Mundo do Trabalho

A economia solidária é um jeito de produzir, como base na cooperação, superando o paradigma da competição, respeitando o meio ambiente e os direitos humanos.

A Secretaria Nacional de Economia Solidária surgiu como resultado da ação do movimento e tem feito a aglutinação do tema no governo federal desde 2003. A principal consequência de uma possível integração entre microempresa e economia solidária é a ameaça da perda da identidade.

Pela valorização do diálogo sobre economia solidária condicionado à preservação

Pela valorização do diálogo sobre economia solidária condicionado à preservação da identidade Foto: Antonio Cruz/ABr

Há afinidades que permitam uma lógica de integração entre estas duas abordagens, economia solidária e microempresa? Alguma possibilidade de casamento?

A economia solidária pode ser definida nas dimensões econômicas, culturais e políticas. Economicamente, ela é um jeito de realizar a produção, oferta de serviços, comercialização, finanças ou consumo baseado na democracia e na cooperação, enfim na autogestão: ou seja, na economia solidária não existe patrão nem empregados.

Culturalmente, é um jeito de consumir produtos locais, saudáveis, que não afetem o meio ambiente, que não tenham transgênicos e nem beneficiem grandes empresas, isto é, supera o paradigma da competição para o da cooperação, da inteligência coletiva, livre e partilhada. Politicamente, é um movimento social que luta pela mudança da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, que não seja baseado nas grandes empresas nem nos latifúndios mas sim no desenvolvimento para as pessoas, construída pela população a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos.

A princípio, a economia solidária e a microempresa são campos de construção de valores e de projetos de sociedade bastante diversos.

Casamento? Com ou sem separação de bens?

Enquanto a economia solidária se propõe à cooperação, à autogestão, às relações de trabalho sem patrão, à participação em redes e cadeias produtivas que supere o círculo vicioso da cadeias produtivas de concorrência e exploração de um segmento sobre os outros, as micros e pequenas empresas têm sido estimuladas e valorizadas para a eficiência concorrencial, a disputa, à integração na cadeia produtiva do capital. A perspectiva é: os pequenos, se forem capazes, poderão amanhã se tornar empresários bem-sucedidos, à exemplo de algumas celebridades tomadas como referências de sucesso.

Há afinidades que permitam uma lógica de integração entre estas duas abordagens, economia solidária e microempresa? Alguma possibilidade de casamento?

A economia solidária pode ser definida nas dimensões econômicas, culturais e políticas. Economicamente, ela é um jeito de realizar a produção, oferta de serviços, comercialização, finanças ou consumo baseado na democracia e na cooperação, enfim na autogestão: ou seja, na economia solidária não existe patrão nem empregados.

Culturalmente, é um jeito de consumir produtos locais, saudáveis, que não afetem o meio ambiente, que não tenham transgênicos e nem beneficiem grandes empresas, isto é, supera o paradigma da competição para o da cooperação, da inteligência coletiva, livre e partilhada. Politicamente, é um movimento social que luta pela mudança da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, que não seja baseado nas grandes empresas nem nos latifúndios mas sim no desenvolvimento para as pessoas, construída pela população a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos.

A princípio, a economia solidária e a microempresa são campos de construção de valores e de projetos de sociedade bastante diversos.

Casamento? Com ou sem separação de bens?

Enquanto a economia solidária se propõe à cooperação, à autogestão, às relações de trabalho sem patrão, à participação em redes e cadeias produtivas que supere o círculo vicioso da cadeias produtivas de concorrência e exploração de um segmento sobre os outros, as micros e pequenas empresas têm sido estimuladas e valorizadas para a eficiência concorrencial, a disputa, à integração na cadeia produtiva do capital. A perspectiva é: os pequenos, se forem capazes, poderão amanhã se tornar empresários bem-sucedidos, à exemplo de algumas celebridades tomadas como referências de sucesso.

Entretanto, boa parte delas, em especial as microempresas, nas quais mais de 80% representam esforços de trabalho de caráter familiar, de economia popular, não deveriam ser caracterizadas como empresas capitalistas. Estão muito mais próximas à capacidade de reprodução da vida do que à reprodução do capital.

O desmonte fabril, a reestruturação produtiva dos últimos trinta anos, a estratégia de renovação tecnológica do sistema produtivo, com reflexos na cidade e no campo, levaram à ampliação e à precarização desse segmento de trabalhadores.

