Sociedade

Nas campanhas de 2010, disseminação de preconceitos no mundo virtual colocam em risco os espaços para o debate de propostas

Bom jornalismo e debates honestos na internet não serão a marca das campanhas de 2010, que já estão a pleno vapor. No mundo virtual, preconceitos são disseminados cotidianamente por pessoas que preferem caluniar ou ofender em vez de debater propostas

No lançamento da candidatura de José Serra eu estava fora do país. Nas tevês internacionais, as notícias sobre o Brasil eram todas focadas nas enchentes no Rio de Janeiro. Fora do Brasil, o lançamento da candidatura de José Serra foi obliterado pela tragédia das inundações que assolavam cariocas e niteroienses.

No Brasil, dois dias depois, o site nacional do PT foi invadido, exibindo um alerta de que o "portal poderia danificar o computador", e no dia 14 de abril os invasores publicaram foto do candidato do PSDB, a assinatura "PSDB Hackers!", o slogan da campanha de Serra e o endereço do site do partido. Em O Globo, a assessoria do PSDB negou participação e afirmou que apoiava "uma ampla, geral e irrestrita investigação por parte da Polícia Federal". André Vargas, secretário de Comunicação do PT, associou a invasão ao tom virulento da campanha: "É lógico que não é o PSDB, mas dá para dizer que é algum simpatizante e, com certeza, não é um simpatizante do PT". O site pessoal da candidata Dilma Rousseff (www.dilmanaweb.com.br), só nos três primeiros dias de lançamento, teve 7 mil tentativas de invasão de crackers.

O Partido da Imprensa 

O veterano do Washington Post Carl Bernstein, que em parceria com Bob Woodward desvendou o caso Watergate e levou à renúncia de Nixon, esteve no Brasil para um seminário sobre mídia e liberdade de expressão. Segundo Bernstein, na imprensa abunda "um culto à celebridade, pela fofoca, pelo sensacionalismo, pela negação das verdadeiras condições de nossas sociedades e pela fabricação de controvérsias". Ele chamou a atenção para o mau uso da liberdade de imprensa, que só serve ao "interesse da ignorância e da tirania". Para Bernstein, jornalistas devem "encorajar uma nova cultura de responsabilidade", do contrário não serão "levados a sério" quando trouxerem "questões relativas à liberdade de expressão".

A imprensa brasileira, um monopólio controlado por cerca de sete famílias, está pouco interessada no bom jornalismo de Bernstein, pois fabrica notícias e transforma suas redações em comitês eleitorais. Para ficar em dois exemplos gritantes de tal prática, vejamos o caso da ficha falsa de Dilma e do jingle dos 45 anos da Globo.

Em 25 de abril de 2009, a Folha de S.Paulo publicou com destaque uma ficha falsa do Dops da então ministra-chefe da Casa Civil. A empresa de comunicação abriu mão de fazer o mais primário no jornalismo: checar a veracidade de um documento. Nenhum de seus repórteres pesquisou no Arquivo Público do Estado de São Paulo se a imagem que receberam por e-mail era uma cópia do documento original.

Embora Dilma Rousseff tenha negado as acusações a ela imputadas e a própria fonte que o jornal usou como testemunha de acusação da ministra tenha negado a informação publicada, a retratação do jornal dias depois foi pífia.

Até hoje e-mails com essa ficha falsa de Dilma circulam na rede "legitimada" pela publicação na Folha. Há um ano o jornal da família Frias turbinou a disseminação do hoax que circulava nos blogs de extrema direita que acusavam Dilma de "terrorista" desde pelo menos novembro de 2008! Dilma "terrorista", "guerrilheira" são os principais motes do terrorismo da campanha adversária, que se aproveita do desconhecimento das pessoas sobre um dos períodos mais violentos da história do Brasil ­ a ditadura militar (que, por sinal, a Folha acredita que não existiu e qual, em editorial em fevereiro de 2009, defendeu como "ditabranda").

Em 17 de maio de 2010, a Folha dá voz ao general Maynard Marques Santa Rosa, que, além de atacar o Plano Nacional de Direitos Humanos 3, disse que a implementação da Comissão da Verdade seria justa se se perguntasse a "Dilma Rousseff quantas pessoas ela assaltou, torturou, matou..." A essa formulação acusatória, a jornalista Eliane Cantanhêde não fez questionamento algum ao general.

No último questionário de pesquisa eleitoral do DataFolha de maio, registrado no TSE,é estranha a inclusão de questões sobre "terrorismo" em um conjunto que tinha como objetivo verificar a preferência dos eleitores em relação aos candidatos à Presidência.

A Folha de S.Paulo também desencadeou uma série de matérias que punham em xeque os institutos de pesquisa que não apresentavam o mesmo resultado do instituto de seu grupo empresarial, a ponto de o Movimento dos Sem-Mídia entrar com representação no Ministério Público para investigar todos os institutos.

