Política

Estatuto sintetiza processo amplo de discussão e construção da juventude como sujeito de direito, rompendo com a ideia tradicional de tutela dos jovens

O Estatuto da Juventude é uma conquista fundamental, pois define os direitos específicos desse período da vida, marcado pela faixa etária de 15 a 29 anos, hoje composta por cerca de 50 milhões de brasileiros

Estatuto: juventude como sujeito de direito

Estatuto: juventude como sujeito de direito. Foto: Antonio Cruz/ABr

A aprovação do Projeto de Lei 4.529/2004, que cria o Estatuto da Juventude pela Câmara dos Deputados, em 5 de outubro de 2011, foi um passo importante na trajetória das conquistas de direitos para a faixa etária de 15 a 29 anos, hoje composta por cerca de 50 milhões de brasileiros. Ao normatizar a Emenda Constitucional 65, o Estatuto sintetiza um amplo processo de discussão e construção da ideia de juventude como sujeito de direito. Esse arcabouço jurídico ultrapassa a ideia tradicional do jovem como um agente a ser tutelado e caminha na direção da noção do jovem como um ator político.

Esse processo teve início durante a Constituição de 1988, com a aprovação do voto facultativo de jovens entre 16 e 17 anos. Entretanto, apesar de alguns avanços ao longo dos anos 1990, protagonizados principalmente pela sociedade civil e pela instituição de alguns conselhos de juventude, percebe-se durante a década neoliberal  certo recuo nessa pauta específica. De modo que a questão da juventude se manteve nos marcos conservadores da perspectiva da vulnerabilidade e do risco, como se o jovem fosse um problema a ser tratado, e não um protagonista social a ser ouvido.

A partir de 2002, observa-se o resgate da visão progressista sobre a questão da juventude. Diversas instituições de ensino, ONGs e parcela da sociedade civil organizada voltaram a debater o tema de maneira mais acalorada e passaram a apresentar propostas mais consistentes para a definição de políticas públicas voltadas para a juventude.

A sensibilidade do governo federal para a questão foi essencial para esse salto qualitativo. Promoveu as primeiras Conferências Nacionais de Juventude, uma fonte importante para a organização de reivindicações e para a produção de subsídios que adensaram a Emenda Constitucional 65. Criou o Programa Nacional do Primeiro Emprego, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens, o Programa Universidade para Todos, além do Conselho Nacional de Juventude. São exemplos concretos de políticas públicas para a juventude elaboradas a partir de uma visão mais à esquerda. Também nesse período foram desenvolvidos o Plano Nacional de Juventude e a própria proposta do Estatuto da Juventude, cujo trâmite avança no Congresso Nacional.

Vale a pena enfatizar que estamos diante de um marco jurídico que auxilia na construção de uma nova compreensão sobre o que é ser jovem, um período da vida que carrega estereótipos, tratado equivocadamente como mera fase de transição da infância para a vida adulta.

Para consolidar essa perspectiva, o Estatuto define a criação do Sistema Nacional de Juventude, a ser regulamentado pelo Estado, que aponta para a necessidade de um pacto federativo, entre municípios, estados e União, para a execução de políticas de juventude. O sistema prevê ainda que o controle social e a participação devem ser exercidos por meio dos Conselhos de Juventude, o que significa uma possibilidade para o empoderamento dos jovens brasileiros.

O Conselho Nacional de Juventude foi protagonista da construção e pressão para a votação do projeto e contribuiu para qualificar essa peça jurídica, por exemplo, inserindo questões como o direito a comunicação e liberdade de expressão, a cidade,  mobilidade, segurança pública, assim como a necessidade de implementação da Agenda Nacional de Trabalho Decente para a juventude. O PL também assegura o direito a diversidade e pluralidade, cidadania, participação social e desenvolvimento integral com políticas públicas nas mais variadas áreas do Estado.

No entanto, a votação só foi possível graças ao esforço da relatora Manuela Davila (PCdoB-RS), que, com o apoio da Frente Parlamentar de Juventude, criou condições entre as lideranças partidárias para um cenário favorável, que permitiu sua aprovação por unanimidade, além de outros deputados que mostraram sensibilidade ao tema e às demandas do público jovem.

O desafio agora é construir um movimento de pressão política sobre o Senado para que o Estatuto seja sancionado pela presidenta Dilma antes da 2ª Conferência Nacional de Juventude, de 9 a 12 de dezembro, em Brasília. Não por acaso, essa conferência leva como mote a bandeira: “Conquistar direitos e desenvolver o Brasil”.

Além disso, é preciso que o governo federal, por meio da Secretaria Nacional de Juventude, apresente uma proposta de regulamentação do Sistema Nacional de Juventude, com a garantia de recursos, atribuições e competência dos municípios, estados e União, de modo a colocar como centro do debate a participação plural da juventude na definição das políticas e do marcos legais.

O Conselho Nacional de Juventude comemora mais essa vitória, que aponta para um pacto intergeracional para a construção de um Brasil que respeite e valorize as novas gerações e crie as condições para a promoção de um país que assegure os direitos plenos a todos os cidadãos. Chegou a hora de a sociedade e o Estado reconhecerem os jovens como detentores de direitos específicos, capazes de participar de um projeto de país mais justo e inclusivo.

Gabriel Medina é psicólogo e presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve)