Sociedade

Os jovens petistas estão conectados às novas tecnologias, são combativos e levam para o partido temas variados. Reportagem de Fernanda Estima

Os jovens petistas estão conectados às novas tecnologias, são combativos e levam para o partido temas variados. Estão em postos de direção no partido e no governo federal e querem ajudar a construir um país onde justiça e igualdade sejam realidade para todos.

Quando o PT surgiu, eram muitos os jovens que transformavam o sonho em realidade. Da junção da diversidade, passados trinta anos, consagrou-se como um dos maiores partidos de esquerda da América Latina. Hoje, aqueles já não tão jovens e novas gerações estão assumindo o partido. Se no começo juventude não era propriamente um setor com demandas específicas, atualmente é vista como importante peça para renovar a política e seguir na luta por uma sociedade justa e igualitária.

Não havia recursos, investimento financeiro, e um dirigente não tão jovem podia se transformar em secretário do setorial. Muita coisa mudou. Hoje está à frente da juventude petista a agricultora familiar Severine Macedo, de 27 anos, eleita por meio de processo que mobilizou mais de 15 mil militantes na base, em todo o Brasil ­ o I Congresso da Juventude do PT. Além dessa novidade, escolher uma jovem, mulher e do campo, fugindo à regra que privilegiava representantes das universidades, também avançou em propostas como a paridade étnico-racial e de gênero na composição das direções.

A Juventude do Partido dos Trabalhadores (JPT) vive um momento histórico do ponto de vista de sua mobilização e organização. A transição para um outro modelo organizacional, superando a velha forma setorial e contemplando a diversidade da juventude brasileira, foi iniciada com o I Congresso da Juventude. Os jovens militantes petistas acreditam que o encontro significou, em um primeiro momento, um avanço na compreensão partidária sobre a importância do segmento na construção do partido e de seu projeto.

O PT chega à sua fase "balzaquiana", neste mês de fevereiro, tendo em sua base e na propagação de seus objetivos as mesmas características apresentadas pelos jovens sonhadores que nos anos 1980 ousaram aglutinar vários segmentos da esquerda e movimentos sob um único partido.

Hoje, olhando como é composta a base de jovens petistas, é possível perceber grandes modificações. Na faixa dos 15 aos 29 anos, são 300 mil entre os filiados. Organizados e com melhor estrutura, englobam diversos setores das "juventudes", termo que os primeiros a se reunirem no PT, enquanto setor juvenil, conheceram por meio dos estudos de Helena Abramo. No plural, para mostrar logo de cara vários prismas: são rurais e urbanos, estudantes e trabalhadores, desempregados ou sem escola, homens e mulheres, homossexuais, negros e negras, indígenas, imigrantes... O termo juventudes, e seu significado, levou para dentro do PT uma série de debates e construções políticas.

Para o futuro, nas fileiras partidárias, há vários Andrés, Marcelos, Anas, Severines, Leonardos, Rosanas, Alexandres, Alessandras e Ticianes. Eles estão no movimento estudantil, nos movimentos sociais e sindical, nas lutas feministas e de combate ao racismo, contra a homofobia, integram governos, são dirigentes partidários e constroem políticas públicas para a juventude.

A transição geracional

O mais jovem ministro do governo Lula, Alexandre Padilha, tem em sua trajetória a passagem pelo setor juvenil, por meio do movimento estudantil. Se encantou pelo PT na adolescência, aos 14 anos. Ainda sem vida orgânica, sob a influência de mãe e pai militantes, foi atraído, como muitos outros, pelo slogan da campanha petista de 1985, em São Paulo: "Experimente Suplicy, é diferente de tudo que está aí". Para o jovem ministro das Relações Institucionais, hoje com 37 anos, "o PT apareceu como alternativa de esquerda que se contrapunha ao governo Sarney, ao processo de Colégio Eleitoral. O PT, para mim, era algo diferente, defendia os valores da democracia, libertário. Os outros partidos de esquerda, naquele momento, estavam aliados ao bloco de sustentação do governo na época".

