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Em quase todas as áreas aumentam a produtividade tecnológica, produzem novos processos e ferramentas, sendo fundamental um posicionamento dos governos

A Revolução Digital é o principal motor do atual ritmo acelerado do progresso científico e da inovação. O poder criativo e a produtividade tecnológica dos indivíduos estão sendo ativados em proporções antes desconhecidas, produzindo ininterruptamente novos produtos e processos, em quase todas as áreas do conhecimento humano.

O Information Economy Report 2007-2008 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento detalha como a indústria da tecnologia da informação e da comunicação (TIC) cresce mais rapidamente do que muitas outras em nível mundialUnknown Object1. Atualmente, o setor representa cerca de 7% do PIB global e emprega mais de 15 milhões de pessoas nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)Unknown Object2. Em dados de 2007, as receitas mundiais das 250 maiores empresas em TIC atingiram US$ 3,8 trilhões3Unknown Object.

Nas palavras de Kofi Annan, ex-secretário geral das Nações Unidas: "Se o mundo pretende seriamente alcançar o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio de reduzir à metade o número de pessoas vivendo em extrema pobreza até o ano de 2015, as TIC devem figurar proeminentemente nesse esforço. Todos ­ governos, sociedade civil e empresas do setor privado ­ devem ajudar a fomentar oportunidades na era digital e colocar as TIC a serviço do desenvolvimento"Unknown Object4.

Surpreendentemente, porém, mesmo se tal contribuição enorme desse setor ao PIB mundial é bem compreendida e reconhecida, o impacto real de todas as ciências e tecnologias da computação e da comunicação como facilitadoras e catalisadoras da inovação e do progresso em outros setores econômicos e outras disciplinas científicas, como a Genômica por exemplo, que também impactam a sociedade, é largamente ignorado.

Neste artigo proponho-me a mostrar a importância de um posicionamento estratégico em relação à Revolução Digital, informado por atividades multidisciplinares de prospectiva.

Progresso exponencial  

O mundo está vivendo uma verdadeira revolução, e não apenas um boom setorial. É verdade que o setor econômico das TIC é atualmente um dos principais constituintes do PIB mundial e que, após a convergência das telecomunicações com redes de computadores, agora estamos vendo uma convergência ainda maior com os meios de comunicação e de entretenimento.

No entanto, existe um ponto mais importante do que o impacto direto das TIC como um setor econômico, ou mesmo como um gerador de aumento de produtividade: as TIC são facilitadoras e constitutivas tanto para si próprias como para outros setores científicos, econômicos e tecnológicos, que vão desde espaço e aeronáutica até arquitetura, arqueologia, entre muitos outros. Chega a ser surpreendente que tais aspectos ainda não estejam plenamente integrados em processos de decisão política e estratégica na maioria dos países, com a notável exceção da Escandinávia e possivelmente da China e dos EUA de Obama. Além disso, as TIC têm o poder de transformar e mesmo romper processos bem conhecidos e estabelecidos: quem poderia imaginar que, em apenas alguns anos, um processo quimiomecânico como a fotografia seria transformado em aparato de telefone? O que mais virá por aí ou desaparecerá?

Se incluirmos nesta análise que em 1990 a internet estava em seus primórdios, a web era embrionária e telefones GSM nem sequer existiam, teremos que cuidar das implicações sociais como melhoria da vida, segurança alimentar, energia e gestão de recursos naturais.

Que visão para o futuro?  

Mais do que uma simples continuação da Revolução Industrial, encaramos uma Revolução Digital. Tudo que pode ser digitalizado acabará por sê-lo. O impacto disto sobre nosso cotidiano será enorme.

Já em 2006, não só documentos, mas todos os diferentes processos envolvidos na concepção de um avião foram finalmente realizados no mundo digital. Nem um único parafuso foi produzido ou testado antes de o avião ter sido inteiramente concebido, rompendo com a tradicional concepção aeronáutica.

Num dado fluxo de produção, cada processo digitalizado pode ser instalado na localidade de melhor custo-benefício. As implicações são múltiplas, uma vez que tanto sociedade como produção serão desconstruídas, como em um mundo "Lego", com a emergência de uma nova forma de pensar, baseada na comunicação instantânea em sistemas distribuídos (por exemplo, fóruns, bate-papo e jogos de "role-play" virtuais etc.). Evidentemente, novos modelos negociais serão inventados, a maioria deles inesperados.

Para tentar obter algumas ideias sobre o que nos espera no futuro, estudar experiências semelhantes anteriores pode ajudar.

A Revolução Industrial  

O exemplo mais próximo à mão, e talvez um dos melhores, é a Revolução Industrial, quando uma nova tecnologia (teares a vapor) foi responsável pela erradicação de muitos costumes estabelecidos. Um dos efeitos precoces foi a criação de uma bolha dos mercados financeiros. Em seguida, um grande número de empregos agrícolas desapareceu, causando fenômenos de urbanização e de imigração em escalas nunca antes vistas. A Itália perdeu quase metade de sua população, enquanto a Irlanda perdia cerca de dois terços de seus habitantes (em 2005 a população da Irlanda ainda era menor do que em 1870). Várias guerras ocorreram, incluindo duas mundiais.

Mas essa época também marcou o início de um longo período de crescimento econômico. Mais importante ainda, após a 2ª Guerra Mundial, um equilíbrio tripartite foi encontrado entre as principais forças socioeconômicas ­ capital, governo e força de trabalho ­, gerando a estabilidade que tornou os Trinta Gloriosos (1945-1974) possíveisUnknown Object5.

Durante esse período pós-guerra de alto crescimento econômico, na segunda metade do século passado, capital e governos eram frequentemente representados pelas mesmas empresas, monopólios estatais, enquanto governos nacionais e empresas que eram campeãs nacionais tinham uma significação clara para a força de trabalho. Tal situação permitiu a criação de empregos, o recolhimento de impostos, o planejamento de investimentos e a execução de medidas sociais.

