Sociedade

A juventude não está associada à violência, tampouco é sinônimo de problema. Reforçar esse estigma atrapalha a mobilização dos jovens por temas desafiadores

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Segundo Mapa da Violência de 2011, os jovens negros são as maiores vítimas da v

Segundo Mapa da Violência de 2011, os jovens negros são as maiores vítimas da violência. Fórum Nacional da Juventude Negra

Antes de tratarmos do significado que o tema violência tem para a juventude, é preciso mencionar que há generalidades que associam os dois termos, ou pelo menos que a geração atual é sombreada pelas estatísticas sobre violência e pouco se enxerga para além disso. Nesse processo, a mídia, embora não seja a única, desempenha um papel fundamental, ao reforçar em sua programação, seja no noticiário ou nas telenovelas, o jovem como promotor da “desordem”.

Os vários dados estatísticos que vinculam a juventude a esse lugar, agregada ainda a “tradição” de associar juventude como problema, reforça um estigma que tem pautado de forma negativa e secundária a capacidade de mobilização da juventude em torno de temas sensíveis e desafiadores.

Tratar como desafio e não como problema é uma primeira escolha que podemos fazer. Neste contexto, infelizmente, a história nos mostra, principalmente a partir da década de 1990, que o poder público ao desenvolver políticas de juventude, optou pelo viés do problema, visão que vem sendo desconstruída na atualidade, na busca não somente pelo reconhecimento desses sujeitos, mas, pautando e afirmando novos direitos para a juventude.

Esse processo histórico é registrado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no livro Juventude e Políticas Públicas no Brasil, ao afirmar que, “o contraste entre juventude e ordem social permanece arraigado de forma praticamente indelével, seja quando se abordam as experiências de contestação ou a rebeldia juvenil, seja quando o tema é a delinquência ou a criminalidade.”Juventude e Políticas Sociais no Brasil;. Jorge Abrahão de Castro, Luseni Maria C. de Aquino, Carla Coelho de Andrade (orgs.). Brasília: Ipea, 2009, pg.26.

Entretanto, de forma ativa, os movimentos de identidade juvenil, pesquisadores do tema e gestão pública, têm construído novos caminhos que se opõem radicalmente a essa associação e por vezes reivindicavam, reivindicam e pautam o reconhecimento do jovem na agenda pública enquanto sujeitos de direitos, sendo, portanto, tarefa do Estado desenvolver políticas públicas que garantam aos jovens oportunidades para seu desenvolvimento integral.

É na perspectiva de se contrapor ao estigma do “jovem-problema”, que nos últimos anos, vimos ampliar ações de iniciativas não governamentais, que afirmam que os jovens são vítimas e não protagonistas da violência. O enfrentamento da mortalidade, principalmente da juventude negra, expressa um compromisso, uma capacidade de indignação e ao mesmo tempo se apresenta de um lugar que aponta vida e várias possibilidades de reinvenção de seu próprio cotidiano.

Nesse sentido podemos relatar diversas experiências, entre as quais, destaca-se a campanha A Juventude Quer ViverCampanha A Juventude Quer Viver, disponível em
www.casadajuventude.org.br
Vale destacar o papel da Pastoral da Juventude e do Instituto Contemporâneo de Juventude que também aderiram à campanha.
, iniciada em 2004 pela Casa da Juventude (Caju) e que se espalhou por todo país, hoje assumida por outras organizações e movimentos sociais. A iniciativa, em seus objetivos, demonstra a preocupação com a imagem do jovem na mídia, ao incentivar as pessoas a dizerem “uma palavra diferente da disseminada nos meios de comunicação, que atingem diretamente os jovens educadores e educandos, na formação de opiniões sobre o tema”. Além de procurar sensibilizar os governantes de “que é fundamental o desenvolvimento de ações afirmativas e de políticas públicas que contemplem as/os jovens.”

Infere-se dessa experiência, que essa juventude, diferente do que se pensa, não está inerte diante da realidade. Pelo contrário, ela reconhece seu contexto, mas o contesta, por meio de mobilização, como forma de denunciar a violência a que está sujeita, além de não se vincular a ele como única saída.

No âmbito das políticas públicas

Ao dar vazão a essas mobilizações, reconhecendo a importância do tema, o Estado Brasileiro, principalmente nos últimos anos, vem desenvolvendo uma série de ações na qual os jovens passaram a ser considerados como atores necessários na discussão e formulação de ações governamentais para o segmento. E elementos conceituais como sujeitos de direitos e políticas públicas de juventude ganham importância na agenda política.