Limitados na formulação de sua organização autônoma frente ao grande capital, a despeito do seu volume e sua importância nos territórios/localidades, se torna refém das estruturas conduzidas pelas grandes organizações que mantém a hegemonia nas decisões, valores e comportamentos que se disseminam pela sociedade.

Nesse aspecto as microempresas, enquanto economia popular, de sobrevivência, têm um campo comum com grande parte dos segmentos da economia popular solidária. Esses, organizados coletivamente, constroem condições de autoafirmação e das alternativas para sua emancipação como sujeitos de direitos ao desenvolvimento no seu território, integrantes de um projeto para a nação.

No entanto a economia solidária não está limitada à uma única formulação jurídica de “tamanho” (micro, mini), como a microempresa. A economia solidária é uma realidade econômica e social que vem se reconhecendo como tal nas últimas décadas. Existem mapeados cerca de 30 mil empreendimentos, de diferentes portes, com cerca de 3 milhões de pessoas identificadas pelo Sistema Nacional de Informação da Economia Solidária (Sies). Esse dado é bem maior, se considerarmos que parte razoável (50%) das pessoas trabalha sob formas de relações não assalariadas, formais ou informais, muitas delas em práticas da cooperação, do associativismo, da autogestão.

O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) está presente em todo o país. São 140 fóruns municipais e estaduais com mais de 3 mil empreendimentos, centenas de entidades de assessoria e fomento e gestores públicos em rede. Tem sido o principal espaço de representação e articulação dos vários atores do movimento de economia solidária, expressando os acúmulos de um movimento que se propõe a contribuir na construção participativa de políticas públicas junto ao Estado brasileiro.

A Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes/MTE), no Ministério do Trabalho e Emprego, é o resultado de uma incidência do movimento, nascido sob o clima propício do Fórum Social Mundial, junto ao governo Lula, em 2003. Ela tem feito a aglutinação das ações da economia solidária no governo federal. São mais de vinte ministérios, duzentos municípios e dez governos estaduais com leis e/ou espaço institucional de apoio a economia solidária.

As I e II Conferências Nacionais de Economia Solidária (2006 e 2010) aglutinaram mais de 30 mil representações de empreendimentos (associações e cooperativas urbanas e rurais em todos os ramos econômicos, bancos comunitários, fundos rotativos, entre outras iniciativas), milhares de entidades de assessoria e fomento (ONGs, Oscips, igrejas, sindicatos e universidades), e centenas de órgãos públicos municipais, estaduais e federais. Na última, entre as proposições, destacam-se o Projeto de Lei da Economia Solidária, largamente discutido no Conselho Nacional, e a criação de um ministério da economia solidária. Nada foi considerado na formulação do Projeto de Lei 865.

Frente ao PL 865, que cria a Secretaria Especial da Microempresa – incorporando a Senaes e o Conselho Nacional da Economia Solidária –, o FBES mobilizou todo o país realizando 23 audiências públicas, com mais de 2.500 pessoas, dezenas de deputados federais e estaduais, de representante de micro e pequenas empresas, governo federal (Senaes) e governos estaduais, além do movimento da economia solidária e demais movimentos populares/sindicais. A consulta reuniu as várias percepções sobre o PL 865 e debateu a questão da integração com a microempresa.

Essa união é possível? Quais suas consequências?

Das centenas de declarações sistematizadas destacam-se aquelas que mais fortemente se referem à diferença entre a economia solidária e a microempresa: a micro e pequena empresa se definem por uma forma jurídica específica e faturamento, enquanto a economia solidária é uma estratégia de desenvolvimento. Não são duas coisas equivalentes ou comparáveis. A economia solidária tem como atores fundamentais os empreendimentos de economia solidária, que podem ser grandes ou pequenos, e que podem se constituir a partir de diferentes formatos jurídicos, inclusive a própria forma jurídica da microempresa.

O Decreto 7.358/2010, que cria o Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário, reconhece legalmente o empreendimento econômico solidário, não pela forma jurídica, mas sim pelas relações efetivas de autogestão, democracia interna e trabalho associado dos trabalhadores envolvidos. Reforça, assim, a preponderância do trabalho associado sobre o trabalho subordinado/assalariado.

A economia solidária, entretanto, vai muito além dos empreendimentos econômicos solidários em si. Trata-se de um campo amplo de relações articuladas no rumo de um tipo de “desenvolvimento” nas suas dimensões econômicas, sociais, culturais, políticas e ambientais, em que as “empresas” em redes ou cadeias produtivas, passam a ser vistas como um dos fatores desse desenvolvimento.

