Política

O Processo de Eleições Diretas ocorrido em novembro mobilizou mais de 520 mil petistas

O Processo de Eleições Diretas ocorrido em novembro mobilizou mais de 520 mil petistas nos diretórios do partido de todo o país, renovou direções e elegeu José Eduardo Dutra presidente nacional do PT

Qual sua avaliação do processo que o elegeu presidente do PT?

Fiquei muito satisfeito com o resultado, não apenas pela vitória, mas pela participação. Batemos todos os recordes de comparecimento às urnas. Confesso que gostaria que tivéssemos ultrapassado a barreira dos 400 mil votantes. E tivemos 521 mil votantes. Mas não foi só a presença física. Percorri quase todos os estados, fui a 24 estados além do Distrito Federal, estive em plenárias com centenas de militantes, com participação intensa, muito  entusiasmada. O mesmo se viu nos debates entre os candidatos. Em Fortaleza, num sábado à noite, por ser uma cidade litorânea, tínhamos a expectativa de que teria pouca gente e, no entanto, foram mais de 700 pessoas ao debate. Foi mais um marco na história do partido e desmistifica a tese de que fazer PED em ano véspera de eleição seria um desperdício de energia. Na verdade, foi um instrumento de agitação partidária, quase que o início da corrida do ano que vem.

Para um ano que promete grande embate, qual o significado da renovação das direções petistas?

O PT é o único partido que tem a ousadia de convocar seus filiados para renovar as direções. Inova em termos de democracia interna desde a fundação, quando já realizava encontros democráticos com a participação de todos os filiados, enquanto os outros partidos renovavam seus diretórios por meio de convenções oficiais. Inova desde o começo e, a partir de 2001, incorporou as eleições diretas. Teremos uma grande renovação nesta Executiva Nacional porque, pelo estatuto, grande parte dos dirigentes não pode continuar. Embora por um lado seja bom, porque areja a direção, ao mesmo tempo aumenta a responsabilidade de entender que vamos substituir quadros experientes, que já têm alguns mandatos dentro do partido, e exige que todas as correntes, na composição da direção e executiva, coloquem à disposição do partido seus melhores quadros para compor uma direção com capacidade para conduzir o processo do ano que vem.

Quais serão os desafios do PT nessa próxima gestão?

O primeiro é a eleição de 2010. É um objetivo estratégico do partido e todos os outros são decorrentes desse principal, que é eleger a companheira Dilma Rousseff presidente, para que possamos continuar com o projeto que está transformando o país. Sabemos que essa eleição tem um certo ineditismo, serão as primeiras eleições presidenciais nas quais Lula não faz parte da chapa, seu nome não estará na cédula, ele não é o candidato do PT. Para alguns, isso pode parecer um obstáculo intransponível, mas existe outro componente diferenciador desta em relação às eleições até 2002. Nas anteriores tínhamos na população a esperança de mudança, de dias melhores, como uma coisa inatingível. Vamos continuar batendo na tecla da esperança, da utopia,  até porque é um sentimento inerente à natureza humana, mas vamos apresentar o resultado de um governo de oito anos, mostrar que tivemos capacidade - contra todos os preconceitos daqueles que não acreditavam no PT e no Lula -  de fazer um governo que mudou a cara do Brasil, que promoveu a ascensão social de 30 milhões de pessoas, que possibilitou que 20 milhões de brasileiros saíssem da linha da pobreza, que recolocou o país no cenário internacional com soberania. Em termos de comparação é um governo que em qualquer área foi melhor do que o anterior. Esse é o nosso principal trunfo para as eleições. Além disso, como o partido não se esgota nas eleições, temos de ter a capacidade de garantir o maior protagonismo do governo e - vamos bater na madeira - se perdermos a eleição temos de reaglutinar o PT não só para fazer oposição, mas para impedir possíveis retrocessos nas políticas sociais desses dois mandatos.
O cenário de possíveis candidaturas já está consolidado?

Temos defendido a tese de apenas uma candidatura do campo governista. Mas entendemos que a melhor estratégia por parte do governo é exatamente conclamar a população a fazer uma comparação entre dois projetos que ela já conhece: o que foi posto em prática por FHC e pelo governo Lula. Se tivesse apenas um candidato da base do governo seria mais fácil. Hoje no cenário existe a candidatura da senadora Marina Silva, que a ao meu ver é irreversível, embora me recuse a colocar sua candidatura como de oposição, até porque ela participou de nosso governo por quase seis anos. Existe também o cenário com a candidatura do deputado federal Ciro Gomes. Respeito sua candidatura, acho que ele tem plenas condições de pleitear qualquer cargo. Ele tem uma avaliação diferente da nossa e defende que o mais correto seria lançar mais de um candidato da base do governo para estarmos unidos no segundo turno. Respeito a autonomia do PSB, mas não concordo. Se ele optar por realmente manter a candidatura, vamos estar juntos num possível segundo turno.

