Internacional

A opção dos países desenvolvidos para enfrentar a crise foi conservadora e pode ter transformado um problema cíclico em uma crise de modelo

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Governam os trabalhadores, não os banqueiros. Foto: Tony Gentilli/Reuters

Quando a crise econômica mundial explodiu em 2008 com a possibilidade de falência de várias grandes corporações financeiras com participação em especulações de alto risco, a principal atitude dos países desenvolvidos foi cobrir o rombo que elas provocaram com recursos públicos sob a justificativa de salvar o sistema para evitar “males maiores”.

Havia na época certa unanimidade, principalmente entre os governos dos países do G-20, sobre a necessidade de os Estados Nacionais interferirem na economia para evitar o agravamento da crise que poderia levar a uma recessão mundial e agravar mazelas sociais como o desemprego.

Porém, houve uma diferença fundamental nas decisões governamentais sobre onde aplicar os recursos públicos para combater a crise. Enquanto países como o Brasil, China, Índia e outros adotaram medidas para preservar o setor produtivo e a renda da população, inclusive para manter o consumo e o emprego, os Estados Unidos e os países europeus optaram por ajudar o sistema financeiro que provocou a crise, porém, sem exigir contrapartidas regulatórias para evitar a repetição dos problemas.

O que está ocorrendo hoje no mundo desenvolvido é a continuidade da crise, principalmente, pela opção neoliberal de transferir um volume “trilionário” de dinheiro público para os bancos e outros setores financeiros que continuam especulando, inclusive com títulos dos próprios governos que os socorreram e sem aplicar um centavo na oferta de créditos para retomar as atividades produtivas, apesar de estarem sentados sobre volumosos recursos.

A explicação da mídia e dos neoliberais para a crise econômica que agora atinge a Europa e os Estados Unidos é o seu endividamento e, portanto, a receita seria pagar a dívida e conter os déficits fiscais. É verdade que antes de 2008 havia países endividados no mundo desenvolvido, mas a importância desse fator para o que ocorre hoje é relativa e suas origens também diferem, assim como a capacidade de enfrentar o problema, principalmente depois dos recursos gastos para salvar banqueiros e especuladores.

Os EUA têm déficit em sua conta corrente há muito tempo e sempre o compensou com a atração de investimentos externos devido ao rendimento seguro de seus títulos governamentais e pela dimensão de seu mercado consumidor. No entanto, se estima que durante os últimos dez anos tenham gastado aproximadamente US$ 4 trilhões com suas guerras no Afeganistão e Iraque, além de Bush ter reduzido os impostos dos que ganham mais de US$ 250 mil ao ano em 2003, o que representará uma renúncia fiscal de quase US$ 700 bilhões até 2013. Essas políticas foram mantidas por Obama e ele teve de negociar uma autorização para ampliar o déficit público em mais US$ 2,3 trilhões com a maioria republicana no Congresso. O acordo obtido, entre outras medidas, implicou reduzir gastos do governo em políticas sociais no futuro.

Obama negociou a ampliaçao do déficit público em mais US$ 2,3 trilhões com a maioria republicana no Congresso |Foto: Jonathan Ernest/Reuters

A política adotada por sua equipe econômica implica principalmente colocar mais moeda em circulação, desvalorizando o dólar na expectativa de tornar a indústria americana mais competitiva. O resultado foi a ampliação dos fluxos especulativos em direção a países que se encontram em posição econômica mais favorável, como, por exemplo, o Brasil, provocando a valorização de suas moedas e complicando sua capacidade de exportar. Ou seja, mais uma vez tentam passar a conta para os países em desenvolvimento.

Na zona de euro

No caso dos países europeus periféricos, como Grécia, Portugal e Irlanda, o problema inicial foi o custo e a adoção da moeda única (Euro), que significou abandonar a moeda nacional e, consequentemente, instrumentos fundamentais de manejo macroeconômico como o câmbio e a taxa de juros soberana, além de perderem competitividade. A gota d’água foi o gasto com a crise de 2008-2009, incluindo renúncias fiscais e mais recentemente os ataques especulativos com os títulos de suas dívidas que provocaram altas das taxas de juros de novos empréstimos para saldar dívidas a vencer.

Os governos da Espanha e da Itália também já estão pagando taxas de juros mais elevadas para renovar seus títulos públicos e da mesma forma a França, que sofreu um recente ataque especulativo após a divulgação dos dados sobre a estagnação de seu PIB e rumores de que sua classificação AAA, junto às agências de classificação de riscos, seria rebaixada.

Isso tudo não é coincidência e sim a avaliação dos setores financeiros que especulam contra o euro, sobre aonde podem espremer para realizar bons lucros, facilitado pelas medidas conservadoras adotadas para assegurar que os países mais endividados não decepcionem os bancos credores e tampouco abandonem a moeda comum.