A Constituição de 1988, entre várias novidades, apresentou ao Brasil a possibilidade do voto aos 16 anos. Padilha relembra que foi o momento que mixou gerações: a juventude que já tinha mais de 16 anos, que iria votar pela primeira vez, com todas as pessoas que ficaram sem o direito de votar para presidente por causa da ditadura.

Padilha tem fresco na memória esse período e cantarola a vinheta, sempre emocionante de ouvir, "meu primeiro voto pra fazer brilhar nossa estrela..."Refrão do jingle da campanha de Lula à Presidência em 1989, Lula Lá, de Hilton Acioly Para quem já passou por vários momentos da vida partidária, e também fora dela, quando se dedicou à medicina nos interiores do país, Padilha acredita que o futuro do PT está ligado à transformação do Brasil.

Quem serão seus futuros dirigentes? Há muitas opções, em várias correntes do partido e também nos muitos espaços de militância. São moças e moços que fazem política com os mesmos objetivos de seus antecessores. Nazaré Cruz, por exemplo, do PT paraense, também começou novinha, aos 11 anos, na Ilha do Marajó, por meio das Comunidades Eclesiais de Base, e fez parte do grupo de jovens que votou em Lula aos 16 anos. Cresceu e mergulhou no oceano vasto das lutas sociais. Por opção, dedicou-se à questão racial e hoje constrói, como muitos iguais a ela, o Setorial de Combate ao Racismo do PT no Pará.

Nazaré está com 29 anos, mas só aos 25 decidiu ter organicidade para levar a discussão do movimento negro para dentro do partido, quando descobriu "outros espaços de autoorganização, enquanto negra, e viu a importância de disputá-los dentro do partido". Hoje está na coordenação provisória do setorial e foi uma das construtoras da Juventude Negra do PT (JN13). Trabalha como trançadeira no projeto Coisa de Preto, uma ação de resgate da autoestima da população negra através do cabelo.

E trançar cabelo ajuda a construir o futuro do PT? "Sem dúvida, rende muitos frutos", explica a militante, que costuma dizer que a população negra tem um projeto político para o Brasil. E, para ela, quem dialoga com esse projeto é o PT, "o primeiro partido socialista a discutir a questão racial não simplesmente por uma questão de classe. A história do movimento negro passa pelo PT e acaba influenciando outros jovens, porque não é possível discutir sem estar num partido político. É preciso estar nas organizações políticas".

Outro jovem que chegou ao PT inspirado pela ação política de seus pais é Leopoldo Vieira, do Pará. Estreou no mundo da política aos 13 anos, durante a campanha vitoriosa de Edmílson Rodrigues a prefeito de Belém, em 1996, e se filiou ao partido em 1998. Seu "batizado" ocorreu com Obras Escolhidas, de Lenin, e a organização de um comitê em sua escola. Leopoldo tem hoje 26 anos, atuou no movimento estudantil secundarista e universitário. Formado em Direito, desde 2001 atua na área de políticas públicas de juventude e se orgulha de ter participado dos debates sobre a reforma universitária.

Leopoldo, em 2005, foi secretário adjunto de Juventude do PT e, a partir dessa experiência, afirma que "o jovem da escola, da universidade, entra no PT menos porque se identifica com algum grupo petista estudantil, e sim pelas políticas de juventude, porque acabam sendo alcançados por elas". Para ele, hoje a dinâmica não funciona mais de cima para baixo, ou seja, há o partido e seus militantes nos movimentos tentando influenciar, por exemplo, o jovem rural que é dirigente sindical em seu município, vem da Contag, da Fetraf ou do MST, e nesses espaços formula bandeiras específicas.

Aos 31 anos, Rafael Pops é assessor de juventude do reitor da Universidade de Brasília (UnB). Também teve na família a abertura para a militância, que organicamente começou em 2001, durante a greve das universidades federais. Era do Centro Acadêmico de Ciência Política, na UnB. Em 2003 foi eleito vice-presidente nacional da UNE, em chapa da Juventude do PT, com todos os grupos do movimento estudantil. E em 2005 assumiu a Secretaria Nacional de Juventude do partido, na qual foi substituído por Severine Macedo.