Como compatibilizar a aliança nacional e a realidade nos estados?

Realmente é muito difícil reproduzir nos estados alianças nacionais. O Brasil é um país continental, há divergências históricas mais cristalizadas, como é caso do PT e do PMDB em algumas regiões. Não tenho a ilusão de reproduzir a aliança nacional em todos os estados. Em alguns não há nenhuma possibilidade de estarem juntos porque historicamente são adversários. Pernambuco é um deles, onde o PMDB exerce uma oposição raivosa, liderada pelo senador Jarbas Vasconcelos. Em situação muito semelhante estão Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Além disso, há estados onde o processo está praticamente consolidado com o PMDB, como Sergipe e Espírito Santo. E há alguns casos emblemáticos, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde é importante chegar a um consenso ou pelo menos a uma forma de convivência no primeiro turno. No caso da Bahia é irreversível em relação ao lançamento de duas candidaturas, mas podemos chegar a um acordo no qual as duas apoiem a ministra Dilma.

É um processo que vai exigir muita conversa, não vai haver nenhuma imposição sem discussão nos estados, mas, ao mesmo tempo, temos a convicção de que a lógica e projetos regionais não podem se sobrepor ao nacional. Por isso que, ao contrário de anos anteriores, o Congresso Nacional do PT antecede os encontros estaduais. E nele será definida a política de alianças nacional, qual a prioridade do partido, e determinado que os encontros estaduais tenham discussões que convirjam para a posição tomada no Congresso. Portanto, se o Congresso deliberar que temos uma aliança nacional em torno de Dilma com o PMDB, por exemplo, os estados não poderão tomar decisões que a inviabilizem.

A oposição, boa parte da elite e a grande mídia não suportam a aprovação do governo petista e menos ainda que ele continue. O que mais pode vir por aí?

Estamos preparados, mas temos de nos preparar cada vez mais. Não tenho dúvida de que usarão todas as armas para tentar impedir a continuidade do nosso projeto. Temos visto alguns veículos de comunicação do país se comportarem claramente como partido de oposição, muitas vezes orientando a oposição com relação ao que deve ou não fazer. Temos certeza que vão transformar quaisquer pequenos erros do governo ou nosso em escândalos nacionais. Não terão nenhum escrúpulo para tentar nos atacar. Vimos recentemente o artigo do César Benjamin, no jornal Folha de S.Paulo, que foi uma das peças mais vis que se produziram na política brasileira. No entanto, a Folha praticou mau jornalismo ao publicar um artigo como aquele. Se um ano antes das eleições há um episódio como esse, temos de estar preparados porque eles estão desesperados, por várias razões: a candidatura da oposição ter mostrado que chegou ao teto e está caindo; a candidatura Dilma estar subindo de forma consistente a cada pesquisa; a crise econômica, que eles apostaram que destruiria o Brasil e o governo e represaria qualquer possibilidade de reeleição do nosso projeto, já foi superada exatamente em função da capacidade do governo de conduzir o país. Tudo isso está levando a oposição a um profundo desespero. Temos de ter tranquilidade e não entrar no jogo deles. Teremos capacidade de resposta na política ou, onde for preciso, exigiremos ação judicial, porque em última instância quem vai decidir o destino do Brasil é o povo brasileiro.
Como vê o atual desenvolvimento brasileiro e como vislumbra, para os próximos anos, o lugar do Brasil no mundo?

Foi preciso acontecer a maior crise internacional do capitalismo, desde 1929, para desmontar uma falácia de alguns oposicionistas: que nossa política econômica era uma simples continuidade da política anterior. A crise mostrou que isso não era verdade. É fato que na política fiscal e monetária há muita semelhança, até porque não tem muita margem de manobra em relação a esses dois pontos. Mas política econômica é diferente de política fiscal e monetária. Basta ver o que aconteceu na prática: a oposição dizia que Lula era um homem de sorte porque não havia enfrentado nenhuma crise no seu governo e essa era a explicação para o Brasil estar crescendo mais do que nos governos anteriores. E mostrava como exemplo que FHC enfrentou a crise da Rússia, que envolveu algumas dezenas de bilhões de dólares. Ora, a crise da Rússia foi uma crise na periferia. A que enfrentamos foi uma crise no centro do capitalismo mundial, que envolveu trilhões de dólares, destruiu alguns ícones do capitalismo mundial, e mostramos que os fundamentos da economia brasileira estavam profundamente consolidados. Na crise da Rússia o país quebrou, teve de recorrer ao FMI para fechar suas contas. Em 2008 o Brasil sofreu, assim como todos os países, os efeitos da crise, mas muito menos do que os profetas do apocalipse previam e conseguiu superá-los com maior rapidez. Isso mostra a diferença entre o país que temos agora e o que tínhamos em 2002.

