Internacional

Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, avalia a política externa no governo Lula

Segundo o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, a política externa do governo Lula é bem-sucedida porque associou aos princípios constitucionais a noção de audácia e ousadia

Foto: Paulino Menezes

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Algumas organizações pedem o fim da ocupação militar no Haiti, além de Iraque e Afeganistão. Qual a situação do país e qual a importância da participação brasileira?

Havia uma situação de colapso do Estado, as pessoas estavam literalmente se matando. Os derrotados com nossa presença no Haiti foram os paramilitares. Nessa situação de colapso foi constituída pelas Nações Unidas, pelo Conselho de Segurança, uma força que faltou, por exemplo, no caso do ataque ao Iraque, que foi uma decisão unilateral dos Estados Unidos. É uma situação completamente diferente do ponto de vista jurídico. Além disso, para quem está no Haiti ou foi lá ­ fui oito vezes em menos de seis anos ­, a diferença é notável. Ainda há imensos problemas, mas nossa presença, além de colaborar para uma certa paz, pois havia bandos armados misturados com tráfico de drogas, criminalidade, contribuiu para uma eleição democrática com participação relativamente grande ­ a tradição era de participação pequena ­, que permitiu às pessoas ter carteira de identidade. O censo da população foi possível com a eleição. A situação nas prisões, em todos os sentidos, melhorou muito. A eleição de René Préval foi com mais de 50% dos votos válidos. O segundo colocado teve 11%.

É um país muito pobre, miserável, e qualquer problema será sempre uma fagulha, como foi há cerca de um ano a crise alimentar. Os processos eleitorais são complexos, mas acabou de ocorrer a eleição para o Senado. A Constituição está em processo de reforma, não dará mais um mandato a Préval, mas permitirá algumas correções e terá de ser votada por duas legislaturas. O Haiti tem uma Constituição que parece de um cantão da Suíça, lidando com uma situação social muito dramática. Quando for eleito o sucessor de Préval, num processo democrático, estará na hora de diminuirmos a presença militar no país, que hoje já nem é tão militar. Uma parte importante do nosso contingente, dentro do que a ONU permite, faz trabalhos de engenharia, que fazem parte da operação de paz e deixam resultados concretos. Havia várias favelas onde ninguém entrava, mas Cité Soleil era o pior dos lugares. Uma delegação de parlamentares brasileiros esteve lá e teve de entrar na favela com urutu. Deputados que eram críticos, como Cristovam Buarque, Fernando Gabeira, voltaram com outra opinião. Há mudanças nas questões de segurança.

A presença do Brasil foi absolutamente instrumental, o que nunca tinha ocorrido. O próprio Aristide chegou ao Haiti pela primeira vez por meio de uma operação multinacional, que a ONU referendou depois. Desta vez a ênfase tem sido em programas humanitários, estabilidade política e desenvolvimento. Claro, sem paz e segurança não se pode fazer nada.

O Brasil tem um programa com Índia e África do Sul de coleta de lixo sólido, que emprega muitas pessoas e recebeu prêmio do Pnud como exemplo de cooperação Sul-Sul. Replicamos esse programa no Haiti e o faremos em outros lugares. O Haiti se tornou uma espécie de modelo para operações de paz da ONU pelo lado da reconstrução. Tratando-se de desenvolvimento, é mais complexo, porque é preciso atrair atividade econômica sustentável, empresários... Não depende só de generosidade do Brasil ou da comunidade internacional. Há uma empresa brasileira construindo uma estrada financiada pelo BID com dinheiro canadense. O Brasil está terminando o projeto de uma hidrelétrica, que tem custo alto, próximo de R$ 8 milhões, e precisa de financiamento. A presença brasileira passou a atrair atores que antes estavam relutantes, não só por questões políticas.

Outra de nossas preocupações foi trabalhar com o contexto regional, a Comunidade do Caribe (Caricom), países que têm muita semelhança étnica e cultural com o Haiti. É interessante, por exemplo, que mesmo no início, quando havia uma certa polêmica, os médicos cubanos nunca foram retirados e ajudaram muito. Na primeira reunião ibero-americana a que fomos depois disso, na Costa Rica, Cuba e todos os países progressistas do Grupo do Rio nos apoiaram. É uma operação muito importante que ainda requer presença de segurança, pois leva tempo para formar uma força de segurança do país. Acho que já tem 6 mil ou 8 mil policiais formados. Mas as dificuldades são muitas. A última turma se formou, mas teve de fazer exercício de tiro sem munição.