Infelizmente, porém, a Revolução Digital, o livre comércio e as privatizações aumentaram perigosamente o poder do capital nos países ocidentais. Os detentores de grandes capitais tiveram acesso a novas e incríveis ferramentas para recolher montantes cada vez maiores de lucros de operações financeiras. Tais operações são implementadas por ordens instantâneas de compra e venda no mundo inteiro, operando com dinheiro virtual.

Assim, o capital, tendo sido dissociado dos governos, começou a emigrar para onde os ganhos são maximizados. Companhias implantam-se em paraísos fiscais, processos são externalizados, hedge-funds têm a última palavra contra cidadãos etc. Como podem os governos proteger a força de trabalho e os cidadãos, se não podem mais recolher taxas e impostos ou vender produtos manufaturados localmente?

De volta para o presente  

A discussão exposta mostra que os governos precisam de novas estratégias para atrair o capital, a fim de manter o equilíbrio social por meio da criação de empregos, da arrecadação e da produção de mais-valia. Suas ferramentas são, mais do que nunca, o capital humano, infraestruturas, leis trabalhistas, leis fiscais, capital de risco, direitos intelectuais, entre outros. Enquanto os empregos da "velha economia" são internacionalizados, o capital cerebral torna-se um dos mais importantes recursos, tanto que os processos desenvolvidos na China e na Índia sobem continuamente de nível.

O início deste século trouxe desemprego e agitação social em muitos países. Se por um lado a maior parte dos empregos perdidos exige competências antigas, por outro lado os países encontram dificuldades para preencher os novos empregos criados, pois são baseados em TIC e exigem competências novas, repercutindo em movimentos populacionais. Após o recente alargamento da União Europeia, cerca de meio milhão de poloneses mudaram-se para o Reino Unido e a Irlanda, enquanto cidades romenas inteiras transferiram-se para países como a Itália, esses três países sendo considerados paraísos empregadores por tais imigrantes.

No entanto, os locais onde a maioria dos postos de trabalho está sendo criada encontram-se a milhares de quilômetros ao Leste, na China, na Índia e nos países produtores de petróleo. Mas como a cultura ou a religião diferem, os potenciais imigrantes ocidentais são desencorajados e o fluxo migratório permanece pequeno. Por outro lado, um grande número de chineses e indianos altamente qualificados está retornando à pátria após um período de estudos ou treinamento na Europa e nos EUA.

A crise econômica era inevitável, pois os países ocidentais não se prepararam convenientemente para enfrentar a Revolução Digital. A desaceleração econômica foi atenuada no início por um grande crescimento de produtividade gerado pela integração das TIC aos processos internos das empresas; mas isso já não é suficiente. Uma mudança de paradigma é agora necessária.

O caminho a seguir

Os governos devem integrar plenamente o poder das TIC. O indiscutível e crescente peso do setor das TIC na economia (hardware, software e serviços) estabelece uma base sólida para essa integração. No entanto, os impactos econômicos e sociais das TIC vão muito além das fronteiras de seu setor econômico. Como mencionado anteriormente, elas são ferramentas que constituem e facilitam quase todos os setores da economia e da sociedade.

Ademais, a Revolução Digital vai trazer uma nova maneira de pensar, que será orientada para soluções otimizadas, pois no núcleo das TIC encontram-se algoritmos, que são receitas para solucionar e otimizar problemas complexos. A prospectiva Ciência 2020 efetuada pela Microsoft em 2005 previu o abandono de um mundo que era regulado por sistemas de fórmulas, no século passado, em favor de um novo mundo regulado por sistemas de algoritmosUnknown Object6.

O impacto mais visível da Revolução Digital está nas comunicações instantâneas em todo o mundo, que dão a impressão de que as distâncias são reduzidas ao extremo. O período de vida dos processos empresariais, incluindo os produtos, também tem sido constantemente encurtado. Logo, flexibilidade é a nova senha. Flexibilidade de competências, flexibilidade do mercado de trabalho, flexibilidade da regulamentação do trabalho, e assim por diante.

Uma implicação é o consenso crescente de que a melhor maneira de lidar com a Revolução Digital é através da educação da maioria da população para que ela aprenda a aprender rapidamente, a fi m de lidar com a maior flexibilidade de nossos cotidianos e com a velocidade cada vez maior dos ciclos tecnológicos e dos processos negociais. De particular importância é o ensino de Ciências da Computação e da Comunicação. Note-se que a tônica deve ser colocada em Ciências e não em tecnologias. É a capacidade de dominar essas Ciências que tornará os cidadãos capazes de lidar com o ritmo acelerado de progresso tecnológico, que já enfrentamos hoje em dia.

Os países que melhor se adaptarão ao século 21 serão aqueles que utilizarem as TIC como uma arma estratégica para promover sua economia e o bem-estar social. As intervenções maciças por parte dos governos em 2008 e 2009, destinadas a contrariar o colapso econômico mundial seriam usadas de um modo mais sensato se tivessem sido concebidas para preparar as suas sociedades para o século 21 com investimentos em infraestruturas e em pesquisa em TIC, com atenção também em pesquisa e inovação facilitadas pelas TIC, como em Ciências da Vida.

Indivíduos e a sociedade devem entender que na denominação mundialmente utilizada Revolução Digital existe a palavra "revolução". Como disse a comissária europeia Viviane Reding, com relação à crise econômica atual: "As TIC não precisam de um plano de salvamento. As TIC são o plano de salvamento"7Unknown Object.

Afonso Ferreira é diretor de pesquisa no Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris, e chefe das operações científicas no Cost Office, em Bruxelas