Política

O cientista político Marcus Ianoni avalia o atual cenário para a implementação da reforma política e os desafios a serem enfrentados

A percepção das insuficiências do sistema representativo tem fortalecido a presença da reforma política na agenda pública e entre os novos elementos destaca-se a entrada em cena do Executivo. Este artigo foca no problema político da implementação dessa reforma, nó górdio da questão.

A decisão política no Legislativo expressa o equilíbrio de forças resultante em

A decisão política no Legislativo expressa o equilíbrio de forças resultante em cada contexto. Foto: Wilson Dias/ABr

Como tem ocorrido mais ou menos regularmente desde o governo Sarney, o tema da reforma das instituições políticas sobressai na agenda pública. Em geral, o debate concentra-se no conteúdo das propostas de mudança, como o tipo de sistema eleitoral, as regras de funcionamento parlamentar dos partidos ou de financiamento das campanhas eleitorais. Este artigo foca no problema político da implementação dessa reforma, nó górdio do tema, não obstante menos aprofundado no debate.

Os conhecimentos da ciência política no campo da análise de políticas públicas e do processo decisório governamental fornecem ferramentas importantes para elucidar dificuldades da reforma política no Brasil. O ciclo das políticas públicas é composto das seguintes etapas analíticas, nem sempre tão distintas na ação política efetiva dos atores: formação da agenda, formulação, implementação e avaliação. Farei uma referência às três primeiras, para avaliar o processo da reforma política.

Evoquei, anteriormente, o extenso clima sociopolítico e político-institucional que tem movimentado as marés cheia e baixa de emersão e imersão da reforma política na agenda pública. Tal cenário remete à construção institucional do regime democrático, desde a transição que levou a termo a ditadura militar de 1964-1985. Nos últimos anos, porém, a evolução da percepção, pelos atores, das insuficiências do sistema representativo tem fortalecido a presença da reforma política na agenda pública. A formulação concerne às propostas que esses atores produzem para encaminhar a reforma política. No estado de formulação, produzem-se propostas como lista fechada, voto distrital, cláusula de barreira etc. Mas é na implementação, cujo ponto de partida demanda a aprovação congressual da mudança da legislação, que estão as principais dificuldades. Daí por que a efetividade dessa reforma depende de um aprofundamento da sintonia e do diálogo entre formulação e implementação.

Em 2007, por exemplo, a base aliada do presidencialismo de coalizão foi derrotada em sua tentativa de aprovar a lista fechada, o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais e a fidelidade partidária. Então, a iniciativa legislativa da reforma política partiu, principalmente, da bancada governista na Câmara dos Deputados, e não logrou êxito. Se, de um lado, teve o apoio de deputados da oposição, de outro, dividiu os governistas. Mudanças político-institucionais, sobretudo no sistema eleitoral, têm dividido as bancadas parlamentares, configurando coalizões suprapartidárias de poder, que rompem os limites entre situação e oposição.

Entre os elementos novos e importantes no processo da atual tentativa de fazer a reforma política destaca-se a entrada em cena do Executivo, ao enviar às duas casas do Congresso Nacional seis projetos de mudanças no sistema político (leia tabela abaixo). A proposta do Executivo concentra-se em três eixos: lista fechada, financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais e fidelidade partidária. iniciativas legislativas do Executivo têm, em regra, grande chance de aprovação. Note-se, também, que os projetos de lei que incorporam os três eixos citados são matéria de lei ordinária, requerendo aprovação por maioria simples.

Outro elemento relevante é o avanço do debate, sobretudo desde a crise política de 2005, na sociedade civil, nas universidades, em vários Legislativos e noutras instâncias dos poderes públicos subnacionais, nos partidos, enfim. Segundo a proposta do Executivo, elaborada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, sua formulação visou incorporar esse acúmulo, tendo sido precedida de um processo de diálogo no interior do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com a OAB, sociedade civil e especialistas no tema. Na Câmara dos Deputados, o debate intra e interbancadas e com a sociedade civil também se intensificou, inclusive com uma maior institucionalização da presença de atores sociais nos trâmites da reforma política. Assim, há evidências empíricas de que o longo processo da reforma política no Brasil, de caráter incremental e gradualista, tem dado alguns passos importantes no sentido de democratizar e agregar legitimidade à disputa política na difícil arena decisória que esse tema constitui.