poderia parcelar seus débitos em 35 pagamentos; São Paulo, em dezessete; Salvador, em 21; Porto Alegre, em dezoito; Fortaleza, em dezessete; e o Rio de Janeiro, em apenas nove.

Foi muito positiva, após aprovação na Câmara dos Deputados no último dia 30 de abril, a mudança na fórmula de correção da dívida previdenciária ­ da antiga Taxa Selic do Banco Central ­, substituída pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) do BNDES. E fazemos um apelo para que os estados respeitem o disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação em relação ao financiamento do transporte escolar rural cada ente deve se responsabilizar pelo pagamento do transporte dos alunos matriculados em sua rede de ensino. O não cumprimento dessa diretriz traz aos municípios um prejuízo estimado de R$ 1 bilhão ao ano.

Tendo em vista a conjuntura econômica adversa, defendemos, ainda, que as contrapartidas dos municípios aos investimentos federais e estaduais sejam reduzidas para valores simbólicos. Pedimos também ao Congresso Nacional que seja regulamentado o artigo 23 da Constituição Federal, de tal forma a fixar normas de cooperação para as competências comuns dos entes federados. Por fim, defendemos enfaticamente que o Congresso aprove uma reforma tributária, modificando em especial os critérios de transição para a repartição do ICMS.

É assim, assumindo com ousadia e união nossa responsabilidade, que os municípios brasileiros estão fazendo sua parte, no combate cotidiano à crise econômica mundial.

João Paulo Lima e Silva foi prefeito de Recife/PE (2001 a 2008) e presidente da Frente Nacional de Prefeitos

Newton Lima Neto foi prefeito de São Carlos/SP (2001 a 2008) e secretário-geral da Frente Nacional de Prefeitos

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