Para Pops, os jovens que começam hoje a participar das direções políticas estão no meio de uma importante transição geracional. "Vários estão em cargos de direção, são candidatos à presidência de diretórios zonais, municipais, estaduais, e aprendem com os erros da geração anterior." Em sua avaliação, eles buscam "construir novas ferramentas para consolidar o projeto comum de radicalização das mudanças sociais. Essas novas gerações aprenderam muito ao longo dos trinta anos do PT e têm muito a fazer para estabelecer novas formas de fazer política".

Na percepção do ex-secretário, "a juventude do PT vem assumindo gradativamente um papel mais protagonista. Influenciando decisões partidárias, com o tema da juventude aparecendo recorrentemente na pauta do Diretório Nacional".

Diversidade

Durante muito tempo o PT teve ingresso de jovens principalmente pelo movimento estudantil. Agora a realidade é diferente, a dinâmica é outra pela própria mudança da juventude, que hoje se organiza de variadas formas: desde associação de bairros, grupos religiosos e culturais até ONGs, uma organização muito mais ampla do que era há vinte anos.

Eles estão a todo o vapor. Usam e abusam das novas tecnologias e garantem que não há como se relacionar com o público jovem sem elas. Rosana Souza, secretária nacional de Juventude da CUT, é adepta da internet como ferramenta e garante que é mais fácil atingir um jovem trabalhador por meio de sites de relacionamento, como Orkut, Facebook ou Twitter, do que utilizando os tradicionais boletins dos sindicatos.

Rosana é trabalhadora da indústria plástica, tem 32 anos e está há nove na ação sindical. Estudante do curso de Assistência Social, é filiada ao PT na zona norte de São Paulo e admite que a militância no partido poderia ser mais forte, mas a luta sindical não dá trégua.

Já esteve à frente da Regional Sul da Confederação dos Químicos da CUT e agora, na Secretaria Nacional de Juventude da Central, diz que esse posto facilita a construção de políticas específicas para os jovens trabalhadores, lembrando que também há uma aliança muito forte com o movimento estudantil, movimentos sociais, com a Juventude do PT.

Rosana tem muitas expectativas e esperanças com o marco de 30 anos do partido. "Entre elas, termos a primeira presidente mulher e do PT. Para o futuro precisamos ter políticas não só para a juventude, mas para as mulheres, para a defesa do meio ambiente, de combate ao racismo, discutindo com a sociedade e dialogando com os vários setores do partido, de todas as camadas populares e do Brasil inteiro", enumera.

Para ela, o avanço do partido não será mérito só dos jovens, mas da organização das mulheres, da juventude negra, dos que estão à frente da defesa do meio ambiente. O acúmulo da juventude, mas não só dela, é que fortalecerá o PT: "Daqui dez anos, acredito que teremos um partido com a cara do povo trabalhador, que tenha na sua direção trabalhadores, intelectuais, e esse trabalho é que irá fortalecer o PT e os que constroem o partido em comum".

Leonardo Britto, presidente estadual do PT no Acre, tem 30 anos. Aos 23, em 2003, foi secretário estadual de Juventude do governo. Ele mostra números para comprovar que em seu estado eles praticam um "pacto geracional": o secretário de Cultura tem 29 anos, o de Juventude, 28; os líderes na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa têm, respectivamente, 25 e 31 anos. "É uma opção do Acre o pacto de gerações", diz ele.

Reeleito no último PED, em seu discurso de posse contou: "Quando o PT nasceu, eu ainda estava de fraldas, e só Deus sabe o quanto me sinto orgulhoso de hoje presidir o partido que praticamente me viu nascer para a vida e para a política. Minha satisfação em assumir a presidência do PT é maior ainda porque a escolha foi fruto de um consenso entre todas as lideranças e todas as correntes de pensamento que fazem do PT o que ele é hoje: um partido maduro, consciente de suas responsabilidades, preocupado com a formulação de políticas e a busca de soluções para os problemas que o Acre e o Brasil enfrentam".

