Política

Os 30 anos do Partido dos Trabalhadores na opinião do sociólogo Emir Sader

Que cara terá o PT em trinta anos mais?

A vida de um partido, seu presente e seu futuro dependem do entorno em que ele se desenvolve. Não existe a história de um partido que não seja, ao mesmo tempo, a história política do marco em que ele nasceu, vive e se desenvolve e ao qual tem seu destino intrinsecamente vinculado.

A fisionomia do PT, hoje, amanhã e daqui a três décadas, depende do que o Brasil é hoje, do que será amanhã e do que venha a ser daqui a trinta anos ­ que, por sua vez, depende em parte do que o PT consiga, com sua ação, fazer para a transformação do Brasil como país.

Depende, indissociavelmente, da cara que tenha o Brasil daqui a três décadas. Um futuro que se define, em grande medida, neste ano. O Brasil e o PT serão um, caso o governo Lula se desdobre em sua continuidade, com o governo Dilma. Serão outros, muito distintos, caso o governo Lula fique sendo um parêntese na longa sequência de governos de direita no país.

As eleições de 2010 são cruciais porque uma vitória da esquerda permitirá consolidar os avanços e superar obstáculos pendentes para a construção de um modelo pós-neoliberal. Ao mesmo tempo em que a derrota da direita levará ao fim de toda uma geração de políticos, abrirá espaço para um grande avanço na construção de uma sociedade econômica, social, política e culturalmente democrática.

Para contribuir com isso, o PT deveria, entre tantas atividades, privilegiar duas delas: a cultural e a social. Na primeira, qualificar-se para entender as transformações ocorridas na sociedade brasileira ­ tanto as regressivas quanto as progressistas ­ nas últimas décadas e nas próximas, para desenhar o projeto do tipo de sociedade que queremos e precisamos para o século 21. Se lograr fazer isso, vai estar em condições de recuperar o atraso que a teoria tem hoje em relação à realidade concreta, que avançou muito mais e por caminhos menos esperados que as teorias das últimas décadas do século passado e da primeira deste século tinham elaborado.

Por outro lado, chegar aos 60 anos como o partido das grandes transformações significa tornar-se o partido de todo o povo brasileiro. O objetivo maior a atingir, a partir daí, nesse sentido, é ajudar a organizar a grande massa do povo brasileiro que apoia Lula, que chega à cidadania mediante a conquista de seus direitos econômicos e sociais. Essa massa, hoje identificada, de forma descritiva, como lulista, que dá o extraordinário apoio de que goza o governo, precisa incorporar-se definitivamente à política, à cidadania, ser capaz de defender seus direitos, de forma organizada, consciente.

Para resumir as tarefas do PT nas próximas décadas, resta elaborar o tipo de sociedade que o Brasil precisa para ser uma sociedade justa, solidária, humanista. O neoliberalismo nos ensina, pela negativa, o que devemos buscar como objetivo programático para o partido e para o Brasil: uma sociedade desmercantilizada, reorganizada em torno da esfera pública, da afirmação universal dos direitos econômicos, sociais, políticos e culturais.

O neoliberalismo realiza a essência mesma do capitalismo ­ transformar tudo em mercadoria, fazer com que tudo tenha preço, tudo se compre, tudo se venda, essência do "modo de vida norte-americano", expresso nos shopping centers como sua utopia.

Uma sociedade justa, de igualdade na diversidade, de solidariedade, uma sociedade antimercantil, isto é, anticapitalista, uma sociedade socialista, está expressa numa universalização da esfera pública ­ construída na oposição à esfera mercantil, hegemônica no capitalismo neoliberal ­, na extensão geral dos direitos a todos, da educação pública à saúde pública, da habitação como direito universal à cultura como construção pública por todos. Da construção dessa aventura humanista depende a fisionomia do PT daqui a três décadas.

Emir Sader, cientista político