Sociedade

No século 21, as brasileiras ainda debatem as possibilidades de participarem de fato em todos os espaços da política

A mulher é por natureza um sujeito político. Sua forma peculiar de enxergar a realidade, de interagir com seu meio e de inquietar-se diante das injustiças e desigualdades a instiga a buscar permanentemente o aprimoramento das relações a seu redor, ainda que, em algum momento, não se reconheça como tal. A história revela que, mesmo nos períodos de intensa discriminação social, seu senso de justiça e seu desejo de participar sempre estiveram manifestos, embora geralmente reprimidos por comportamentos característicos de uma cultura patriarcalista. Essa cultura, por tempos, inibiu e puniu (prática que ainda se reproduz de maneira mais ou menos recorrente e explícita) quem ousou romper seus valores. Mesmo assim, sempre houve mulheres dispostas a não se intimidar e a lutar pelo direito de exercer sua natureza participativa e revolucionária.

No campo da participação política, a reivindicação inicialmente mais marcante foi pelo direito ao voto, em uma demonstração clara de sua compreensão de que é pelo exercício do direito de escolha que os caminhos da sociedade vão sendo traçados. Em um breve retrospecto, de acordo com os registros da história recente, a luta pelo direito ao voto teve início em meados do século 19, com o engajamento de mulheres norte-americanas pelo fim da escravatura nos Estados Unidos. Mas foram as mulheres da Nova Zelândia as primeiras no mundo a conquistar esse direito, em 1893 – uma conquista histórica que tinha tudo para ser contabilizada nos registros da história brasileira.

Em 1890, quando estava sendo elaborada a primeira Constituição da República do país, o direito da mulher ao voto era defendido pelo médico e intelectual baiano César Zama. Rejeitada, a proposta retornou para discussão em 1º de janeiro de 1891, quando Saldanha Marinho obteve a assinatura de 31 constituintes em emenda de sua autoria ao projeto de Constituição, assegurando a elas o referido direito. A emenda não foi aprovada, e o Brasil perdeu seu lugar na história para a Nova Zelândia. Ainda segundo os registros, após a rejeição da emenda, o então constituinte César Zama fez o seguinte pronunciamento: “Bastará que qualquer país importante da Europa confira-lhes direitos políticos e nós o imitaremos. Temos o nosso fraco pela imitação”.

O tempo passou, as tentativas persistiram no Congresso Nacional, as militantes feministas se organizaram cada vez mais e o então governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, deu ao Brasil o exemplo ao alterar a legislação eleitoral no estado e estender o voto às mulheres. E foi no município de Lages (RN), em 1928, que se elegeu a primeira prefeita no Brasil. Alzira Teixeira Soriano, do Partido Republicano, tomou posse em 1º de janeiro de 1929. Perdeu seu mandato com a Revolução de 1930, por discordar do governo de Getúlio Vargas. Dois anos mais tarde, Getúlio promulgou o novo Código Eleitoral, garantindo, enfim, o direito ao voto às mulheres. No ano seguinte, em 3 de maio de 1933, a mulher votou pela primeira vez, em âmbito nacional, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, elegendo aí a paulista Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada brasileira.

De lá para cá muitas mudanças ocorreram. Foram eleitas vereadoras, prefeitas, deputadas, senadoras e, agora, em 2011, temos a primeira presidenta do Brasil e, na Câmara Federal, a primeira mulher a ocupar uma vaga na mesa diretora.

A legislação eleitoral também sofreu várias alterações. Primeiro, a cota que obrigava os partidos a reservar no mínimo 20% (1995) de suas vagas para candidatas, passando para 25% (1997), até chegar à determinação de preenchimento (e não mais reserva) do mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Além disso, instituiu-se a obrigatoriedade de destinação de, no mínimo, 10% do tempo na propaganda partidária gratuita em horário de rádio e televisão e de, no mínimo, 5% dos recursos do fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (2009). Tais mudanças resultaram da mobilização das mulheres, que, embora compreendam mais de 50% da população brasileira, ainda têm representatividade numérica pouco significativa nos espaços políticos de poder e decisão.

A mulher é por natureza um sujeito político. Sua forma peculiar de enxergar a realidade, de interagir com seu meio e de inquietar-se diante das injustiças e desigualdades a instiga a buscar permanentemente o aprimoramento das relações a seu redor, ainda que, em algum momento, não se reconheça como tal. A história revela que, mesmo nos períodos de intensa discriminação social, seu senso de justiça e seu desejo de participar sempre estiveram manifestos, embora geralmente reprimidos por comportamentos característicos de uma cultura patriarcalista. Essa cultura, por tempos, inibiu e puniu (prática que ainda se reproduz de maneira mais ou menos recorrente e explícita) quem ousou romper seus valores. Mesmo assim, sempre houve mulheres dispostas a não se intimidar e a lutar pelo direito de exercer sua natureza participativa e revolucionária.

