Mundo do Trabalho

Mudanças no país, no mercado de trabalho e na ação de algumas centrais favoreceram a construção de um novo estágio de negociação e de defesa dos direitos, unindo trabalhadores e governo na proposição de políticas públicas, como é o caso da valorização do salário mínimo e de melhorias para as aposentadorias

O recente esforço de parte das centrais sindicais e do governo federal para encaminhar uma proposta alternativa de comum acordo para mudanças nas aposentadorias é um exemplo do espaço que o movimento sindical vem ocupando nos últimos anos no Brasil. Sua mobilização crescente, a partir do período 2003-2006, intensificou-se no segundo mandato do presidente Lula, mostrando uma capacidade de fechar acordos nacionais nunca praticada com tanta frequência.

A proposta procura garantir aumentos reais imediatos e de longo prazo, com a elaboração de um cronograma, a todas as aposentadorias, além de preservar a política de valorização do salário mínimo ­ também fruto de acordo entre governo e centrais ­, sob risco de acabar, caso os aumentos deste sejam estendidos linearmente àquelas. O acordo estabelece ainda a criação de novas regras previdenciárias, que garantam a mais trabalhadores a cobertura do sistema, a expansão do número de aposentarias por tempo de contribuição e a diminuição do tempo de trabalho necessário para alcançá-las, ao mesmo tempo em que aumenta a base de contribuintes.

Outro aspecto desse esforço, no qual se envolveram com firmeza CUT, Força Sindical e CGTB, foi tentar superar o impasse criado no Legislativo.

Embora mesmo a oposição reconhecesse que o conjunto dos projetos fosse de difícil aplicação ­ um deles, por exemplo, previa que todos passariam a receber de pronto o mesmo número de salários mínimos de quando se aposentaram, e de forma retroativa ­, era grande a chance de serem aprovados, ficando para Lula o ônus político do veto e, para os aposentados, a inexistência de avanços. "Nessa questão, o mais importante para nós era não perder o momento de garantir melhoras para o conjunto das aposentadorias, tanto as atuais como as futuras", explica o presidente da CUT, Artur Henrique.

Até o fechamento desta edição não fora desenhada uma solução para o impasse. Mas as centrais exerceram de fato o papel de interlocutores na grande cena política, alternando mobilização de rua e papel propositivo, ampliando as decisões sobre o mundo do trabalho para além do binômio governo-Congresso.

Ações conjuntas

Já havia sido assim quando da elaboração da política de valorização do salário mínimo, gerada a partir de acordo com o movimento sindical, que promoveu, desde 2004, aumento real de 45% para o piso nacional. O tema saía naquela ocasião do tradicional jogo político em que congressistas propunham aumentos sem análise ponderada do Orçamento e os governos repunham tão somente a inflação, represando como um todo o piso das categorias, de alguma forma ancorado no salário mínimo, e jogando mais de 70% das aposentadorias no limbo. Também se dava início a uma série de ações conjuntas das centrais, que se repetiria em embates como o travado contra a Emenda 3, a qual equivaleria a um desmonte dos direitos, transformando legiões de trabalhadores em pessoas jurídicas.

A emoldurar essa nova relação do movimento com o Executivo e o Legislativo está a inserção do trabalho como elemento importante na agenda brasileira. A nova ênfase se dá pela orientação política do atual governo e é impulsionada pelo cenário do continente, que experimenta ciclo de governos progressistas. Momento diferente do que vive o sindicalismo europeu. Naquele continente, por conta dos efeitos da crise, as políticas de bem-estar social são duramente questionadas, enquanto os sindicatos lutam para impedir retrocessos.

Já por aqui, como definiu o cientista político Emir Sader em debate na CUT em 2006, a obsessão do movimento sindical deveria ser a promoção do conceito de trabalho decente, em que a garantia de todos os direitos e a ampliação deles fossem prioridade.

"Passamos os anos anteriores, especialmente a década de 90, na trincheira. Nosso objetivo era evitar da melhor maneira possível a perda de direitos", lembra Artur Henrique. Daquela época saltam à memória a Marcha dos 100 mil e a luta contra a alteração do artigo 618 da Constituição, com a qual o governo FHC pretendia flexibilizar as relações trabalhistas mais do que já havia conseguido.

A oposição e setores da imprensa costumam recorrer àquele período para alfinetar o movimento sindical, mais precisamente a CUT, alegando que a Central esqueceu pelo caminho o ímpeto mobilizador. "Somos a Central cujos sindicatos mais fazem greve no Brasil, inclusive no setor público federal e em empresas estatais. Levamos milhares a Brasília e em mobilizações por todos os estados, mas grande parte da imprensa esconde", contesta o presidente da CUT.