Em 18 de abril de 2010, a Rede Globo colocou no ar um jingle para comemorar os 45 anos da emissora. Além de grafar o número 45 com a mesma fonte usada pelo PSDB, o slogan do jingle era muito semelhante ao da campanha do partido. No mesmo dia, Marcelo Branco, coordenador de internet e redes sociais da campanha de Dilma, denunciou via twitter: "Jingle de comemoração dos 45 anos da TV Globo embute, de forma disfarçada, propaganda pró-José Serra". Poucas horas depois a emissora retirou a campanha do ar.

Na mesma semana, os blogueiros globais, especialmente Noblat, iniciaram uma campanha de difamação de Marcelo Branco. Noblat também criou um post hermético com o título "Censurem Dilma!", que imediatamente foi postado centenas de vezes por twitteiros da campanha de Serra, como RedePSDB e TucanoJr, entre outras contas. A tag #censuremdilma foi parar no Trending Topics do twitter.

Os "brucutus" do mundo virtual 

No artigo "Jogo sujo na rede", na Carta Capital, de 25 de abril, o jornalista Leandro Fortes fez um apanhado de como os partidos usarão na campanha as redes sociais da internet. Segundo ele, a agência que coordena a campanha do PT na rede é a Pepper Comunicação Interativa, pela qual Marcelo Branco foi contratado. O uso da rede pelo PT é para disseminar o currículo de Dilma Rousseff contrapondo-se à campanha detratora dos sites de extrema direita, por vezes reverberada e turbinada pela grande mídia.

Do lado tucano são quatro empresas: a Loops Mobilização Social, subordinada a agência Sinc, além da Knowtec e Talk Interactive. Fortes mostra todas as relações que essas agências têm com PSDB, PV e DEM, suas ações em outras campanhas e contratos com administrações da coligação de Serra, algumas investigadas pelo Ministério Público. Segundo o jornalista, tais agências são apenas a parte visível da campanha virtual do PSDB. O fator invisível chama-se Eduardo Graeff, tesoureiro do PSDB, ex-secretário-geral no Palácio do Planalto de FHC. "Graeff organizou um grupo de twitteiros e blogueiros para inserir mensagens na rede social da internet, inicialmente com conteúdo partidário a favor da candidatura de Serra. A realidade, no entanto, tem sido outra. Em vez de militantes tucanos formais, a rede de Graeff virou um ninho de brucutus que preferem palavrões, baixarias e frases feitas a qualquer tipo de debate civilizado. O objetivo dessa turma é espalhar insultos ou replicar mentiras na rede".

Fortes não poupa críticas aos petistas que cedem ao ataque e, por vezes, se igualam aos detratores.

Acompanho a campanha do PSDB e do PT no twitter. Nada se iguala ao baixo nível dos pró-tucanos, que já me renderam alguns posts no blog.

Sexismo e outros preconceitos 

Na linha da campanha virulenta da coligação demotucana e, diante do insucesso de colar na candidata Dilma a pecha de "terrorista", "guerrilheira", "inexperiente", a reação ao crescimento nas pesquisas da candidata do PT foi desqualificá-la como mulher. Escrevi no Blog da Mulher sobre sexismo na campanha em que partidários de todas as profissões, via twitter e outros blogs, buscam com piadas e comentários grosseiros atacar a mulher Dilma (http://www.viomundo.com. br/blog-da-mulher/sexismo-na-politica-digital-do-twitter.html). Sobre outros preconceitos dos simpatizantes de Serra, volto a chamar a atenção em dois artigos (http://mariafro.com. br/wordpress/?p=2381 e http://mariafro.com.br/wordpress/?p=2323).

O sexismo tornou-se tão corrente que tem feito até tucanos serem alertados do risco de perder votos de suas eleitoras. Foi o caso do deputado estadual e presidente do PSDB do Paraná, Valdir Rosini, que depois de ser questionado por uma eleitora tucana, a estudante de direito da Universidade Federal do Paraná Vanessa Brito, sobre uma piada que fez sobre Dunga disse: "Você deve ser mal amada". Ela deu o troco: "Antes falta de amor do que de bom senso, deputado. Reveja seus atos perante os cidadãos, assim como vou rever meus votos no PSDB".

Se nem a alta plumagem do tucanato controla a manifestação de seus preconceitos no twitter, imaginem os de baixa plumagem. Os blogs de extrema direita que seguem a linha detratora, alguns financiados pelo PSDB, como o site Gente Que Mente, de responsabilidade de Graeff, continuam a pleno vapor.

Mas a baixaria não se restringe ao mundo virtual. Em 11 de maio de 2010, O Globo noticiava que Paulo Bornhausen fazia uso da estrutura de recursos públicos ­ as instalações, os equipamentos e o pessoal do gabinete da liderança do DEM ­ para distribuir papers aos oposicionistas com ataques a Dilma. A autoria? O marketing de Serra, o publicitário Luiz Gonzales, que um mês antes havia apresentado o "produto" aos partidos de oposição. Ao ser questionado, o líder Paulo Bornhausen qualificou a prática dessa irregularidade como "uma falha operacional" (http://www.brasiliaconfidencial. inf.br/?p=15366).

Dois pesos... 

O TSE já julgou e condenou várias vezes Lula, o PT e a candidata Dilma por propaganda antecipada. Em março Lula foi multado duas vezes: em R$ 5 mil, por decisão do ministro auxiliar do TSE Joelson Costa Dias, e em R$ 10 mil, pelo plenário do tribunal. Em 13 de maio o plenário do TSE condenou o PT por propaganda eleitoral antecipada. Além da multa de R$ 20 mil, durante os seis primeiros meses de 2011 o partido não poderá veicular propaganda partidária. Os ministros decidiram também multar a candidata Dilma, em R$ 5 mil.

Em 30 de abril de 2010, o PT entrou com representações contra o Gente Que Mente. De acordo com Graeff, a audiência do site detrator financiado pelos tucanos aumentou em dez vezes após as representações. Além deste, o dirigente tucano registrou outro domínio antipetista: o site por hora inativo "Petralhas", que está em nome do Instituto Social Democrata, criado pelo ex-presidente FHC.

Em 17 de maio, mais uma vez o ministro Joelson Dias entra em cena desfavorecendo o PT ao julgar improcedente a representação contra o PSDB pelo site Gente Que Mente. Na avaliação do ministro, "se o governante pode divulgar publicidade institucional e referir-se às realizações de sua administração antes do período oficial da propaganda eleitoral, sem que isso configure propaganda antecipada, é razoável que também se assegure àqueles que se apresentam como seus adversários políticos o direito de criticar referida ação administrativa, ainda que tal crítica seja desabonadora de sua conduta".

Curioso o fato de Lula ter sido condenado pelo mesmo ministro e por propaganda eleitoral antecipada!

O PT vem tentando usar dos mecanismos legais contra práticas semelhantes do que é acusado constantemente pelo PSDB na Justiça, mas com menos sucesso. Em 29 de abril, um diretório municipal do PT entrou com representação contra Serra pelo uso de sua imagem nas propagandas do rodoanel. Mas o ministro Aldir Passarinho entendeu que um diretório municipal "não tem legitimidade para propor demandas no TSE quando o alvo são as eleições presidenciais, razão pela qual a representação tem de necessariamente ser arquivada".

E a guerra mal começou 

Nos EUA, as redes tiveram papel importante para que os democratas pudessem desconstruir a campanha difamatória contra Obama. O twitter é um bom revelador do que a camada dominante, a classe média majoritária do Sudeste, tanto da esquerda como da direita, pensa e de como políticos e assessores se expressam. E mais, o twitter reverbera links de jornais da grande mídia e, por vezes, alimenta matérias e blogs de seus jornalistas, pois eles estão em peso nessa rede.

Muitos twitteiros que postam assuntos relativos às eleições procuram manter a civilidade e buscam o debate político. Procuro me inserir nessa categoria, não replicando posts ­ nem mesmo de petistas ­ que considero fugir do debate político ou me soam grosseiros. Há humor na política? Muito! Políticos são matérias fartas para bons humoristas. Mas fazer humor inteligente exige consciência crítica, sustentá-lo só no preconceito é de mau gosto.

Não é segredo que sou uma blogueira ativista crítica às mazelas que vivo em minha cidade. Também não é segredo para ninguém que defendo uma candidatura feminina, feminista e progressista. Mas por fazer essa defesa já fui alvo dos detratores pró-tucanos (assunto que explico em http:// mariafro.com.br/wordpress/?p=2002). Acho uma guerra inglória essa onda de difamação e ataques sem fi m e busco não me cansar com isso, pois realmente me falta tempo para picuinhas.

A baixaria na rede, o partidarismo da imprensa e a batalha no TSE são apenas uma pequena mostra do que há por vir. Preparem-se.

GLOSSÁRIO 

Cracker: aquele que pratica a quebra (ou cracking) de um sistema de segurança, de forma ilegal ou sem ética.

Hacker: programador que elabora e modifica software e hardware de computadores, desenvolvendo funcionalidades novas ou adaptando antigas.

Hoax: histórias falsas que circulam pela internet, via email ou redes sociais.

Post: Informação publicada em veículos online, especialmente blogs, de formatos diversos, como textos, imagens, áudio e vídeos. Postar: Publicar post em veículo na internet.

Tag: Método de indexação para websites. Permite, com a utilização de termos ou palavras-chave (as tags) organizar dados publicados em veículos online de modo não hierárquico, possibilitando a navegação e cruzamento de informações segundo interesses específicos.

Twitter: rede social e servidor para microblogging que permite aos usuários enviar e receber atualizações de outros contatos em textos de até 140 caracteres, em tempo real.

Twitteiro: usuário assíduo do twitter. Trending topics: lista de assuntos mais citados no twitter.

Conceição Oliveira é historiadora, autora de coleções didáticas, consultora e produtora de série para televisão, blogueira e twitteira nas horas vagas.