Política

A vitória de Dilma Rousseff foi do eleitorado brasileiro que não se deixou contaminar pela campanha oposicionista

A vitória de Dilma Rousseff foi do eleitorado brasileiro que não se deixou contaminar pela campanha oposicionista de ataques sórdidos, pela manipulação religiosa e pela chantagem da “ameaça à democracia”.

O que podemos refletir a partir dessa aflitiva experiência política, paradoxalmente a campanha presidencial mais despolitizada desde a memória das “diretas”?

Proponho discutir alguns pontos como opinião pessoal, de militante e cidadã ativa, e não como análise de ciência política, o que pretendo fazer mais tarde. A campanha reforçou, com impenitente realismo, como o conservadorismo abrange desde os interesses do agronegócio e o mercado financeiro até os pobres explorados pelo fundamentalismo religioso, passando por herdeiros do falso moralismo udenista e (quem diria?!) por intelectuais seduzidos pelo tal neoliberalismo, apesar de ainda se apresentarem com fumos de – digamos – um certo marxismo estético.

É claro que os setores poderosos não manteriam sua hegemonia sem duas forças coesas: as Forças Armadas e, sobretudo, os proprietários dos meios de comunicação de massa.

É desse complexo militar-religioso-financeiro-mídia (não por acaso os mesmos grupos que articularam o golpe de 1964) que virá a ofensiva de uma renovada direita que jamais se conformou com o sucesso interno e externo dos oito anos do governo Lula.

Só para lembrar alguns casus belli que serão reativados pela direita: a regulamentação dos meios de comunicação, execrada por nossos “liberais”, embora prática comum nas democracias contemporâneas; a retomada do Plano Nacional de Direitos Humanos, também execrado justamente pelo que propõe seguindo os ditames da ONU e de nossa Constituição; e a política externa insubmissa aos interesses norte-americanos, considerada uma traição à nossa tradicional diplomacia.

Creio que a despolitização da campanha presidencial no sentido da ausência da “grande política” deve ser analisada, sem preconceitos, como outro tipo de politização. Esta decorreu da consciência do valor do voto para escolher a continuidade de políticas públicas que a maioria do povo considerou positivas para “melhorar de vida”. Tal politização, sem dúvida alimentada pela popularidade de Lula, não é desprezível. É nesse sentido que o artigo de Maria Rita Kehl foi considerado tão afrontoso, a lhe valer a demissão do Estadão, notório alter ego de interesses oligárquicos.

A festa foi bonita, pá... Mas não nos iludamos. O bloco multipartidário de apoio à “governabilidade” pode ser tão temível quanto o bloco da direita explícita.

Será da legítima liderança do PT e de seus mais confiáveis parceiros que podemos esperar o aprofundamento do programa de desenvolvimento com justiça social que justifica nossa luta. Quero reafirmar agora o essencial da reflexão que fiz quando da discussão do Código de Ética do partido. “O Partido dos Trabalhadores nasceu, cresceu e se consolidou inspirado pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Sua marca de raiz, que o distinguia na vida pública, consistiu na adesão aos princípios éticos da melhor tradição socialista, democrática e republicana. No entanto, o rápido crescimento do partido e sua ascensão às várias instâncias do poder propiciou, em alguns casos, a substituição do comportamento ético pelo pragmatismo decorrente da funesta crença de que ‘os fins justificam os meios’. O PT tem a obrigação de corresponder à responsabilidade assumida com seu programa, com a antiga e nova militância, com os movimentos sociais e com a esperança que fez brotar no povo brasileiro.”

Como sempre, vale Gramsci: “ceticismo no diagnóstico, otimismo na ação”.

Maria Victoria Benevides, socióloga, professora titular da Faculdade de Educação da USP e militante do PT