Se não tivesse sido o Brasil seriam os americanos, e aí o estilo seria outro...

Totalmente outro estilo. Estavam em uma operação lá, antes de a ONU autorizar. E em outras ocasiões também.

A mídia brasileira critica muito Honduras de um modo geral. Chamam de governo interino, e não de golpista. E tentam passar a ideia de que foi uma trapalhada do Brasil. Você acha que pode ter sido um balão de ensaio?

Para afirmar que é um balão de ensaio, estaria entrando numa teoria conspiratória para a qual não tenho elementos. Mas, que seria um mau exemplo e que poderia ser seguido, certamente é o caso. O Brasil agiu muito corretamente ao dar abrigo ao Zelaya, não houve absolutamente nenhuma trapalhada. Todas as medidas foram tomadas de maneira refletida, na medida do possível e dentro da urgência dos fatos. Depois de conceder abrigo, imediatamente falamos com a ONU, com a secretária de Estados dos Estados Unidos, porque é um país influente na região, pedimos e conseguimos a convocação do Conselho de Segurança, que nos deu guarida. Essa presença permitiu diálogos e uma perspectiva de solução. Senão estaria tudo estagnado.

O Brasil não teve nenhuma parte na volta de Zelaya. Ele apareceu e tínhamos como opção deixá-lo entrar, ou ser preso, ou se refugiar em uma Sierra Maestra... Nossa atitude preservou a democracia, protegeu um presidente eleito e serviu para cortar qualquer ideia de um novo modelo golpista.    

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Como Mercosul e Unasul se enquadram na política do Brasil em relação à América Latina?

A integração é da América Latina e do Caribe, do ponto de vista político, é assim que deve ser tratada, é um mandato constitucional. E o Mercosul é uma realidade histórica que já tem mais de vinte anos. Quando o presidente Lula assumiu, a intenção era fortalecer a integração sobretudo da América do Sul porque achávamos que era mais factível, a proximidade geográfica geraria possibilidades em infraestrutura, no trânsito de pessoas, facilidades para investimentos e comércio. Nossa preocupação foi consolidar o Mercosul, que não é tarefa fácil porque estamos diante de países importantes, mas com tamanho e economias diferentes. Então, as tensões são muitas. Tratamos de diminuir as razões de queixas que havia com relação ao Mercosul, decisões do Brasil como a desvalorização sem avisar, por exemplo, causando grandes problemas para aqueles que se tornaram muito dependentes do país. Melhoramos a situação do Mercosul e ao mesmo tempo lançamos essa integração de toda a América do Sul. Isso nos primeiros três anos do governo. Trabalhamos primeiro com a ideia de firmar um acordo Mercosul e Comunidade Andina, o que criava um espaço comercial único em  praticamente toda a América do Sul. Guiana e Suriname são casos à parte, são mais frágeis. A partir daí, criaramse as bases para o que inicialmente se chamou Casa e, depois, União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

Embora nos primórdios os objetivos do Mercosul sempre tenham sido políticos, na época do Sarney e Alfonsín era um instrumento econômico-comercial. Até porque foi firmado num período em que havia uma liberalização comercial para o mundo. Criou-se uma união aduaneira, mas não havia mecanismos com os outros países, pois muitos deles estavam negociando acordos de livre comércio com os Estados Unidos ou estavam interessados na Alca.

Fizemos um acordo de livre-comércio, de ampla liberdade, envolvendo todos os países do Mercosul e da Comunidade Andina, a Unasul. Além desses aspectos econômicos, há os conselhos para energia, para questões sociais, e também o conselho de defesa, de combate ao narcotráfico, que são questões mais políticas. Estamos trabalhando em dois trilhos simultaneamente. No Mercosul, por exemplo, preservamos e aprofundamos o Fundo de Convergência Estrutural, que ajuda economias mais frágeis e também quando há deslocamentos em função da própria integração. A Unasul ainda não tem nada equivalente porque o grau de integração econômica é menor. As atitudes do Brasil com relação a Paraguai, Bolívia, Uruguai foram todas no sentido de fortalecer a integração. Temos uma América do Sul onde subsistem problemas, diferenças, e isso é uma riqueza. Temos de aceitar o pluralismo ideológico, doutrinário.