Leonardo observa o PT como a grande inovação dos últimos cinquenta anos, mas com grandes desafios, "sobretudo ser um espaço para os mais excluídos e estar antenado com as mudanças da sociedade". Para ele, a nova geração já surge ligada aos novos temas e tecnologias e tem como pretensão aprofundar avanços que a experiência petista apresenta em todos os níveis governamentais e de políticas públicas.

O protagonismo da juventude petista, na análise do acriano, construiu espaços como o Conselho Nacional da JuventudeO Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) é espaço de diálogo entre a sociedade civil, o governo e a juventude brasileira. É um órgão consultivo e tem por objetivo assessorar o governo federal na formulação de diretrizes da ação governamental.. Ele também conta que o PT sempre se destacou nos debates para as políticas voltadas aos jovens, está inserido internacionalmente nos movimentos globais e abre espaço para os mais novos no exercício de poder. "Não é só um discurso, há uma prática."

Segmento estratégico

Para a secretária nacional de Juventude do PT, Severine Macedo, a nova geração petista quer ser incorporada "como sujeito político na sociedade e aumentar a percepção de que a juventude é um segmento estratégico no desenvolvimento nacional, que não precisamos só de políticas específicas e ficar no `nosso cantinho', queremos intervir na política como um todo, no nosso momento histórico. Amanhã não seremos mais jovens e a juventude, com suas características, pode ser dirigente hoje".

Severine e os dirigentes da JPT fazem balanços positivos. Andaram pelo Brasil em caravanaA I Caravana Nacional da JPT percorreu mais de 60 cidades em 37 dias, em todas as regiões do país, pautando com candidatos, dirigentes partidários e movimentos a importância da juventude nas eleições de 2008 e a necessidade da implementação de Políticas Públicas de Juventude nas administrações petistas., se organizaram com outros partidos A carta da JPT faz parte de uma ação de mobilização resultante de um seminário nacional intitulado Juventude e o Projeto Nacional, promovido pelas juventudes dos partidos do campo democrático e popular, em outubro de 2009, no qual a JPT teve papel fundamental. para debater modelos de desenvolvimento, mobilizaram e organizaram juventudes. A jovem agricultora rural, vinda do interior de Santa Catarina, começa a construir sua história política na tenra idade, aos 12 anos, na Pastoral da Juventude. A mãe, uma das fundadoras do partido no município de Anita Garibaldi, foi também inspiração para a filha, que hoje afirma que "o PT cresce muito, assim como sua responsabilidade a partir de ser governo". Ela espera que o PT continue sendo fundamental para um país cada vez melhor, "superando as desigualdades, conquistando cada vez mais espaços e se enraizando, não deixando de ter atuação forte na base e nos movimentos sociais".

Severine credita à juventude um papel essencial, mas não deixa de afirmar a necessária "ação partidária e organizativa forte, investindo cada vez mais na formação em massa, com a Escola Nacional, assim como nos setoriais". Ela apresenta os obstáculos do setor juvenil brasileiro, apesar dos inúmeros avanços dos governos do PT: "São os jovens que mais sofrem com a precariedade do trabalho e com o desemprego, que mais matam e mais morrem, principalmente os jovens negros das periferias brasileiras, que sofrem um verdadeiro genocídio. Os jovens não têm o direito de "viver plenamente sua juventude", com tempo livre para cultura, lazer, esporte, porque precisam trabalhar".

Como alento, há várias propostas e ações que vêm ocorrendo a partir do governo do presidente Lula, uma série de programas e ações voltados a esse segmento, como o ProUni, o ProJovem, a expansão das escolas técnicas e a criação de novas universidades federais, o recorte para a juventude no Pronasci, os Pontos de Cultura, que atingem diretamente a juventude. E, se a organização da juventude se mantiver e se qualificar ainda mais, como vem construindo a JPT, será mais fácil construir um Brasil, de fato, para todos e todas, de qualquer faixa etária.

Fernanda Estima é editora-assistente de Teoria e Debate