No campo da participação política, a reivindicação inicialmente mais marcante foi pelo direito ao voto, em uma demonstração clara de sua compreensão de que é pelo exercício do direito de escolha que os caminhos da sociedade vão sendo traçados. Em um breve retrospecto, de acordo com os registros da história recente, a luta pelo direito ao voto teve início em meados do século 19, com o engajamento de mulheres norte-americanas pelo fim da escravatura nos Estados Unidos. Mas foram as mulheres da Nova Zelândia as primeiras no mundo a conquistar esse direito, em 1893 – uma conquista histórica que tinha tudo para ser contabilizada nos registros da história brasileira.

Em 1890, quando estava sendo elaborada a primeira Constituição da República do país, o direito da mulher ao voto era defendido pelo médico e intelectual baiano César Zama. Rejeitada, a proposta retornou para discussão em 1º de janeiro de 1891, quando Saldanha Marinho obteve a assinatura de 31 constituintes em emenda de sua autoria ao projeto de Constituição, assegurando a elas o referido direito. A emenda não foi aprovada, e o Brasil perdeu seu lugar na história para a Nova Zelândia. Ainda segundo os registros, após a rejeição da emenda, o então constituinte César Zama fez o seguinte pronunciamento: “Bastará que qualquer país importante da Europa confira-lhes direitos políticos e nós o imitaremos. Temos o nosso fraco pela imitação”.

O tempo passou, as tentativas persistiram no Congresso Nacional, as militantes feministas se organizaram cada vez mais e o então governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, deu ao Brasil o exemplo ao alterar a legislação eleitoral no estado e estender o voto às mulheres. E foi no município de Lages (RN), em 1928, que se elegeu a primeira prefeita no Brasil. Alzira Teixeira Soriano, do Partido Republicano, tomou posse em 1º de janeiro de 1929. Perdeu seu mandato com a Revolução de 1930, por discordar do governo de Getúlio Vargas. Dois anos mais tarde, Getúlio promulgou o novo Código Eleitoral, garantindo, enfim, o direito ao voto às mulheres. No ano seguinte, em 3 de maio de 1933, a mulher votou pela primeira vez, em âmbito nacional, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, elegendo aí a paulista Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada brasileira.

De lá para cá muitas mudanças ocorreram. Foram eleitas vereadoras, prefeitas, deputadas, senadoras e, agora, em 2011, temos a primeira presidenta do Brasil e, na Câmara Federal, a primeira mulher a ocupar uma vaga na mesa diretora.

A legislação eleitoral também sofreu várias alterações. Primeiro, a cota que obrigava os partidos a reservar no mínimo 20% (1995) de suas vagas para candidatas, passando para 25% (1997), até chegar à determinação de preenchimento (e não mais reserva) do mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Além disso, instituiu-se a obrigatoriedade de destinação de, no mínimo, 10% do tempo na propaganda partidária gratuita em horário de rádio e televisão e de, no mínimo, 5% dos recursos do fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (2009). Tais mudanças resultaram da mobilização das mulheres, que, embora compreendam mais de 50% da população brasileira, ainda têm representatividade numérica pouco significativa nos espaços políticos de poder e decisão.
A essas alterações, houve quem chamasse de reforma política. Contudo, o que se viu até agora foram mudanças pontuais específicas na legislação eleitoral. Reforma política é o que de fato o Brasil precisa; é o que é necessário para que o país avance rumo à consolidação da democracia. Com esse intuito, incube à sociedade, e de modo particular às mulheres, aproveitar que o tema está pautado e enfrentar o embate para que o Congresso Nacional promova uma verdadeira reforma no sistema político brasileiro.

Por que o engajamento das mulheres no debate da reforma política? Porque esse é o momento ideal para obterem as condições necessárias para efetivamente disputar e ocupar espaços de poder, de forma a refletir neles o papel que exercem socialmente. É por meio do engajamento nesse debate que poderão garantir as condições legais para forçar a abertura de espaço para participação nos partidos; assegurar que as disputas partidárias ocorram em condições de igualdade com os homens; e fazer com que os partidos invistam em sua formação política, no estímulo para que atuem e ocupem espaços em todas as suas instâncias e, consequentemente, nos demais poderes constituídos do Estado. É nessa reforma que poderão, em especial, fazer com que sejam reconhecidas e se reconheçam como protagonistas de uma nova história, de um modo diferenciado de fazer política, de pensar e valorizar o público como patrimônio coletivo, como instrumento de promoção da igualdade social.