A imprensa potencializa as diferenças Chávez, Morales, Correa, as dificuldades entre Brasil e Paraguai, entre Brasil e Bolívia. Trata o "Brasil à direita e os outros à esquerda". Como você analisa o barulho que é feito em torno dessas diferenças?

A América do Sul sempre foi um continente marcado pela desigualdade, pelo controle de uma elite que não representava a maioria da população, em grande parte dos países. Em alguns deles, como Bolívia, Equador, Venezuela, essas características eram mais marcantes. Agora está em um momento de profundas transformações. Obviamente que todo período de grande mudança gera também instabilidade, e temos de lidar com isso. O Brasil tem economia e sociedade diferentes. Não que não tenha problemas. A questão racial no Brasil, por exemplo, está longe de ser totalmente resolvida. O presidente Lula tem feito um trabalho importante, a própria política externa, em relação à África e ao Haiti, repercute para dentro, na questão racial. Mas não tem o drama, por exemplo, dos índios na Bolívia: nenhuma chance de acesso ao poder e grande maioria da população excluída. Isso gera reivindicações acumuladas historicamente que precisam ser tratadas. Mas, se não se compreender que é um período de profundas transformações e resolver reagir de maneira abrupta em relação a elas, só se estará aprofundando...

Falemos então sobre as bases norte-americanas na Colômbia...

Nós compreendemos e respeitamos o desejo da Colômbia de ter o auxílio norte-americano para combater o narcotráfico e os movimentos insurgentes, Farc, guerrilhas, terroristas, como queiram. O governo Uribe, independentemente da orientação ideológica, é um governo eleito, tem legitimidade, grande popularidade, e isso é inegável. Agora, a presença de forças americanas, com aviões de longo alcance, capacidade de operação logística, gera preocupação em vários países. Sobretudo naqueles que já tiveram algum problema com o país, Equador e Venezuela. É um fato real que temos de resolver no âmbito da Unasul. Já tivemos uma reunião presidencial, que convocou uma reunião de ministros das Relações Exteriores e da Defesa. E temos de discutir, quem sabe, um pacto de não agressão, acompanhado de garantias de todos os países da região, que abarque obviamente as forças estrangeiras. Talvez seja esse o caminho e, quem sabe daqui a dez anos, tempo de duração inicial do acordo, a Colômbia não precise mais desses recursos.

Mas de qualquer maneira desencadeia uma corrida armamentista...

Qualquer país que esteja armado e que receba armas de outro justifica um outro tê-las. Mas é preciso certo cuidado. O Brasil não tem nenhuma preocupação com nenhum de seus vizinhos. Felizmente, as disputas que existiam foram encerradas, as rivalidades foram substituídas pela cooperação. Como diz o presidente, rivalidade ficou só para o futebol. Mas o Brasil é um grande país e é um país grande, com a maior costa atlântica no mundo, 16 mil quilômetros de fronteiras, tem de cuidar do pré-sal, da Amazônia. Nosso problema é diferente. Então, temos de ter uma defesa razoável.

No começo do governo, criticavam muito as viagens de Lula à África, tratavam como perda de tempo, diziam que não havia nada lá para extrair em termos de comércio.

Nosso comércio com o continente multiplicou por cinco em seis anos. E não fomos lá para isso. O Brasil não só importa bastante da Nigéria, Angola e Argélia, mas exporta muito para a África, onde estão estabelecidas muitas empresas brasileiras. Então, mesmo que queiram olhar pelo lado mercantilista, que não é o nosso, nossa presença no continente se justifica. E os africanos apreciam porque o Brasil não tem abordagem predatória. Ouvi depoimentos de países onde nem temos embaixada, Debut, África árabe, acham ótimo ter empresas brasileiras, pois empregam pessoas locais e, com isso, disseminam conhecimento. No Mali estabelecemos uma fazenda-modelo de algodão. Nas negociações na OMC, vimos que havia, entre outros, quatro países africanos muito pobres que se autodenominavam cotton four (os quatro países do algodão), que incluía Mali, Burkina Faso, Benin e Jade. Então, como não podia ser em todos, a Embrapa escolheu Mali para fazer uma fazenda-modelo. O algodão é um dos produtos que mais sofrem com os subsídios dos países ricos. Então estamos ajudando o Mali e os outros países a desenvolver novas variedades. A fazenda-modelo é aberta para aprendizado e experiências para os quatro países. Não é uma pequena ação. É uma ação generosa porque não visamos a nenhum lucro a curto prazo. Mas não sei se a longo prazo não gerará negócios. Quando precisarem de máquinas, técnicos, é natural que venham buscar no Brasil. Outro exemplo: em Guiné Bissau vamos inaugurar um centro do Senai. Essas ações têm custo, mas o Brasil estava acostumado a se ver como um país pobrezinho, que dependia dos outros. O país pode ajudar outros e é em benefício próprio a longo prazo.

