Política

A vitória de Dilma simboliza uma virada cultural em um país ainda tão marcado por preconceitos, potencializados pela campanha adversária

Cabe-nos, também, atuar de forma independente junto aos movimentos sociais, aos setores médios e à chamada nova classe média, defendendo as demandas de cunho democrático popular e politizando-as

Foi uma vitória histórica do povo brasileiro. De todas as etnias, de todos os gêneros, de todos os credos, de todas as classes, de todos os quadrantes. Até mesmo se excluído o eleitorado do Norte e do Nordeste, regiões que os xenófobos separatistas gostariam de ver apagadas do mapa, ainda assim Dilma Rousseff teria ganhado a Presidência da República por mais de meio milhão de votos.

A eleição de Dilma, para além de assegurar a continuidade e o avanço das mudanças iniciadas pelo presidente Lula, simboliza, em si, uma virada cultural significativa num país ainda tão marcado por preconceitos, que a campanha adversária potencializou:mulher e militante da esquerda que combateu a ditadura de 1964.

A candidatura adversária, soi disant progressista, fincou suas alianças na extrema-direita e desencadeou uma campanha retrógrada, preconceituosa e de cunho golpista. Mas foi incapaz de resistir à força do PT, de seus aliados e, sobretudo, da militância, que tiveram na popularidade do presidente Lula e no legado de seu governo um programa defendido com habilidade e firmeza pela agora presidenta.

Desfizeram-se, por fim, as velhas ilusões daqueles que, dentro e fora do PT, viam no PSDB um companheiro de viagem, uma agremiação que agregaria, num governo de cogestão, sua propalada competência técnica à nossa vocação para o social...

Na verdade, parentesco do PSDB com o PT nunca existiu. Se existe algum é com a UDN do século passado, adversária ferrenha da reforma agrária, do movimento sindical e mentora do golpe de 1964. Outra característica da UDN herdada pelos tucanos é o moralismo, exaustivamente revivido na campanha serrista.

Envolvidos com a privataria, com as denúncias de compra de votos, com alguns de seus quadros acusados de envolvimento em negociatas com recursos públicos, ainda assim muitos tucanos enaltecem suas supostas qualidades morais, inspiradas numa ética de decência, vergonha e dignidade integralmente desconectada de sua prática política, nitidamente de direita.

Finda a refrega, a presidenta estendeu a mão para a oposição, que, refundada ou não, se espera cumpra seu papel nos marcos do regime democrático.

Diferentemente de oito anos atrás, quando Lula encontrou o país a soçobrar, Dilma governará um país republicano, com níveis de desemprego noruegueses, com mais oportunidades para todos, a população otimista, confiante no futuro e num grande destino para a Nação. A ela caberá, em meio a uma conjuntura internacional carregada de incertezas, vencer os desafios que nos esperam.

São muitos. E o maior deles foi lançado por ela mesma como compromisso de mandato: erradicar a miséria extrema até o final de 2014.

Para tanto, é vital manter as políticas de distribuição (e redistribuição) de renda e geração de emprego, asseguradas já nas primeiras entrevistas e na reafirmação da agenda quando da escolha da equipe da área econômica: manutenção do crescimento sustentado; redução do déficit público; levar a 30% a relação dívida líquida/PIB; crescimento real do salário mínimo; controle da inflação; e queda da taxa de juro real até 2014.

Ao PT, como principal partido da coalizão, incumbe articular maioria parlamentar e contribuir na mobilização e organização da sociedade para viabilizar o cumprimento do programa de governo.

Nesse aspecto, há duas tarefas imediatas: a reforma político-institucional, sem a qual se aprofundará o descrédito da política, o que é pernicioso para a democracia; e a democratização da comunicação, a fim de fortalecer a liberdade de imprensa e de expressão na era da convergência das mídias e da “sociedade da informação”.

Cabe-nos, também, atuar de forma independente junto aos movimentos sociais, aos setores médios e à chamada nova classe média, defendendo as demandas de cunho democrático popular e politizando-as. Até para que não se cristalize a constatação, feita pelo professor André Singer em artigo recente, de que nossa principal base social apoia as políticas de distribuição de renda do governo Lula (e se beneficia delas), mas opõe-se à “radicalização política”.

Finalmente, é nosso papel permanente travar a disputa de hegemonia na sociedade, empenhando-nos para aprofundar a democracia no Brasil e para que o país sirva de exemplo a todos os povos que lutam por um mundo mais justo, menos desigual, livre de discriminação e preconceitos.

Rui Falcão, deputado estadual (SP) e vice-presidente nacional do PT