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Entre 2007 e 2009 o estado de São Paulo deixou de aplicar R$ 1,75 bi em saúde

Entre 2007 e 2009 o estado de São Paulo deixou de aplicar R$ 1,75 bilhão em saúde; o Programa Saúde da Família atende 26%, enquanto no Brasil esse número é 50,1%; há deficiências na prevenção e na vigilância das doenças e em relação aos procedimentos de média complexidade

Foto: Douglas Mansur

O acúmulo de lutas sociais consagrou a saúde como um direito e criou o Sistema Único de Saúde (SUS), na Constituição de 1988. No entanto, não houve garantia de financiamento para viabilizar esse direito, o que só veio a ocorrer com a Emenda Constitucional (EC) 29, de 2000, que estabeleceu os gastos mínimos da União, estados e municípios com saúde.

A descentralização do SUS se dá com direção única em cada nível de governo, com atribuições próprias de cada ente da Federação. A cada ano, são registrados pelo SUS bilhões de consultas e internados milhões de pessoas. O sistema ainda é responsável pelo maior programa público de vacinações e transplantes do mundo.

O nível de desenvolvimento de São Paulo permite uma condição melhor de saúde para a população. Mas ainda persistem índices altos de mortalidade infantil nas regiões do estado com maior exclusão social. A mor talidade por causas externas, que engloba homicídios, acidente no transporte e demais causas mais dependentes das políticas econômicas e sociais, subiu para terceiro lugar.

O Plano Estadual de Saúde para 2008-2011, aprovado pelo Conselho Estadual de Saúde, parte do Pacto pela Saúde, contém o diagnóstico da área, dentro do qual se destacam:

  • Em 2007, 74,6% das gestantes realizou mais de seis consultas de pré-natal.
  • Até junho de 2006 foram notificados 151.961 casos de Aids. Seu coeficiente de incidência diminuiu, mas a epidemia avança, particularmente entre mulheres e adultos com mais de 40 anos.
  •  Em 2005, os diagnósticos mais frequentes das internações estavam relacionados a gravidez e parto, seguidos pelas doenças do aparelho circulatório.

Rede assistencial do SUS

O estado de São Paulo conta com mais de 4 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), 1.277 serviços com atendimento de especialidades (ambulatórios e policlínicas), 680 hospitais e milhares de estabelecimentos públicos e privados.

Essa rede tem capacidade instalada suficiente para abranger a população do estado. Entretanto, ao analisarmos a concentração de consultas básicas e por especialidades por habitante/ano, há variações regionais importantes.

O Indicador de Dados Básicos de 2007 da Rede Interagencial de Informações para a Saúde apresenta o SUS com 3,15 consultas médicas e 0,84 procedimento diagnóstico por habitante.

Em relação a internações por mil habitantes, houve uma redução de 5% no total do estado no período entre 2000 a 2006. O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) mostra que o estado de São Paulo possuía 67.588 leitos SUS em 2006; os dados do Seade revelam que em 2003 havia 76.354 leitos SUS ­ portanto, uma diminuição de 8.766 leitos SUS em São Paulo.

Em 2008, a maioria das internações no estado foi em hospitais filantrópicos (Santas Casas). Isso, associado ao fato de que o número de leitos públicos por mil habitante é de 1,68, para 2 leitos em nível nacional, revela o maior peso do setor privado no estado.

Existe um "déficit" de leitos de UTI nos Departamentos Regionais de Saúde de Presidente Prudente, Registro, São João da Boa Vista, Sorocaba e Taubaté.

Segundo o DataSUS, em 2007 houve um total de 741 milhões de procedimentos ambulatoriais e, em 2008, 89,67% dos valores referentes a esses procedimentos foram pagos à rede estadual, aos hospitais filantrópicos (Santas Casas) e aos municípios.