Aos países europeus centrais, como Alemanha e França, é de grande interesse preservar o euro, pois a moeda lhes dá a hegemonia econômica e política na União Europeia. Para tanto, sabem que é preciso reestruturar a dívida dos países europeus periféricos. Porém, há dificuldades políticas para isso. Os bancos são favoráveis e pressionam os governantes desses países para fazê-lo, pois não querem perder seus lucros, mas o eleitorado, como o alemão, acha que está pagando para sustentar a “irresponsabilidade” dos gregos que “gastam mais do que têm”.

Para tentar garantir os pagamentos e acalmar o eleitorado, os recentes empréstimos para Grécia, Irlanda e Portugal com recursos do FMI e do recém-criado Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, bem como o alongamento da dívida grega, foram condicionados à adoção de severos planos de austeridade que implicam demissão de funcionários públicos, eliminação e redução de políticas sociais, aumento dos impostos da classe média, privatizações, entre outras medidas. A qualidade de vida de suas populações será muito prejudicada e a crise não será resolvida desta forma, pois a contenção dos gastos públicos adiará ainda mais a retomada da capacidade produtiva desses países

A opção dos países desenvolvidos para enfrentar a crise foi conservadora e pode ter transformado um problema cíclico em uma crise de modelo ao insistirem em preservar o “cassino” financeiro internacional, bem como uma economia eminentemente virtual que não produz bens nem gera empregos, mas somente amplos ganhos para especuladores.

Poderia ter sido diferente se tivessem introduzido mecanismos de regulação do sistema financeiro e adotado medidas anticíclicas para manter o crescimento econômico. Essas medidas implicam economizar quando há crescimento econômico para poder gastar e estimular a economia quando há risco de recessão. Porém, fizeram o contrário, cortando despesas e reduzindo impostos. Recente estudo feito pelo economista alemão, Peter Bofinger, publicado na revista Der Spiegel, mostra que o déficit fiscal dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em pior situação está muito mais relacionado a renúncias fiscais do que a despesas governamentais. Ele analisa como seria a situação dos dez países com maior déficit atual, se sua carga tributária fosse igual a da Alemanha ou da média dos países da zona do euro.

Crise política e social

A condução da economia do mundo desenvolvido está hoje nas mãos dos neoliberais mais extremistas, que provocaram uma crise que se expande para o campo social e político. A crise social se caracteriza, em primeiro lugar, pelas altas taxas de desemprego e o longo tempo de busca por novas ocupações. Nos EUA, a taxa de desemprego é superior a 9% e não arrefece e em países europeus, como a Espanha, chega a 19%. No entanto, entre os jovens a taxa de desemprego é bem mais alta e chega a atingir o dobro da média em vários países.

As medidas de austeridade que reduzem valores e benefícios sociais agravam a situação dos desempregados e outros setores sociais vulneráveis. Por exemplo, o seguro desemprego na Espanha, que é de € 425, somente é pago durante dois anos no máximo, mas o tempo de procura por um novo trabalho é superior a isso e frequentemente os desempregados caem na informalidade, no desalento ou na miséria.

Entretanto, um desdobramento extremamente grave da crise econômica e social é a crise política que se dissemina nos países europeus e nos EUA. A social-democracia europeia se rendeu às políticas neoliberais e em países como a Grécia, Portugal e Espanha foi a protagonista das medidas de austeridade. Na Europa, atualmente, só há governos social-democratas na Noruega, na Grécia e na Espanha, e neste último país haverá eleições parlamentares em novembro e o Partido Popular, de direita, tem boas chances de voltar ao governo.

Pior ainda, é a ascensão da extrema direita que já possui representantes nos parlamentos em quase todos os países europeus e em alguns como Holanda e Dinamarca apoiam e influenciam as coalizões de partidos liberais que estão no governo. O que essa ascensão poderá significar no futuro, acabou de ser demonstrado na Noruega, onde um militante da extrema direita proclamando posições anti-islâmicas e antimulticulturais, assassinou mais de 70 pessoas, entre as quais muitos jovens filiados ao Partido do Trabalho Norueguês. Seu discurso tem o mesmo conteúdo das campanhas eleitorais dos partidos de extrema direita contra os migrantes, em particular, os de origem muçulmana, explorando a insegurança dos trabalhadores diante da ameaça do desemprego.

Nos EUA, assistimos a ascensão da extrema direita no interior do Partido Republicano por meio de um agrupamento denominado Tea Party, em referência a um episódio da independência americana para simbolizar sua posição anti-regulação do Estado. Este setor é totalmente contrário a políticas públicas sociais e defende posições extremamente belicistas. Em 2012 haverá eleições presidenciais nos Estados Unidos e não está descartada a possibilidade de que algum representante dessa direita americana venha a se eleger, pois a maioria dos americanos não vota e o candidato democrata à reeleição, Barack Obama, nem de longe correspondeu às expectativas que o levou à vitória na eleição de 2008, ostentando hoje índice de popularidade em torno de 40%.

Devemos nos precaver, pois a alta interdependência do mundo de hoje pode trazer para o Brasil alguns impactos do que ocorre nos países desenvolvidos, e é difícil não traçarmos paralelos entre a atual situação e a dos anos 1930.

Kjeld Jakobsen é consultor em Cooperação e Relações Internacionais