Política

Entrevista com Cida Abreu, secretária nacional de Combate ao Racismo do PT

De sua criação até hoje, quais são os debates da secretaria?

O debate foi a internalização do tema pelo PT. Éramos do movimento social negro brasileiro e tínhamos a linha do combate ao racismo. Era preciso fazer esse debate dentro das instâncias de poder, partidos e governos. Isso fez com que negros e negras do PT sentissem a necessidade de uma instância que materializasse as reivindicações e operasse a política. As principais bandeiras buscam a implementação dos marcos legais do combate ao racismo no Brasil. Esperamos reconhecimento político, pelo partido, dessa luta. Suas lideranças foram importantes para a admissão de cotas nas universidades, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, a promoção da igualdade racial nas nossas prefeituras e governos, a política a favor das mulheres negras, já que não havia política específica na Secretaria de Mulheres do PT. A juventude negra veio para o PT mais organizada e do Encontro Nacional da Juventude Negra, em 2007, saíram várias lideranças petistas.

Como se dá a atuação nos estados?

Temos dezenove secretarias estaduais de combate ao racismo. Seus dirigentes fazem a ponte entre o PT e o movimento social, ao qual são ligados. Não há uma apropriação do PT e são poucos os que conseguem um diálogo profundo e estrutura nos diretórios. Não conseguimos mostrar a importância de as secretarias funcionarem bem. Avançamos, mas ainda falta a apropriação das instâncias com condições para que esses secretários visitem os municípios, levem o debate do PT. Isso se dá por meio de muita luta. Se não fortalecemos esse setor no PT, o movimento fica refém, porque não conseguimos lhe dar respostas.

O PT sabe quantos de seus militantes são negros e negras?

Descobrimos um número muito insignificante, diante da quantidade de negros que visualizamos no PT no Brasil todo. Nesse PED teve uma autodeclaração de etnia, feita pelo militante na hora do voto. Vamos apurar e saberemos quantos são os negros e negras que atuam no PT.

E a discussão do combate ao racismo nos processos internos do partido?

O debate não é privilegiado. Chamamos os negros para que se inscrevam, façam a discussão nas correntes, participem das chapas. Não dá para formar guetos, lançando chapa negra. O PT é um partido democrático, filia sem questionar a etnia. Nós nos identificamos pelo desafio à lógica do capitalismo. Isso nos faz escolher o PT, mas o combate ao racismo, por ser uma disputa setorial, fica à parte da central. Só teremos um partido que vê os setoriais com olhar diferenciado se juntos fizermos a disputa central. Não há um debate direcionado, mas é preciso ter. Assim como temos de discutir um candidato negro para a Presidência do PT, discutir a direção como um todo, não só o combate ao racismo.

Há preparação do Setorial para o IV Congresso?

Em janeiro, o Encontro Nacional de Negros e Negras do PT debaterá nossa participação, tese e resoluções. Vamos lançar a campanha "Um Brasil sem Racismo Pode com Voto de Classe". Mas a pauta central é 2010, a intervenção no Congresso e as ações políticas.

E a relação com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir)?

Tratamos essa interlocução entre partido e governo inclusive para respaldar as políticas nos estados. Temos uma relação de fortalecimento mútuo, político-partidário e institucional. O ministro Edson Santos respeita as instâncias do PT, participa do Diretório quando é chamado. Na 2ª Conferência Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial fizemos o debate e ajudamos na mediação da política.

A política institucional de combate ao racismo começou em 2003. São apenas seis anos de ação do Estado. É muito nova para o Brasil e, com a diversidade que temos no país, não é fácil. Mas torna o combate ao racismo mais visível. A Agenda Brasil Quilombola trouxe grandes benefícios, políticas de ação afirmativa, como a Lei nº 10.639 (ensino de História e Cultura Afro-Brasileira), capacitação de alunos negros, relação com a África. A Seppir foi importante na aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, pois foi preciso convencer tanto a direita como a base aliada. É muito desafiador porque o racismo foi estruturado em pilares muito covardes e deixou negros e negras fragilizados para superá-los. A Seppir ajudou na política de Estado e no cotidiano. Há boa vontade, formulação e projeto de transformação do Estado, mostrando que a questão racial ainda tem de ser resolvida. Estou muito feliz pelas respostas, tímidas ­ e não cobertas pela mídia ­, mas nossos filhos verão tudo isso materializado.

Fernanda Estima é editora assistente de Teoria e Debate