Assim como escondem a participação dos sindicatos na elaboração de políticas que estão dando certo. Quase nunca se dá crédito ao fato de a valorização do mínimo ter origem na luta das centrais, inclusive contra setores do governo, notadamente a equipe econômica. É o mesmo caso da correção da tabela do imposto de renda, encaminhada após a pressão que o movimento sindical faz, numa acirrada disputa pelo destino das verbas. Elementos de extrema importância na superação da crise.

Para Artur, bloquear essa tentativa de mistificação cabe à CUT, ao movimento social e ao próprio PT. "Temos de dizer em alto e bom som qual o nosso papel na pressão sobre o governo para construir os acertos, senão corremos o risco de que esse período passe para a história da mesma forma como o senso comum trata o período Getúlio Vargas. Lula não é pai dos pobres. Ele comanda um governo em permanente disputa, e muitos dos seus acertos são devidos à nossa ação, ou amparados por ela."

Se é fato que os trabalhadores foram os grandes responsáveis pela superação da crise, como afirmou o presidente Lula, insira-se aí o posicionamento da CUT em janeiro de 2009, quando Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e outras centrais sindicais, a Força à frente, quiseram negociar um amplo acordo de redução de salários e suspensão de contratos, sob a ameaça de 3 milhões de novos desempregados. Chantagem, oportunismo e descompromisso foram alguns dos adjetivos usados pela CUT, que em seguida emplacou mobilizações que serviram de declaração de guerra ao trator que os empresários preparavam contra os empregos e salários.

Resistência

Além de marcar novamente as diferenças de concepção entre as centrais, a decisão cutista de resistir às demissões e à redução de direitos ajudou a aplacar o catastrofismo que já vinha sendo alardeado desde o último trimestre de 2008 e contribuiu para a busca de soluções mais inteligentes. O que se observou depois, assim que o Dieese divulgou o balanço das campanhas salariais do primeiro semestre de 2009, confirma que a resistência dos trabalhadores organizados teve seu valor: 77% das campanhas salariais no período obtiveram aumento real (acima da inflação), enquanto no primeiro semestre de 2008, quando nem se pensava em crise, esse percentual foi de 72%.

Após os primeiros impactos da crise no Brasil, o movimento sindical pôde reiterar propostas de enfrentamento que preservassem os trabalhadores. Uma delas é atrelar os investimentos públicos ou o socorro financeiro do Estado a contrapartidas sociais, notadamente a manutenção do nível de empregos e salários nos setores que recebem auxílio. Foi atendido parcialmente, mas a experiência comprovou a validade da ideia. Nas montadoras de veículos, submetidas à exigência, houve até mesmo crescimento no número de vagas. Se tivesse sido aplicada a todos os setores, a queda no nível de emprego ­ que já vinha se recuperando nos últimos meses de 2009 ­ teria sido menor.

Na avaliação da CUT, essa é uma amostra de como o crescimento dos espaços de representação na definição de políticas pode dar resultado. Porém, ainda falta muito, e a CUT continua cobrando a democratização do Conselho Monetário Nacional, para que representantes do setor produtivo participem das decisões.

A tão cobrada ratificação das convenções 151 e 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a posterior regulamentação de ambas, pode ajudar a consolidar a prática da negociação coletiva permanente tanto no setor público quanto na iniciativa privada. A 151, que cria a negociação entre governos e servidores, já passou pela Câmara e aguarda aprovação no Congresso. A 158, que inibe as demissões sem justa causa, submetendo o processo ao diálogo com os sindicatos, está parada na Câmara.

Radicalizar a democracia

Entre as reivindicações que o movimento tem priorizado, o Legislativo ainda deve a aprovação da emenda que reduz a jornada semanal de trabalho para 40 horas e aplica 75% de remuneração adicional às horas extras.

A ação sindical pode ampliar seus resultados, segundo Artur Henrique, que relembra a necessidade de acabar com o imposto sindical e substituí-lo pela taxa negocial ­ que será aprovada em assembleia e esvaziará o sindicalismo de carimbo ­ e de aproximar mais a ação sindical de quem é ou deveria ser representado. "Precisamos radicalizar a democracia em todos os níveis. Garantir que os trabalhadores e a sociedade em geral participem da gestão do Estado e da definição de políticas. E o momento do voto não basta. Tudo isso passa também pela organização por local de trabalho em todas as categorias e ramos de atividade", diz ele. A organização por local de trabalho dá suporte de base, indispensável, para a participação dos sindicatos nos espaços de representação e negociação.

Para além da estrutura sindical, pairam ainda sérios problemas no mercado de trabalho brasileiro. A alta taxa de trabalhadores sem registro em carteira ­ 49,4% em 2008 ­, a enorme rotatividade entre aqueles que estão no mercado formal e a necessidade de aumentar a participação da renda do trabalho no PIB são exemplos.

Isaías Dalle é jornalista