Acredito que o papel da esquerda é pressionar para garantir mudanças. Por isso, o PT pode contribuir para levar o governo para a esquerda e contribuir com as mudanças em curso hoje na América Latina. O contexto de mudanças no qual Lula chega ao poder resultou numa reorientação política e econômica das relações externas brasileiras, aproximando muito o Brasil da linha seguida hoje também por China e Índia e outros países importantes do Sul. Assim, penso que o Brasil tem contribuído para combater a hegemonia neoliberal, escapando do controle político, econômico e militar dos EUA e contrapondo-se a ela a partir de novas alianças regionais que priorizam as relações internas ao continente latino-americano, incluindo o Mercosul. Parece que tem sido importante para o Brasil diversificar as alianças, propondo, por exemplo, uma reconfiguração política do atual G-8 para um G-20. Uma ambição importante do presidente Lula: liderar uma nova configuração das relações internacionais.
O crescimento do PT, para além do Brasil, tem uma importância em âmbito global. Quando se atinge o poder, é preciso fazer alianças com capitalistas, assumindo compromissos políticos e econômicos com esses interesses. Mesmo assim, as lideranças desse processo buscam tomar cuidado porque têm um passado ao qual responder. O programa do presidente Lula combina crescimento econômico com mudanças sociais, mesmo que para isso tenha de se aliar ao capitalismo internacional e à direita em nível local. Mas isso não influencia todas as dimensões do governo, como se nota pela política externa, que é um elemento importante.
David Harvey, Estados Unidos. Geógrafo marxista britânico, formado na Universidade de Cambridge. É professor da City University of New York e trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana.