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As políticas federais implantadas em Matureia, no sertão da Paraíba, promovem qualidade de vida à população

As políticas federais implantadas em Matureia, no sertão da Paraíba, promovem qualidade de vida à população, estimulam a produção rural e dinamizam a economia do município

Falou-se muito nesses quase oito anos de governo Lula em suas políticas sociais, voltadas à população excluída. Segundo o economista Marcelo Néri, da Fundação Getulio Vargas, a proporção de pobres caiu de 30,17% para 18,23%, entre 2003 e 2008. Não à toa, em discurso na abertura da 18ª Feira da Indústria da Construção e Iluminação, em 6 de abril passado, em São Paulo, o presidente Lula se disse orgulhoso de ter conseguido "cumprir uma missão de governo que foi levar para o degrau mais elevado milhões de brasileiros que viviam abaixo da pobreza" e que foram "as classes D e E que sustentaram o crescimento econômico do país no ano passado, durante o período mais agudo da crise financeira mundial".

E foi para ver como as políticas do governo federal atuaram na vida da população excluída que resolvemos acompanhar o cotidiano de uma pequena cidade do Nordeste, Matureia, um município de 5 mil habitantes, segundo o censo de 2000, cuja metade da população é rural, em uma região com Índice de Desenvolvimento Humano médio de 0,63.

O nome do município tem origem na fusão dos nomes de um casal de sitiantes, Matusalém e Dulcineia, que lá habitavam. Severina e Manoel Varelo de Moura compraram a propriedade e fundaram a Vila de Matureia no início do século 20. Sua emancipação do município de Teixeira se deu em 13 de dezembro de 1995.

A cidade sonha em expandir seu potencial turístico. Está situada no sertão da Paraíba, no parque estadual do Jabre, ao pé do pico de mesmo nome, o ponto mais alto do estado, de onde se tem uma belíssima vista panorâmica de aproximadamente 130 quilômetros, podendo-se enxergar o Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Na zona rural do município visitamos Marise de Lia Silva, 47 anos, que mora com o marido e cinco filhos, entre 14 e 26 anos, e teve sua vida mudada ao ser beneficiada com alguns dos principais programas do governo federal. Ela nos conta que recebeu R$ 145 do Bolsa Família em fevereiro. A família tem uma plantação de subsistência e nenhum trabalho fixo. Todos que têm idade para trabalhar fazem bicos e os mais novos estudam e frequentam o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

O município tem 834 beneficiários do Bolsa Família, cujo montante soma R$ 86,1 mil por mês, de acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Segundo Gentil Barbosa, secretário de Desenvolvimento Social, há mais quinhentos cadastrados em uma lista de espera. Os registros fazem parte do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), do governo federal, no qual constam todos os membros da família, atualizado anualmente. "Essa é a forma que o governo encontrou de monitorar os dados e tornar os programas sociais mais transparentes", diz o secretário. Os valores pagos variam de R$ 68 a R$ 200. As famílias com renda mensal de até R$ 70,00 por pessoa recebem o benefício mínimo. Àquelas com renda de R$ 70 a R$ 140 per capita e com crianças e adolescentes até 15 anos podem ser concedidos mais R$ 22 por criança, três no máximo. E a família que tem adolescentes de 16 a 17 anos pode receber mais R$ 33 por filho, dois no máximo.

Portanto, não dá para abandonar emprego no Sudeste para voltar ao Nordeste e viver de Bolsa Família, como julgam alguns representantes da bem informada classe média paulista.

A administração do programa na cidade requer muito jogo de cintura de Gentil e sua equipe. É deles que o cidadão que tem seu benefício suspenso cobra explicações. Hoje, com o número do CPF utilizado para qualquer operação financeira, uma compra incompatível com a renda declarada é detectada e pode causar a exclusão do programa. Em Matureia, onde praticamente todos se conhecem, é razoavelmente fácil saber se a vida do beneficiário está de acordo com sua renda ­ se comprar um carro, todos saberão. Por isso, a secretaria, sempre que necessário, promove reuniões com a comunidade para reiterar os critérios e condicionalidades do programa e estimular aqueles que estão fora do perfil a entregar o cartão.

"O dinheiro do cartão vai para comprar comida, caderno e lápis", diz Marise. Um dos principais resultados do Bolsa Família é contribuir para a melhoria da situação alimentar e nutricional dos beneficiários.

Com um histórico de secas rigorosas, a primeira relatada em 1583, a população nordestina ao longo de séculos não contou com incentivo algum para se manter na região. Gentil lembra que nos anos 1990 ainda existiam as Frentes de Emergência, que alistavam homens e mulheres, até grávidas, para trabalhar na manutenção de estradas, construção de açudes ­ que armazenariam a água da chuva para poucos ­, em horário corrido e longe dos domicílios. Todos viviam aos sobressaltos, pois eram comuns os saques nas feiras.

Em 1998, quando os governantes de plantão se vangloriavam de ter uma posição destacada na "era da economia globalizada", o programa de emergência para o Nordeste foi distribuir cestas básicas de alimentos, em pleno ano eleitoral.

Enfim, luz

Marise também foi beneficiada pelo Luz para Todos, há seis meses. Sem televisão, há na casa uma geladeira e o aparelho de som, que ficou tempos guardado, pois a família morava cinco anos antes em local com energia elétrica.

O Luz para Todos é um programa universalizante. Para ter acesso à energia elétrica, basta fazer o pedido de instalação à distribuidora da cidade. Em Matureia, foram feitas 247 solicitações até fevereiro de 2010, das quais 214 já foram atendidas. Ou seja, aproximadamente 87% da demanda. Estão por concluir apenas 33 domicílios. O investimento total no município é de cerca de R$ 1,7 milhão, em contratos firmados pela Energisa com a Eletrobrás.

No Brasil, foram beneficiados 11,4 milhões de brasileiros, em comunidades quilombolas, reservas indígenas, assentamentos da reforma agrária, escolas rurais. Segundo estimativa do Ministério de Minas e Energia, as obras criaram em torno de 338 mil postos de trabalho.

Marise também se beneficiou de uma das 365 cisternas construídas no município, com investimento total de R$ 537,7 mil (dados do MDS). Quando a visitamos, sua cisterna era nova e, como não chovia, ainda não tinha sido estreada. Naquele dia nossa entrevistada tinha comprado "duas borrachas de água" e pago por elas R$ 8. A borracha é um recipiente parecido com um pneu aberto, com capacidade para uns 20 litros.

A Central das Associações Comunitárias de Cacimbas e Região (Camec) é a entidade parceira do MDS para a construção de cisternas de placas na Serra de Teixeira, em nome da Articulação do Semi-Árido (ASA). Gilberto Nunes de Souza, presidente da Camec, explica que o programa Um Milhão de Cisternas faz parte de um "movimento articulado de convivência sustentável com a realidade do semiárido".

No município constituiu-se uma comissão com representantes da sociedade civil organizada (Associações Comunitárias de Produtores Rurais, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Secretaria Municipal de Agricultura e Igreja Católica) para cuidar da seleção e capacitação de pessoal e do processo de construção e distribuição das cisternas por comunidade.

Os critérios para a seleção das famílias beneficiadas são ter mulheres chefes de família, crianças até 6 anos, crianças e adolescentes na escola, adultos com idade igual ou superior a 65 anos, deficientes físicos e mentais, renda per capita até meio salário mínimo, entre outros. A construção da cisterna é feita ao lado da casa da família, longe de fossas e currais.

"A implantação do programa no município e na região contribui para uma grande mudança tanto na qualidade de vida como nos hábitos das famílias, diminuindo a mortalidade infantil", conclui Gilberto.

Educação é prioridade

Na casa de Marise, exceto o marido, todos estudam, por isso o material escolar está entre suas prioridades. Além dos filhos, ela própria frequenta o programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA) e reafirma: "Aqui, escola em primeiro lugar; eu tive de trabalhar e só agora consegui estudar".

O município tem oito escolas rurais de ensino fundamental e duas urbanas, equipadas com laboratórios de informática, inseridas no Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo) do Ministério da Educação, conveniado com o Ministério das Comunicações. Apenas duas escolas na zona rural ficaram de fora, por terem menos de vinte alunos, uma condição do ministério. Nas escolas urbanas, as estruturas receberam dezesseis computadores conectados à internet com banda larga, nas rurais são cinco computadores, impressoras, móveis e antena Gesac para conexão à internet por satélite.

Segundo o secretário de Educação Nilton Dantas, "está sendo elaborado um plano de uso dos laboratórios pela comunidade. No caso da zona rural, incluirá, além dos alunos, a população em idade escolar do entorno das escolas, em parceria com as comunidades rurais".

Em uma das escolas será instalada em breve uma sala multifuncional, para atender alunos portadores de necessidades especiais, equipadas com computador, móveis e uma televisão de tela plana. As adaptações das instalações, incluindo a construção de banheiro, foram realizadas com recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que tem por "objetivos a melhoria da infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de desempenho da educação básica".

Orgulho dos moradores da cidade é a creche ainda em obras. Aparentemente será a construção arquitetônica mais moderna de Matureia. Hoje, as instalações das duas Unidades de Saúde da Família, construídas em um único prédio, chamam a atenção.

A Unidade de Educação Infantil é um modelo do Pró-Infância do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), um investimento de aproximadamente R$ 1 milhão, que está sendo executado pela prefeitura. Foi projetada com refeitório, cozinha, lactário, lavanderia, salas de repouso, salas de pré-escola, playground e até um anfiteatro, para atender em torno de 225 crianças até 6 anos, em dois períodos. Segundo o secretário, como Matureia tem 200 crianças frequentando creche, na nova unidade poderá ser oferecido período integral.

A creche responde às necessidades de desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida e complementa os cuidados com a criança fornecidos pela família, atendendo ainda às necessidades dos pais que trabalham fora de casa, entre outras. Para a população mais pobre é salário indireto, pois, além de educação, é alimentação, saúde e cuidados essenciais.

O ProUni também chegou ao interior da Paraíba. Jéssica Freitas, 18 anos, filha de agricultores, cursa jornalismo nas Faculdades Integradas de Patos. Segundo ela, não fosse o programa, não poderia cursar o ensino superior, pois seus pais não têm condições de pagar a mensalidade de R$ 380.

A Secretaria da Educação do município mantém parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em vários projetos. O Arca das Letras prevê bibliotecas rurais com 220 volumes e a capacitação de agentes de leitura voluntários, que se tornarão responsáveis pelas atividades das bibliotecas e pelo incentivo da leitura em sua área. A cidade possui sete bibliotecas rurais, mas a meta é atingir as 21 associações comunitárias.

Estímulo à produção rural

A agricultura familiar é responsável por cerca de 70% do consumo de alimentos no país. No governo Lula, além da criação de vários programas de crédito e estímulo à produção que possibilitem ao trabalhador rural manter sua atividade, programas já existentes como o Programa Nacional de Fortalecimento a Agricultura Familiar (Pronaf) foram incrementados.

Boa parte da merenda escolar das escolas do município vem do Compra Direta (ou Programa de Aquisição de Alimentos-PAA), do MDA, administrado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que adquire a produção da agricultura familiar visando atender a demandas de alimentos de populações em risco alimentar. Também cumprindo papel de regular preços, esse programa estimula o desenvolvimento da economia local, com o atendimento direto às necessidades de suplementação alimentar e nutricional dos programas sociais locais, e fortalece a agricultura familiar e a geração de trabalho e renda no campo.

Em Matureia, a administração desse programa também está a cargo da Secretaria de Desenvolvimento Social. Gentil diz que, das cem cotas a que o município tem direito, usa setenta. "A família beneficiada pode vender para o programa até R$ 3.500 por ano. Os produtos são entregues diretamente à escola", explica.

Outra modalidade de Compra Direta é o Programa do Leite, que propicia seu consumo às famílias em estado de insegurança alimentar e nutricional e incentiva a pequena produção. Segundo Eduardo Dantas, proprietário do Laticínio da Serra, uma vantagem do programa é regular o mercado. Por exemplo, o valor pago pelo litro na região é R$ 0,70. Mas é preciso respeitar o limite financeiro e adquirir de cada produtor beneficiado apenas R$ 3.500 no semestre.

Para o pequeno agricultor familiar que tem a garantia de compra do seu produto a preço fi xo, as exigências são produzir no máximo cem litros por dia, com prioridade para os que produzem uma média de 30 litros diários. Já a distribuição, realizada três vezes por semana na cidade, atinge 1.200 pessoas, segundo dados do ministério. De acordo com o agente de desenvolvimento do Banco do Nordeste Genival Bezerra Junior, "esse programa deu uma alavancada enorme na cadeia produtiva do leite na região. Os produtores passaram a investir mais e o banco, embora não faça parte diretamente do programa, entra como financiador de matriz bovina e caprina e melhora da estrutura da propriedade". E conclui com uma ótima notícia: "O programa do Leite não só vem diminuindo o êxodo rural como tem feito com que fi lhos de agricultores voltem do Sul para ajudar na produção".

Emanoel Heliomar Medeiros, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do PT de Matureia, dá seu testemunho do quanto se ampliou o acesso do agricultor ao Pronaf nos últimos anos. "Nossa preocupação é fazer com que o agricultor tenha acesso ao crédito. No segundo governo Lula o programa se ampliou e ajudou muito a quebrar a resistência do agricultor ao banco". Segundo ele, pediam tantas declarações quando o agricultor ia ao banco que o desestimulavam. "Em 1999 e 2000, foram realizadas três operações do Pronaf no município; hoje, são 300", calcula. O programa totaliza mais de R$ 360 mil em financiamentos no município.

Outra modalidade de financiamento popular na região é o Crediamigo, um programa de microcrédito produtivo do Banco do Nordeste a pequenos empreendedores, sem burocracia. Com valores iniciais de R$ 100 a R$ 4 mil, dependendo do porte do negócio, o crédito pode ser renovado e evoluir para R$ 15 mil, de acordo com a capacidade de pagamento e do negócio. De outubro 2008 a fevereiro 2010, o programa movimentou cerca de R$ 607 mil em crédito apenas para Matureia.

Incorporação das políticas

A cidade tem um conjunto habitacional de cinquenta casas, um projeto do Ministério das Cidades em terreno da prefeitura. O programa Minha Casa, Minha Vida, está em implantação. Em uma primeira etapa a prefeitura, por cautela, optou por assumir a construção de apenas 26 casas, podendo mais tarde construir 90 moradias, ao custo de R$ 11 mil a unidade, assumido pelo município. São casas para baixa renda e serão doadas, utilizando o cadastro da Secretaria de Desenvolvimento Social e escolhendo quem não tem onde morar.

A única receita da prefeitura é o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Segundo o prefeito Daniel Dantas (PMDB), "querem passar o imposto territorial para a prefeitura, mas o próprio governo só conseguia realizar essa cobrança por ocasião da transferência de terra. IPTU, tentou-se cobrar, mas o arrecadado não pagou nem o funcionário que fazia os cálculos ­ 95% das residências da cidade não têm escritura pública". Dantas lembra que houve muitos outros programas federais, mas com certeza nenhum surtiu efeitos como os sentidos agora. "Estamos em um momento bem melhor."

E como repercute para o beneficiário ter tantos programas do governo federal executados pela prefeitura ­ ele identifica, por exemplo, quem concede o Bolsa Família? Dantas acredita que a repercussão positiva não é creditada ao governo federal ou ao benefício em si, mas ao presidente. "Fazemos um monte de coisas, mas é Lula... Eles identificam o Bolsa Família com o presidente, mas na hora em que é suspenso vêm reclamar na prefeitura", comenta o prefeito, conformado.

Como a única receita do município é o FPM, o volume de políticas públicas do governo federal dá um bom respaldo à administração municipal e a forma como elas se articulam vão além da dimensão distributiva ­ regulam e financiam a produção, dinamizam a economia e socializam a política. Mesmo sem ter estado na cidade anteriormente, dá para constatar que Matureia tem uma nova cara, o movimento de motos é intenso, pelo menos duas lojas novas de material de construção, várias pequenas mercearias, um mercado um pouco maior e turmas de estudantes a caminho ou de volta da escola. Portanto, a manutenção e ampliação dessas políticas é fundamental.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate