Cultura

As novas tecnologias, o meio digital e a internet aumentam a necessidade de debater novos modelos jurídicos

As novas tecnologias, o meio digital e a internet aumentam a necessidade de debater novos modelos jurídicos e remetem à formulação de políticas públicas voltadas às possibilidades postas para a sociedade da informação. No caso brasileiro, o monopólio do ECAD é também tema de discussão

Foto: Fábio Pozzebom/ABr

Em 2007 o Ministério da Cultura (MinC) iniciou uma ampla discussão sobre a necessidade de atualizar a legislação autoral no Brasil, promovendo a criação do chamado Fórum Nacional de Direito Autoral.

Vários são os motivos que, já àquela época, podiam ser indicados para afirmar a pertinência de  debater uma reforma da nossa atual legislação. Com efeito, o rápido avanço das tecnologias de comunicação e informação, o digital, a internet e as novas possibilidades de compartilhamento, fizeram emergir uma nova cultura de remix e mashups de informação e conteúdo (em grande parte protegida). A nova cultura emergente, nesse sentido, desafiou os modelos jurídicos existentes e passou a exigir uma ampla discussão e reflexão orientada para a formulação de políticas públicas adequadas à sociedade da informação.

Contudo, ao passo que a engrenagem tecnológica vem girando no sentido de ampliar as possibilidades de compartilhamento, a engrenagem legal, tem se movido através da história na direção oposta. Tanto no âmbito doméstico como no cenário internacional, observa-se que a regra tem sido a defesa de regimes mais rígidos de proteção ao direito de autor.

No âmbito internacional, para ficar em um exemplo recente, isso pode ser observado pelas negociações feitas a portas fechadas de um novo tratado batizado Anti-Counterfeiting Trade Agreement (Acta), que aponta claramente o aumento dos esforços no combate a violações de direitos de propriedade intelectual (incluindo aqui os direitos de autor). Outros exemplos poderiam ser citados, entretanto, como a aprovação da Lei HadopiUnknown Object1 na França e a ampliação do prazo de proteção das obras nos Estados Unidos.

No âmbito doméstico, a mesma história se repete. A Lei do Direito Autoral (LDA) brasileira atual (Lei n° 9.610 de 1998) tornou-se mais rígida em comparação com a lei n° 5.998 de 1973, a antiga lei a versar sobre o tema. Exemplo disso é que na legislação anterior era possível fazer uma cópia integral de uma obra; sem fins lucrativos, enquanto a legislação atual permite apenas a cópia de pequenos trechos. Ou seja, copiar uma música de um CD para um MP3 player era possível pela lei de 1973, mas não pela de 1998.

Mas seria a evolução tecnológica o único motivo a dar ensejo a uma revisão da legislação? É certo que não.

Há muitos outros problemas na legislação autoral brasileira que vêm sendo debatidos na sociedade mesmo antes de 2007. O mais notável e espinhoso de todos é certamente a ausência de supervisão sobre a gestão coletiva de direitos, em especial sobre a entidade privada que, por lei, possui o monopólio sobre a arrecadação e distribuição de direitos autorais ligados à música no Brasil: o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

<--break->A gestão coletiva de direitos autorais é caracterizada pela organização dos autores para o exercício de seus direitos, como autorizar e arrecadar valores pela execução pública de suas obras em shows, bares etc. e distribuir os valores arrecadados para os legítimos titulares das obras executadas.

No modelo atualmente implantado no Brasil, a lei determina que a arrecadação e distribuição relativa à execução de músicas seja feita por uma única instituição – o Ecad – sem estabelecer como contrapartida nenhuma supervisão estatal. Vários fatos indicam que essa situação está longe da ideal, como a recente investigação do Ecad pela Secretaria de Direito Econômico e três CPIs instauradas em diferentes anos e Unidades da Federação (Brasília, Mato Grosso do Sul e São Paulo) para apurar abusos e a falta de transparência da entidade.

Emblemático, nesse sentido, o trecho do relatório final da CPI da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo2Unknown Object, transcrito abaixo,  que afirma:

As oitivas e os documentos obtidos ao longo desta CPI, todos anexados e fazendo parte integrante do processo, levaram à conclusão primordial de que o assunto “direitos autorais” ligados à música encontra-se em estado institucional anárquico, pois o Estado perdeu o poder de normatização, supervisão e fiscalização que antes possuía, pela Lei nº 5.998/73, revogada que foi pela Lei nº 9.610/98. A maior decorrência do novo status dos direitos autorais no Brasil foi descarregar sobre os ombros do Ecad, recriado pela Lei nº 9.610, o poder e a responsabilidade pela arrecadação, distribuição e estabelecimento dos critérios de funcionamento do sistema. A entidade, ao se ver livre do poder de fiscalização do governo, exorbitou das suas obrigações financeiras, legais e estatutárias, dando origem a irregularidades de tal monta que já deram origem a duas CPIs, uma em Brasília (em 1995) e outra em Mato Grosso do Sul (em 2005), que não produziram os resultados esperados pela classe dos músicos.

O relatório final da referida CPI, depois de apontar tal situação, indicou uma série de medidas para reverter o que chamou de estado institucional anárquico, apelando para uma ampla revisão da Lei n° 9.610/98 que contemplasse a criação de uma entidade pública nacional reguladora do direito autoral no país. A função dessa entidade seria, entre outras, fiscalizar a atuação do Ecad, assegurar a transparência de todos os seus atos e garantir uma participação e representação paritária dos associados em suas decisões.