De alguma forma, há uma dívida histórica nossa com a escravidão, com a violência e o genocídio na África.

Sem dúvida. Uma das poucas vezes que vi jornalistas chorar num evento público foi quando o presidente visitou a Ilha de Gorée, no Senegal, lugar de onde vinha a maioria dos escravos para o Brasil. Lula pediu perdão, foi um gesto misto de muito obrigado e perdão.

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O Brasil dá grande importância à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e há uma certa perplexidade com isso.

A língua aproxima, naturalmente. Foi no governo Itamar Franco, do qual fui ministro, que se lançou a CPLP, assinada no governo Fernando Henrique. Entusiasmei-me porque, entre outras coisas, era uma maneira de relançar nossa política para a África, que estava abandonada. Curiosamente os militares desenvolveram uma política africana, na época do Geisel. Com o neoliberalismo, a África foi ignorada, porque não representava lucro imediato. Os povos se unem às vezes pela economia, pela sociedade, língua, cultura. O Brasil nunca foi império e Portugal é muito pequeno para ter influência imperial. Então, é um espaço para coordenação política, e o fato de ter uma língua em comum facilita imensamente uma cooperação.

O primeiro golpe de Estado que tivemos de enfrentar no governo Lula passou meio despercebido porque o país é pequeno, foi em Santo Tomé e Príncipe. E nós, coincidentemente, estávamos tendo uma reunião da CPLP em Coimbra. Decidimos mandar uma missão e conseguimos restabelecer o governo, as eleições. E hoje, do ponto de vista político, o país está bem, com eleições regularmente etc.

O presidente Lula visitou todos os países de língua portuguesa, alguns mais de uma vez. Os países não são idênticos. Angola precisa de cooperação, mas pode pagar por algumas coisas. Moçambique precisa de cooperação, mas também é um bom lugar para investimentos. Em Guiné Bissau não há como pensar em ganhar dinheiro, tem de ajudar mesmo.

O presidente Lula deposita esperança na Universidade da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab) no município de Redenção, no Ceará.

É muito importante porque vai gerar integração, mas estará voltada para áreas que interessam mais: agronomia, saúde. Estamos fazendo a fábrica de antirretrovirais em Moçambique. Muito importante, só que demora, porque passar no Congresso é um suor. Às vezes não tem ninguém contra, mas alguém implica com uma cláusula de aspecto financeiro.

O que significa a participação do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?

O Brasil, junto com o Japão, é o país que mais esteve no Conselho de Segurança como membro não permanente. É a décima vez. Mas o país deseja uma reforma do Conselho, que para ter o mínimo de legitimidade precisa ter uma representação do mundo de hoje, que incluiu, entre outros, países em desenvolvimento, Índia, Brasil, algum africano.

Não é uma questão fácil, diz respeito até ao orgulho nacional de certos países. O número de líderes mundiais que apoiam a reforma do Conselho é cada vez maior. Acho que ocorrerá em breve.

Sem legitimidade não se tem efetividade. Por exemplo, as sanções contra a Líbia já não estavam sendo seguidas pelos países africanos. Claro, estavam erradas mesmo. Isso mostra que, se o Conselho não é representativo, deixa de ser efetivo, porque os países não se sentem obrigados a cumprir suas decisões.

A crise trouxe alguns elementos novos: crise do modelo de liberalização total, do Consenso de Washington, e a possibilidade de mudança, a chamada nova arquitetura financeira mundial e outras medidas. Quem vai fazer isso?

Ajudamos a construir a nova geografia econômica e política do mundo, como gosta de dizer o presidente Lula. Na realidade, na área econômica e financeira a ordem mundial já está mudando. Alguns dos organismos tinham menor grau de formalidade, como é o caso do G-8, que passou a ser G-20. Diferentemente do Conselho de Segurança da ONU, que é muito formal, estabelecido pela Carta da ONU etc.