Tenho convicção de que da mesma forma que o governo Lula foi avançado do ponto de vista social, econômico, da estrutura do país, uma vez que no primeiro governo teve de passar um bom tempo arrumando a casa, no terceiro mandato, o governo Dilma, será o momento de aprofundar ainda mais a política implantada atualmente, colocar o Brasil mais ainda como um país soberano, respeitado no cenário internacional, que tem política industrial consequente, mantém seus instrumentos estatais necessários e eficazes para poder enfrentar as crises. Está aí o exemplo recente da Petrobras, que mesmo num momento de crise, ao contrário de empresas privadas que começaram a cortar investimento e demitir, não só não demitiu como contratou mais e ampliou os investimentos. São instrumentos como esse que o projeto neoliberal tentou atacar e privatizar, e nós não só o mantivemos como demonstramos sua importância.

Nosso governo acabou com outra verdade absoluta que existia na economia brasileira: que seria impossível conciliar crescimento econômico com distribuição de renda. Lembremos da famosa frase do tempo da ditadura, "fazer o bolo crescer para depois distribuir". Estamos mostrando que é possível conciliar as duas coisas. A própria distribuição de renda funciona como indutora do crescimento econômico. O PIB do segundo trimestre mostrou isso, quando cresceu em relação ao primeiro trimestre. E a principal base do crescimento foi justamente o consumo das famílias. Ou seja, milhões de brasileiros que antes não tinham acesso a uma série de bens e passaram a ter induzem a economia a produzir mais e cria um círculo virtuoso a partir da distribuição de renda.

Que rumo deverá ter o terceiro mandato do projeto iniciado com Lula?

O rumo será de continuidade desse projeto, aprofundando as políticas. Pegamos o Brasil com risco país de 2 mil pontos, desacreditado perante a comunidade financeira internacional, com uma inflação bianualizada que ultrapassava 30% ao ano, o dólar atingindo a casa dos R$ 4. Retomamos nossa credibilidade, refizemos os fundamentos da economia, e isso possibilitou que a partir do terceiro ano do primeiro mandato e no segundo mandato desenvolvêssemos programas como o PAC, que é estruturante e garantirá uma base da infraestrutura brasileira para poder alçar o crescimento. O PAC é também um exemplo de que é possível conciliar ação econômica e ação social. Investem-se bilhões de reais em saneamento básico, por exemplo, gerando emprego e dando melhores condições de vida para a população, porque quando se investe em saneamento se economiza no tratamento de doenças. São exemplos que o governo vem dando e que serão aprofundados no próximo mandato exatamente porque o Brasil hoje está preparado para dar um salto de qualidade em seu desenvolvimento e em relação às políticas públicas que a população espera há tantos anos.

É emocionante a possível eleição de uma mulher à Presidência?

O PT rompeu alguns paradigmas da política brasileira. Há alguns anos ninguém imaginava que o país teria um presidente nordestino, que saiu de Garanhuns num pau de arara, foi para São Paulo, arrumou emprego numa fábrica e se transformou em sindicalista, depois fundou um partido, se transformou na maior liderança da classe operária do Brasil, depois na maior liderança popular e hoje já tem seu nome garantido na História como talvez o maior presidente que este país já teve. Quer dizer, dado o grau de preconceito que acompanha a política brasileira, até alguns anos atrás ninguém imaginava que alguém com essa biografia pudesse chegar aonde Lula chegou. E agora temos a oportunidade de outro feito inédito, que também está relacionado à carga de preconceito do Brasil. As mulheres cada vez mais estão ocupando seu espaço na política, e temos de registrar que fomos o primeiro partido a introduzir a exigência de 30% de mulheres nas direções, que inclusive virou lei para que todos os partidos cumpram um mínimo de 30% de candidatas. E foi decorrência da ação do PT, particularmente das mulheres petistas, que sempre colocaram esse tema como importante. Então, se uma mulher for dirigir o Brasil, será um orgulho para todos, homens e mulheres, principalmente para nós, petistas, que vamos garantir esse sonho ao povo brasileiro.

Fernanda Estima é editora assistente de Teoria e Debate