Economia

Grave crise mundial teve seus impactos diminuídos com medidas governamentais

De 2006 até o terceiro trimestre de 2008, a economia cresceu de forma vigorosa. No entanto, no quarto trimestre de 2008 o Brasil foi atingido pela crise econômico-financeira internacional. Primeiro, houve uma aguda restrição do crédito ofertado por instituições estrangeiras. Posteriormente, instituições financeiras domésticas elevaram as taxas de juros de suas operações no país, tornando o crédito ainda mais escasso.  
 
E, finalmente, a economia foi atingida por uma crise de confiança por parte de empresários e trabalhadores, isto é, uma crise de contenção de gastos para produção, investimento e consumo.
 
A crise foi grave. O governo adotou uma série de medidas para combatê-la. Todas visavam ampliar a liquidez/crédito, por um lado, e os gastos públicos e privados, por outro. Vale destacar as seguintes medidas: aumento real superior a 6% do salário mínimo; ampliação do crédito direcionado via instituições financeiras públicas; criação de duas novas alíquotas de imposto de renda sobre a pessoa física­ o que fez aumentar de forma significativa a renda disponível; inclusão de mais 1,3 milhão de famílias no programa Bolsa Família; concentração de esforços para realização dos projetos de investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); redução da meta de superávit primário anual, anteriormente estabelecida em 4,3% do PIB, para 2,5%; lançamento do programa habitacional de construção de 1 milhão de moradias; manutenção/ ampliação dos gastos públicos com pessoal, programas sociais e atividades finalísticas do Estado brasileiro; e redução de IPI em diversos segmentos, entre eles, o automobilístico.  

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De 2006 até o terceiro trimestre de 2008, a economia cresceu de forma vigorosa. No entanto, no quarto trimestre de 2008 o Brasil foi atingido pela crise econômico-financeira internacional. Primeiro, houve uma aguda restrição do crédito ofertado por instituições estrangeiras. Posteriormente, instituições financeiras domésticas elevaram as taxas de juros de suas operações no país, tornando o crédito ainda mais escasso.  
 
E, finalmente, a economia foi atingida por uma crise de confiança por parte de empresários e trabalhadores, isto é, uma crise de contenção de gastos para produção, investimento e consumo.
 
A crise foi grave. O governo adotou uma série de medidas para combatê-la. Todas visavam ampliar a liquidez/crédito, por um lado, e os gastos públicos e privados, por outro. Vale destacar as seguintes medidas: aumento real superior a 6% do salário mínimo; ampliação do crédito direcionado via instituições financeiras públicas; criação de duas novas alíquotas de imposto de renda sobre a pessoa física­ o que fez aumentar de forma significativa a renda disponível; inclusão de mais 1,3 milhão de famílias no programa Bolsa Família; concentração de esforços para realização dos projetos de investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); redução da meta de superávit primário anual, anteriormente estabelecida em 4,3% do PIB, para 2,5%; lançamento do programa habitacional de construção de 1 milhão de moradias; manutenção/ ampliação dos gastos públicos com pessoal, programas sociais e atividades finalísticas do Estado brasileiro; e redução de IPI em diversos segmentos, entre eles, o automobilístico.  

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Os primeiros sinais de recuperação da economia já começaram a aparecer. O crescimento do PIB do segundo trimestre, de 1,9%, em relação ao primeiro trimestre indica que a economia já está em rota de recuperação e que uma aceleração mais forte já teve início neste segundo semestre. Manter essa trajetória ascendente nos próximos meses é decisivo para a configuração do ano e determinante para o ritmo de crescimento de 2010. Contudo, a taxa de câmbio é o calcanhar de aquiles da arquitetura de recuperação traçada pelo governo porque sua administração precisa estar inserida em um projeto de desenvolvimento, tal como as demais medidas adotadas.  
 
A taxa de câmbio é um elemento-chave de um projeto de desenvolvimento. Esta constatação é fundamental: além de ser essencial para auxiliar o esforço de crescimento econômico, deve ser aceita como um dos instrumentos que compõem uma estratégia de desenvolvimento. A macroeconomia e seus preços básicos, isto é, juros e câmbio, podem definir os rumos de uma sociedade, se esta está caminhando em direção ao progresso ou ao atraso.