No âmbito do governo federal, não se pode ignorar, o esforço para consolidar as políticas públicas de juventude em política de Estado. Ocorreram significativos avanços, principalmente a partir da criação da Lei nº 11.129/2005. Por meio da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), vinculada à Secretaria-Geral da Presidência, com a participação do Conselho Nacional de Juventude, foi possível abrir novos espaços para o debate, que culminou com a aprovação, por parte do Congresso Nacional, da Emenda Constitucional 65 que alterou a denominação do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal, e modifica o seu artigo 227, para cuidar dos interesses da juventude, passando a “Da Família, Da Criança, Do Adolescente, Do Jovem e Do Idoso”. Essa alteração criou condições para que sejam aprovados os projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados, relativo ao Estatuto da Juventude (PL 4529/2004) e ao Plano Nacional de Juventude (PL 4530/2004).3

Agora, não apenas a sociedade civil, mas também os governantes chamam atenção para a integração de ações que possam garantir os direitos básicos da juventude, que hoje, tem o direito à vida ameaçada pela violência. As informações contidas no Mapa da Violência 2011 – Os Jovens do Brasil4 – são bastante esclarecedoras. Elas destacam que os jovens brasileiros são vítimas da violência e não protagonistas.

A morte é jovem e negra

De acordo com a pesquisa, que teve como base os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, os homicídios vitimam mais os jovens do sexo masculino, especialmente aqueles concentrados no grupo de 20 a 24 anos. Segundo os dados de 2008, 92% das vitimas de homicídio são homens.

Os acidentes de trânsito também respondem por 19,3% de todas as mortes juvenis no Brasil. O índice de vitimização juvenil passou de 116 em 2004 para 131 em 2008, o que representa 31% a mais de vítimas juvenis.

Outro fator que chama a atenção no Mapa da Violência é que os jovens negros são as maiores vítimas da violência: o número de vítimas brancas caiu 22,3%, enquanto o número de vítimas de homicídio entre os negros aumentou 20%. Segundo os dados de 2008, morrem proporcionalmente 103,4% mais negros do que brancos.

Os dados apresentados reforçam, mais ainda, a necessidade de construir uma Política Nacional de Juventude. Para enfrentar o desafio posto, o governo federal aponta em sua agenda o enfrentamento da mortalidade da juventude negra como uma ação a ser implementada. Por sua vez, a Secretaria Nacional de Juventude deverá ter um papel fundamental nessa construção, visto que a primeira prioridade aprovada na I Conferência Nacional de Juventude5 tratava justamente de um conjunto de propostas voltadas para a juventude negra.

Em outra frente, tão importante quanto essa, a SNJ e o Conjuve vêm consolidando a percepção na qual a juventude é cada vez mais reconhecida como heterogênea, com características distintas que variam de acordo com aspectos sociais, culturais, econômicos e territoriais.6 Essas diversidades, que aos poucos estão sendo incorporadas na elaboração e execução das políticas públicas de Juventude, deverão ser retomadas na 2º Conferência Nacional de Juventude7 ao pautar o tema: Conquistar Direitos, Desenvolver o Brasil.

Para Brasil, o momento é único, segundo o Censo 2010, são aproximadamente 50 milhões de jovens de 15 a 29 anos. A oportunidade está colocada. É preciso aproveitar a capacidade de organização e mobilização da juventude, bem como os acúmulos sobre o tema, para consolidar um novo processo de desenvolvimento no país.

Maria Divaneide é socióloga, mestre em Ciências Sociais, chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Juventude

Gleidy Braga é jornalista, assessora da Secretaria Nacional de Juventude

Notas

•A Lei nº 11.129/2005 institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem); cria o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e a Secretaria Nacional de Juventude; altera a Lei 10.683, de 28 de maio de 2003, e a Lei 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências.

•Waiselfisz, J.J. Mapa da Violência 2011: Os Jovens do Brasil. Instituto Sangari/Ministério da Justiça. Disponível em  http://www.sangari.com/mapadaviolencia/index.html#completo

•A I Conferência Nacional de Juventude aprovou 22 prioridades para as Políticas de Juventude. •Guia de Políticas Públicas de Juventude. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República, 2006, pg.6 •A 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude, que está em curso, acontece em Brasília, de 9 a 12 de dezembro de 2011.