Com relação à ordem econômica, acho que a substituição do G-8 pelo G-20 foi importante, traz novas óticas e percepções. O Fundo está sendo reformado, alguns empréstimos são concedidos sem condicionalidades, do tipo das que havia no passado. Alguns países, já estão se beneficiando com isso. E a ênfase, na questão do financiamento do comércio entre países em desenvolvimento. São batalhas que não se vencem da noite para o dia. Ganhar a batalha teórica é o primeiro passo para avançar nos outros.

Antes de Lula tomar posse, na época das críticas à Alca, Robert Zoellick era o representante comercial dos EUA e declarou que o Brasil deveria então negociar com a Antártida, com os pinguins. Anos depois, como presidente do Banco Mundial, Zoellick negocia muito conosco e recentemente, em uma reunião em Istambul, disse que os países têm de confiar mais no mercado interno e recorrer mais ao comércio Sul-Sul. Exatamente o oposto do que a Alca propunha.

Você acredita que podemos mudar o padrão monetário? Direito especial de saque substituir o dólar?

Seria temerário dizer que isso acontecerá logo, porque a resistência é muito grande. O papel dos direitos especiais de saque está aumentando nos empréstimos. O próprio Brasil, ao comprar, está comprando por meio do direito especial de saque, e não de dólar. Com a Argentina inauguramos o comércio em moeda local, ainda muito tímido, que beneficia sobretudo a pequena e média empresa.

Qual sua avaliação de sete anos do governo Lula e qual o rumo a seguir? O que diferencia a política externa deste governo e a adotada nos oito anos anteriores?

Primeiro é indiscutível que hoje o Brasil tem uma presença no mundo que nem se compara com a que tinha. Claro que isso se deve muito à figura emblemática do presidente Lula, e ao que ele fez no Brasil. Deve-se também à consolidação da democracia, às políticas sociais e também à política externa. Estamos hoje numa situação totalmente diferente. O Brasil é muito requisitado. Por exemplo, o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido me propõe fazermos juntos uma videoconferência sobre a mudança do clima, a partir do Brasil. Essa é uma mudança.

Bric, Fórum Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), que nós criamos. O G-20 da OMC alterou totalmente o padrão de negociações da organização. Modéstia à parte, o Brasil trabalhou muito bem isso. Até na parte da negociação comercial, que é mais pragmática, nos saímos bem. O Brasil, ao mesmo tempo em que apoiava outros países em desenvolvimento, com o G-20 comercial diferente do financeiro, quando precisou se aliou aos Estados Unidos para forçar a União Europeia a baixar seus subsídios. Quando precisou se aliar à União Europeia para cobrar dos Estados Unidos certas atitudes também o fez. Isso tudo deu ao país uma projeção que não tinha.

Os princípios do relacionamento internacional do Brasil são os mesmos e estão na Constituição: autodeterminação dos povos, não intervenção, integração latino-americana, respeito à soberania dos Estados, isso não muda. Agora, a política externa é uma política, como é a econômica, a social. Então, cada governo traz a sua. O governo Lula introduziu na política externa, além de um sentido muito forte de solidariedade com outros países, a noção de audácia e de ousadia. Não tivemos medo de tomar as decisões. O que deixava parte de nossa mídia desesperada era nossa capacidade de tomar atitudes sem pedir licença. Quando Lula foi à Líbia, todo mundo criticou. Não criticaram Tony Blair, ou mesmo Aznar, que foram depois. Hoje em dia todo mundo vai à Líbia. Ele apenas foi um pouco antes.

O presidente ousou internamente na política social, e diziam que não era possível, que geraria inflação. Hoje se vê que essa é uma das principais causas de o Brasil não ter afundado na recessão com os países ricos. Podemos até ter cometido erros no processo, mas não tivemos medo e os resultados estão aí, o Brasil é respeitadíssimo.

Você se filiou ao PT e surgiram algumas críticas por ser chanceler...

De 1945 para cá, para não ir para o resto da História, a maioria dos chanceleres era filiada. Meu antecessor imediato, Celso Lafer, fez a campanha de Fernando Henrique e dele próprio, tudo muito legítimo. Não ser filiado é a exceção. Mesmo que fosse da carreira, não haveria impedimento. Mas há três anos já tinha me aposentado voluntariamente, coisa raríssima no Itamaraty.

Emiliano José é deputado federal (PT-BA)

Nilmário Miranda é presidente da Fundação Perseu Abramo

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