Em relação à taxa de câmbio, constata-se que existe uma tendência forte à sua valorização nos países em desenvolvimento, tal como o Brasil, devido às possibilidades econômicas que os caracterizam. Tais países podem ser exportadores de itens básicos, podem ser atrativos para o investimento direto estrangeiro ou podem ainda ter ativos financeiros atraentes. Portanto, essas economias podem sofrer de doenças crônicas cambiais valorizativas.

Embora uma taxa de câmbio competitiva (desvalorizada) seja um elemento muito importante em uma estratégia de desenvolvimento, porque abre mais um mercado demandante de produtos domésticos, cabe mencionar que o mercado interno se diferencia do externo porque pode ser estimulado através de políticas fiscais, monetárias, de socialização da riqueza e de elevação da renda; enquanto o segundo depende, quase exclusivamente, de variáveis que não estão sob o controle doméstico, como o crescimento da economia mundial. Embora o canal de demanda externa deva ser fortemente utilizado, o mercado interno, que pode ser estimulado por políticas governamentais, deve ter papel de grande destaque em uma estratégia de crescimento com desenvolvimento.  

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Uma taxa de câmbio competitiva é resultado de vontade política, que deve ser expressa em decisões e ações governamentais, uma vez que uma taxa de câmbio de equilíbrio de mercado é uma taxa não competitiva, embora represente as forças conjunturais e estruturais presentes em economias que buscam o desenvolvimento. Uma política cambial adequada ao desenvolvimento é exatamente aquela que se confronta com as forças conjunturais que geram o baixo crescimento e, simultaneamente, se opõe às forças estruturais que promovem o atraso.  
 
Uma taxa de câmbio competitiva é aquela que deve estimular a industrialização mais sofisticada, ou seja, com densidade tecnológica. Sendo assim, uma política industrial de desenvolvimento e absorção de tecnologia deve ser complementada por uma política de administração de um preço cambial competitivo.
 
A estratégia de sofisticação da indústria que seja capaz de tornar empresas competitivas no mercado internacional é necessária porque torna a sociedade proprietária de vasto conhecimento, o que lhe oferece flexibilidade para refazer planos de desenvolvimento. Países que somente produzem produtos básicos ou semi-básicos estão condenados a participar de uma única via de inserção internacional que os condena ao atraso. Tal inserção é aquela em que, por exemplo, exportam-se grãos verdes de café para países que não plantam sequer um pé de café, mas se tornaram os maiores exportadores de valores do produto depois de selecioná-lo, processá-lo, embalá-lo... Enfim, agregam valor com uso de tecnologia.  
 
A industrialização sofisticada, que é competitiva no mercado internacional e, simultaneamente, abastecedora do mercado interno, cria um ambiente para uma oferta mais igualitária de oportunidades e para uma distribuição menos injusta da renda e da riqueza. A industrialização deve ser formalizada, isto é, visível do ponto de vista ambiental, social e econômico pelo Estado, de modo a gerar maior arrecadação de impostos visando à universalização de oportunidades, mais garantias e direitos trabalhistas, salários mais elevados, compatíveis com a produtividade mais elevada, e relações socioambientais sustentáveis.  

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Mas como deve ser feita a administração de uma taxa de câmbio competitiva, industrializante? Em primeiro lugar, as taxas que remuneram ativos financeiros precisam ser suficientemente baixas para que a avalanche de recursos financeiros internacionais não invada a economia brasileira, promovendo uma pressão valorizativa sobre a taxa de câmbio. Caberia ao Banco Central formar reservas para enxugar o mercado de divisas e para que tenha moeda estrangeira em volume suficiente para evitar desvalorizações abruptas em momentos de elevação do risco. Demandas internas por moeda estrangeira deveriam ser criadas: uma sugestão são estímulos fiscais à compra de máquinas e equipamentos importados. Também deveriam ser estabelecidos impostos sobre a exportação de itens básicos, bem como políticas de regulação do movimento financeiro internacional para residentes e não residentes.  
 