Assim como não há um “Ministério do Agricultor Familiar”, mas sim de “Desenvolvimento Agrário”, nem há um “Ministério da Grande Empresa”, mas sim um “Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior”, não há sentido buscar fazer equivalência entre os termos “Economia Solidária” e “Micro e Pequena Empresa”.

Por último, os valores centrais que orientam o projeto político de economia solidária: a cooperação, a autogestão, o associativismo não são os mesmos do projeto da microempresa (o individualismo, a concorrência, a disputa). Aqui prevalece como concepção de desenvolvimento a lei do mais forte, aqueles que podem sobressair, a perspectiva da ascensão, o modelo do empresário do grande capital a ser seguido.

A principal consequência de uma possível integração é a ameaça da perda da identidade da economia solidária. Sobretudo no que diz respeito às definições acúmulos das duas conferências nacionais.

Por outro lado, há unanimidade entre o movimento da economia solidária e da microempresa quanto à necessidade de políticas públicas voltadas aos pequenos negócios, à economia popular. Há compromissos da economia solidária, a partir de seus acúmulos, de contribuir para políticas das micro e pequenas empresas, por um desenvolvimento territorial, sustentável diverso e solidário. A política de economia solidária, como faz com as demais, dialogará com as políticas para as micro e pequenas empresas no campo de sua articulação com a economia popular.

Por último, valorizou-se a criação de um grupo de trabalho permanente de diálogo sobre economia solidária condicionado à preservação da identidade e acúmulos expressos nas iniciativas existentes e nas Conferências Nacionais de Economia Solidária.

Quando e sob que formas de união é possível?

A síntese da sistematização da audiências públicas foi debatida em videoconferência, com cerca de duzentos participantes, e ofereceu elementos para a formulação das duas alternativas de proposições levadas à Presidência da República. Alternativa desejável: Secretaria Especial de Economia Popular Solidária e Desenvolvimento Econômico Solidário. Alteração do PL 865 para a criação da "Secretaria Especial de Economia Popular Solidária e Desenvolvimento Econômico Solidário".  A estratégia desta secretaria especial, é a economia popular e solidária para contribuir com o desenvolvimento nos territórios, comunidade e regiões. Os territórios contemplam as associações, micro e pequenas empresas, empreendimentos solidários, cooperativas, artesãos, entre outros.

Essa proposta tem por suporte a redefinição dos Programas Temáticos do próprio governo federal, que assumiu a articulação entre a “Economia Solidária e o Desenvolvimento Territorial, Regional e Sustentável”, a partir dos debates sobre o Plano Plurianual 2012-2015, na Oficina do Inter-Conselhos, promovida pela Secretaria da Presidência da República, em que mais de 400 conselheiros afirmaram a Economia Solidária como estratégia de desenvolvimento territorial, sustentável e solidário.

Alternativa aceitável: Fortalecimento da Senaes onde ela estiver e Conselho Nacional de Economia Solidária na Presidência da República. Sob esse limite propõe-se que a gestão da política de economia solidária continue como uma secretaria subordinada a um ministério, seja onde estiver: na Secretaria de Micro e Pequena Empresa ou outro ministério.

É fundamental garantir seis aspectos: 1) Ampliação da estrutura e cargos da Senae; 2) Aumento de orçamento da Senaes; 3) Criação de uma linha de financiamento para empreendimentos reconhecidos pelo Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (Decreto 7.358/2010); 4) Transferência do Conselho Nacional de Economia Solidária para a Presidência da República garantindo a centralidade da política e a transversalidade com os vários Ministérios; 5) Enfase estratégica e orçamentária ao recém-criado Programa Temático do PPA de Desenvolvimento Regional, Territorial e Sustentável e economia solidária; 6) Empenho e apoio do governo federal para o encaminhamento e a aprovação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei da Economia Solidária construído pelo Conselho Nacional de Economia Solidária (CNAES) cuja campanha de assinaturas está em vigor. Nesta segunda alternativa, se a opção de governo for integrar a Senaes à nova Secretaria Especial de Micro e Pequena Empresa, sugere-se que não se vincule o nome Economia Solidária ao título da Secretaria, como hoje também no MTE. Seria um recuo e uma perda de identidade para as políticas de economia solidária. Bem, esse é um casamento cujo contrato nupcial é complicado!

Ademar Bertucci, Cáritas Brasileira, coordenação executiva do FBES (Texto inspirado no Relatório Síntese das audiências públicas)