Sociedade

Levantamento mostra o quanto a droga de baixo custo se alastrou pelos municípios paulistas nos últimos anos, provocando uma verdadeira epidemia

O crack é hoje a droga ilícita predominante nos municípios paulistas. Se alastrou nos últimos anos, desbancou as demais e provocou uma verdadeira epidemia, atingindo, sem exceção, todas as regiões do estado

Crack: droga barata e de alto poder de destruição

Crack: droga barata e de alto poder de destruição. Foto: Marcelo Casal/ABr

Preocupada com a proliferação do uso de drogas, especialmente com o avanço do crack, a Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, da Assembleia Legislativa de São Paulo, realizou um levantamento nos municípios paulistas para mapear a intensidade do problema. A criação da Frente, no início de 2011, foi incentivada pelos próprios prefeitos e secretários municipais de saúde.

Gestores públicos de 325 municípios, onde se concentram 76% da população do estado, responderam ao questionário, com dez perguntas, enviado pela Frente Parlamentar. O resultado, apresentado em audiência pública, em 21 de setembro, é extremamente preocupante.

A análise dos dados aponta o crack como a droga ilícita predominante nos municípios paulistas. Alastrou-se nos últimos anos, desbancou as demais e provocou uma verdadeira epidemia, atingindo, sem exceção, todas as regiões do estado.

O crack é obtido a partir da mistura da pasta-base da cocaína com bicarbonato de sódio e água. Hoje em dia a pedra do crack pode ser comprada por até R$ 2,00. O baixo custo é um fator que contribui para sua proliferação.

Além de barata, a droga é devastadora. A longo prazo, o usuário se torna um “zumbi” – ou, na linguagem popular, um “noia”. Muitos deles vivem em cracolândias, que se alastram país afora. O crack não faz escolhas no universo social. Agora atinge todas as classes, indistintamente. Conforme emergiu do levantamento, não importa mais o tamanho do município. A droga está em todas as cidades e em algumas regiões administrativas do estado – quinze no total – é tão usada quanto o álcool.

O levantamento revela que o avanço do crack é ainda mais acentuado em municípios com população entre 50 mil e 100 mil habitantes. Dos 325 onde o questionário foi respondido, 12% recebem ajuda financeira do governo federal; outros 5%, do governo estadual. Apesar da falta de repasses de recursos públicos, 37% dos municípios – em especial aqueles com população entre 50 mil e 100 mil habitantes – estão ajudando financeiramente comunidades terapêuticas que atendem dependentes químicos.

A maioria dos municípios (79%) não dispõe de leitos públicos para tratar os dependentes químicos, que se encontram na faixa etária entre 16 e 35 anos de idade. No entanto, o envolvimento de jovens entre 9 e 15 anos com álcool, crack e outras drogas é a preocupação apontada por 7% dos prefeitos da região de Registro, 6% dos municípios das regiões de Araçatuba e Campinas, 5% das cidades das regiões de Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, 4,5% dos municípios de Presidente Prudente e 4% dos municípios das regiões de Sorocaba e São José dos Campos.

Outro fator que merece a atenção das áreas de saúde e assistência social, principalmente, é o que se refere à reincidência no tratamento dos usuários de drogas. O levantamento mostra que é superior a 50% no estado. Em municípios com população entre 5 mil e 50 mil habitantes, é ainda mais elevada, revelando que, de um modo geral, o tratamento oferecido pelo sistema público aos dependentes químicos não é bem-sucedido e precisa ser revisto.

Estrutura de atendimento

Os dados não deixam dúvidas: os municípios paulistas estão desamparados, clamando por recursos públicos, recursos humanos, equipamentos, leitos nos hospitais públicos para enfrentar o avanço do crack.

Quando questionados pela Frente Parlamentar sobre equipamentos, os prefeitos pedem a implantação de Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPs AD) nos municípios. Hoje existem apenas 68 CAPs AD no estado de São Paulo, segundo a Secretaria de Estado da Saúde, vinte deles na capital.

Quanto ao montante necessário de recursos públicos, apontam cerca de R$ 120 milhões pelo menos nos primeiros dois anos, considerando a gravidade da situação. A Frente Parlamentar acolheu o pleito, apresentando uma emenda ao projeto do Plano Plurianual (PPA) 2012-2015, em tramitação na Assembleia Legislativa.

Também apresentou indicação ao governador para que estude a construção de Centros de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod) nas regiões administrativas do estado. Hoje existe apenas um equipamento dessa natureza, na cidade de São Paulo.

Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack visita Cracolândia, no centro de São Paulo | Arquivo do autor

 

É fato que os prefeitos não estão parados. No entanto, ações fragmentadas como as que vêm ocorrendo não resolverão o problema. Os 645 municípios  precisam ser inseridos em um grande plano de enfrentamento ao crack, com ações integradas, permanentes, que contemplem prevenção, recuperação dos dependentes e reinserção social e profissional, bem como a repressão ao tráfico.

Essa receita, aliás, foi debatida em abril passado, quando a Frente Parlamentar, em parceria com a Confederação Nacional dos Municípios, reuniu especialistas, gestores públicos, lideranças políticas e representantes da sociedade civil organizada para um seminário sobre o tema. Como resultado, foi divulgada a Carta de São Paulo sobre o Enfrentamento ao Crack e outras Drogas.

Entre as dez propostas do documento, destaca-se a implementação de ações de enfrentamento às drogas dentro de uma rede regionalizada e hierarquizada, envolvendo os órgãos de saúde, assistência social, segurança pública, educação, pesquisa, tecnologia, desporto, cultura, lazer, direitos humanos e sociais.

Outra diz respeito às universidades, tanto públicas como privadas, que devem ser chamadas a contribuir. As comunidades terapêuticas, ainda mais, pois são elas que hoje abrem as portas para amparar e curar os dependentes químicos. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que 70% das pessoas que completam tratamento em comunidades terapêuticas se curam do vício.

Em contrapartida, é necessário incentivar os prefeitos a criar conselhos antidrogas nos municípios, para envolver ainda mais a sociedade nesse debate, especialmente nas ações de prevenção às drogas, acolhendo o velho e sábio ditado de que “é melhor prevenir do que remediar”. Dos 645 municípios paulistas, apenas 97 contam hoje com conselhos antidrogas em pleno funcionamento; em outros oito municípios, foram criados, mas estão inativos; em outros três, estão em formação.

O Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas (Coned) tem sido parceiro da Frente Parlamentar e começou a investir nessa tarefa. Seus membros também prepararam um projeto de Política Estadual sobre Drogas para ser debatido na Assembleia Legislativa.

Este é um momento importante da nossa história. Não somos ingênuos para imaginar que vamos livrar o mundo do crack e de outras drogas, mas podemos, sim, de forma democrática, buscar o diálogo, o consenso, aplicar as receitas que conhecemos, aproveitar experiências bem-sucedidas e buscar um ambiente mais saudável e seguro para todos nós. É hora de unir forças. E, como nos ensina a filosofia alemã, “mais vale um grama de ação do que toneladas de teorias”. Ação já.

Donisete Braga é deputado estadual (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de São Paulo