Considerando essas e outras razões para que a reforma política ocorra e do modo mais participativo, abrangente e democrático possível, a Secretaria Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (SNMPT) ratifica as deliberações do 3º Congresso Nacional do PT (2007) acerca do tema, fazendo delas sua pauta, com uma única ressalva – a lista preordenada precisa ser, também, paritária e com alternância entre gêneros. Ainda em seu 3º Congresso, o PT aprovou a tese de que a reforma deveria ser feita por uma Constituinte exclusiva, livre, soberana e democrática, mas, ao que tudo indica, ninguém em atividade vai querer delegar tamanho poder.

Vale ressaltar que, visando à preservação do princípio democrático do direito ao voto, entre outras garantias, a lista preordenada deve ser conjugada com o sistema proporcional, único que assegura que cada eleitor corresponda a um voto e mantém, ao longo do tempo, a pluralidade partidária. O voto em lista preordenada é necessário para acabar ou pelo menos reduzir a competição e o personalismo interno nos partidos, além de permitir que os eleitores façam suas escolhas com base nos princípios e ideais partidários, e não na pessoa do candidato ou da candidata. Mas, para que esse mecanismo seja realmente democrático, como dito anteriormente, deve-se assegurar que seja paritário e com alternância entre gêneros, possibilitando que mulheres e homens tenham oportunidades iguais para se eleger.

Também está entre os pontos considerados indispensáveis, nessa reforma, a obrigação de convocação de plebiscitos para grandes questões de alcance nacional. A soberania popular se manifesta por meio de instrumentos como o plebiscito e o referendo. É certo que, quanto maior a participação do povo nos processos de decisão, melhor a democracia. Nesse sentido, a reforma política deve reforçar o princípio constitucional da soberania popular e garantir o direito do povo de debater e opinar sobre questões que podem afetar significativamente o destino da Nação, cabendo-lhe a decisão final. E as mulheres, a exemplo do que ocorre em qualquer pleito eleitoral, representam grande força política e enorme poder de influência em um processo de plebiscito ou referendo. Conscientes disso, poderão se apropriar desse instrumento democrático a fim de assegurar as mudanças que conduzirão a uma sociedade com igualdade de direitos e oportunidades.

É inadiável resgatar a importância do partido político enquanto organização que defende concepções e ideias sociais. Torna-se fundamental, assim, defender a fidelidade partidária, como meio de sobrepor o partido à pessoa, intimidando a troca de legendas, que em geral ocorre em função de interesses particulares do eleito. O mandato deve pertencer à legenda, e não ao candidato. A reforma política deve, portanto, dar um tratamento criterioso ao tema, ratificando o entendimento de que a vontade popular manifestada por meio do voto deve ser respeitada. A troca de partido deve significar perda de mandato, devendo a vaga ociosa ser preenchida pelo/a suplente da mesma legenda.

Para concluir, o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais é uma das proposições mais significativas e, provavelmente, uma das que mais incidirão diretamente sobre a candidatura feminina. As campanhas no Brasil, financiadas com recursos privados, privilegiam o acesso ao poder de representantes dos interesses dos grandes grupos econômicos e, consequentemente, a defesa desses interesses em detrimento dos da maioria. O financiamento com dinheiro público vai tornar a disputa mais equilibrada, mais transparente e mais barata, além de fazer com que o recurso alcance, também, as candidatas. Para que isso de fato ocorra, porém, é necessário que a lei preveja penalidades para quem burlar as regras.

Pontuadas algumas considerações sobre a reforma política, vale destacar ainda que há duas formas básicas e distintas de fazê-la. Uma reforma em sentido amplo, que significaria repensar as práticas políticas no âmbito dos poderes, dos partidos políticos e da própria sociedade organizada. Essa seria a reforma ideal, que levaria, ainda que num decurso maior de tempo, à reflexão, ao exercício efetivo da democracia, à busca constante do aprendizado coletivo, do aprimoramento das relações na vida em sociedade. E uma reforma restrita, que, por certo, é a que está em discussão. Restrita ao sistema eleitoral e, quando muito, político-partidário. Ainda assim, é fundamental que ocorra. É essencial que a sociedade se disponha a ir para o debate, a entender a dimensão do que está em discussão. E é imprescindível que as mulheres assumam sua natureza política e revolucionária e ajam como sujeito nesse processo que resultará, ou não, na construção de instrumentos capazes de promover a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, o que lhe dará condições reais para a disputa de espaços de poder e decisão na política. É presente nesses espaços deliberativos que as mulheres vão se apropriar de ferramentas indispensáveis à promoção da transformação da sociedade – que se permitirá, cada vez mais, romper com toda forma de preconceito.

Laisy Moriére é secretária Nacional de Mulheres do PT