No Brasil, a taxa de câmbio tem assumido uma trajetória de valorização, por um lado, e de alta volatilidade, de outro. De janeiro de 2000 a junho de 2009, a moeda brasileira está entre aquelas que mais se valorizaram. Quanto à volatilidade, esta aparece não somente nos períodos de crise.  
 
Os principais canais de entrada de moeda estrangeira no Brasil são a atividade comercial; a atividade financeira, devido ao spread de juros doméstico-internacional ­ já adicionados o risco de default e as expectativas de (des)valorização; e a atividade de investimento direto e acionário (devido às expectativas otimistas de lucro e valorização de ações).  
 
A entrada de dólares pela via financeira especulativa não é necessária, já que há recursos de residentes suficientemente capazes de sustentar a emissão de títulos públicos domésticos. Ademais, provoca pressão valorizativa cambial. E o pior nesse caso é que, em geral, quanto maior é a atratividade dos títulos públicos domésticos, maior será o custo para o Banco Central carregar as reservas formadas. Em outras palavras, por exemplo: a partir de 2001 houve uma forte redução dos juros americanos e tal redução não foi acompanhada em igual magnitude pela taxa de juros Selic. Isso provocava um movimento de três tempos, danoso à economia e aos cofres públicos: primeiro, havia atração e entrada de recursos estrangeiros no país; segundo, havia pressão sobre a taxa de câmbio, no sentido da valorização; e, terceiro, o Banco Central comprava reservas cujo carregamento custava, no mínimo, o diferencial entre o juro americano e o praticado no Brasil.

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A entrada de dólares para a compra de ações não necessariamente tem sido para financiar novos investimentos, ou seja, para realizar compras relativas a emissões primárias. Muitas vezes, tais movimentos apenas refletem a valorização de ações negociadas em mercado secundário. Recursos em moeda estrangeira entrantes no país para esse fim também têm mostrado sua forte capacidade de apreciar a taxa de câmbio e de volatilizá-la.  
 
Pode-se mencionar algumas medidas para conter a valorização e a volatilização da taxa de câmbio. Entre elas, destacam-se: a redução da taxa básica de juros (Selic); o estabelecimento de imposto sobre a entrada de recursos de não residentes para a compra de títulos públicos e ações; a aplicação de uma política mais agressiva por parte do Banco Central, comprando reservas com o objetivo de desvalorizar o câmbio para alcançar uma taxa competitiva.
 
Muitos trabalhos têm mostrado que, no Brasil, o efeito pass-through (câmbio-preços) é reduzido sobre a trajetória de inflação. Contudo, para amenizá-lo ainda mais, seria preciso promover a desvalorização cambial em momentos em que a inflação se encontrasse em trajetória cadente. Também se poderia utilizar reduções de alíquotas de impostos em segmentos selecionados, ou seja, naqueles em que o efeito pass-through é mais intenso. Para tanto, seriam necessários estudos sobre o comportamento setorial de preços.  
 
A experiência recente da economia brasileira em crises cambiais deixou uma importante lição às empresas: elas sabem que descasamento contábil temporal pode ser resolvido com empréstimos bancários, mas que descasamento contábil de moedas é altamente custoso, de difícil administração e de elevado risco. Logo, somente empresas que possuem receitas em dólares têm se endividado nessa moeda. Mas como medida preventiva seria importante proteger as empresas de um processo de desvalorização, proibindo aquelas que não têm receitas e/ou ativos em moeda estrangeira de se endividar nessa moeda.  
 
Esse é um dos caminhos factíveis rumo à superação de barreiras conjunturais e estruturais que valorizam a taxa de câmbio e condenam a economia ao crescimento moderado e ao atraso. Um regime cambial administrado, estável e competitivo conforma ao lado de um orçamento equilibrado com pleno emprego e de juros muito baixos o tripé de um genuíno modelo desenvolvimentista.

João Sicsú é diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea e professor do Instituto de Economia da UFRJ