Serra não cumpre o programa

Em seu programa de governo Serra afirmava: "Na saúde (...) reforçaremos o programa Dose Certa (...)". No entanto, na execução orçamentária de 2008 os programas relativos a medicamentos tiveram diminuição de recursos executados e o Orçamento de 2010 consagra essa política.

Os recursos federais sob gestão estadual cresceram dez vezes, de R$ 383 milhões (2003) para R$ 3,97 bilhões (2010).

O Programa Saúde da Família cobre apenas 26% da população, enquanto a média nacional de cobertura atinge 50,1%.

Desvio de recursos da saúde

Pela Emenda Constitucional 29/00, os gastos do estado com saúde devem ser de, pelo menos, 12% de suas receitas líquidas e transferências. O governo do estado de São Paulo, desde 2000, tem adotado um procedimento de manipulação contábil orçamentária, incluindo na saúde programas que não preenchem a definição de "ações e serviços de saúde", de acordo com a Portaria 2.047/2002, do então ministro da Saúde Barjas Negri, e a Resolução 322/2003 do Conselho Nacional de Saúde, que normatiza a aplicação da Emenda Constitucional. Os gastos indevidos são realizados com o programa Viva Leite, pagamento aos aposentados e assistência de saúde aos servidores civis e militares, de tal forma que entre 2001 e 2009 deixaram de ser aplicados R$ 4,1 bilhões em saúde, valor suficiente para construir 82 hospitais de 250 leitos.

A administração de 23 hospitais, todos os laboratórios e mais de uma dezena de ambulatórios especializados foi terceirizada para Organizações Sociais (OS) e Instituições Parceiras, com dispensa de licitação e com mecanismos insuficientes de fiscalização. Há instituições contratadas e outras conveniadas, além de dois hospitais, em Sumaré e Bauru, que são administrados em convênio com a Unicamp e Unesp. A absoluta prioridade concedida a essas organizações tem como contrapartida o sucateamento dos ais de 40 hospitais próprios mantidos pelo governo de São Paulo.

Essa política foi agravada pela Lei Complementar nº 1.095, de 2009, de iniciativa do governador, que possibilita a transferência da administração de todos os equipamentos de saúde do estado para as OSs. Até então isso era limitado aos novos equipamentos.

Deficiências na saúde coletiva

Na saúde coletiva há deficiências nas atividades e programas da vigilância sanitária, epidemiológica, vacinação, combate às endemias, como a dengue, assim como no controle e uso do sangue, produção de hemoderivados, como mostra a execução orçamentária de 2008, na tabela acima.

Essas deficiências persistem nos orçamentos de 2009 e 2010. Exemplo dessas insuficiências é que o número de doenças relacionadas à falta de saneamento básico adequado vem crescendo na Região Metropolitana, o que fica evidente quando ocorrem enchentes. Em 2009, na capital paulista, foram notificados 263 surtos de doenças transmitidas por água e alimentos e, no estado, 617 mil casos de doenças diarreicas em 2007.

As Diretrizes do SUS de gestão compartilhada e participação da comunidade não são acatadas. A gestão da saúde implementada pelo governo do estado não coopera com os municípios nem respeita os fóruns de gestão colegiada. A Lei das Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Estadual não são submetidos ao Conselho Estadual de Saúde, como manda a Lei nº 8.142.

Servidores não valorizados

Em janeiro de 2007, a Secretaria Estadual de Saúde possuía 69.089 servidores em seu quadro referente à administração direta e 83% encontravam-se em unidades prestadoras diretas de assistência ao usuário do SUS (ambulatórios, hospitais e UBS). Apesar da importância desses servidores para o atendimento à população, em 2008 os dados do relatório do Tribunal de Contas do estado mostram que a média salarial anual dos servidores da Saúde (R$ 29 mil) é 5,7 vezes menor que a dos servidores da Secretaria da Fazenda (R$ 165 mil).

Eurípedes Balsanufo Carvalho é médico, mestre em saúde coletiva, professor do curso de Medicina da Unicid