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O fortalecimento das classes populares assentadas no trabalho renova oportunidades de politização classista por parte de instituições que devem representá-las

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Na década de 2000, nove em cada dez novas ocupações se deu no setor de serviços

Na década de 2000, nove em cada dez novas ocupações se deu no setor de serviços. Foto: Marcelo Casal/ABr

A metamorfose pela qual passa a atual estrutura social brasileira está a exigir o desenvolvimento de interpretações mais profundas e abrangentes, capazes de ir além da abordagem superficial e muitas vezes tendenciosa a respeito da existência de uma nova classe média. Pode-se até estranhar a inclinação de certas visões teóricas recentes que buscam estabelecer para determinado estrato da sociedade – agrupado quase exclusivamente pelo nível de rendimento e consumo – o foco das atenções sobre o movimento geral da estrutura social do país.

Mas a causa de maior constrangimento termina sendo o viés político expresso por monopólios sociais pelos meios de comunicação e seus “oráculos” midiáticos. Ou seja, a manipulação do consciente populacional em torno dos desejos mercantis e, por que não dizer, propagandistas do consumismo e da negação da estrutura de classe em que o capitalismo termina por moldar a sociedade. Também pode ser agregada, nesse mesmo contexto, a opção política rasteira com que certos intelectuais engajados à lógica mercantil se associam à retórica de classes de rendimento desprovida de qualquer sentido estrutural e com tradução fundamentalmente no caráter propagandista a respeito dos imperativos do mercado. Em síntese, observa-se que o arbitrário tratamento estatístico de dados da realidade pode levar a reorientações de políticas públicas, quando não do próprio reposicionamento partidário.

Análises mais detalhadas sobre o recente movimento geral na estrutura social brasileira estão ainda por ser realizadas. E é essa perspectiva que o presente artigo persegue, procurando lançar algumas luzes sobre a mobilidade existente na base da pirâmide social brasileira no início do século 21. Isso porque se parte da hipótese central a respeito da inconsistência das atuais definições e identificações sobre a existência de uma nova classe média no país.

Resumidamente, entende-se que não se trata da emergência de uma nova classe social e, muito menos, de uma classe média específica1. O que há, de fato, é uma incessante orientação alienante orquestrada para o sequestro do debate sobre a natureza e dinâmica das mudanças econômicas e sociais recentes, incapaz de permitir a politização classista do fenômeno de transformação da estrutura social e sua comparação com outros períodos dinâmicos do Brasil. O mesmo parece se repetir em outras dimensões geográficas do globo, sobretudo na periferia do capitalismo, conforme o interesse de instituições multilaterais como o Banco Mundial, entre outras, em difundir os êxitos da globalização neoliberal. Sobre isso, aliás, começa a surgir mais recentemente uma leitura crítica à superficialidade exposta no tratamento do tema da classe média2.

No Brasil, na melhor tradição teórica progressista, encontram-se dois excelentes estudos interpretativos dos fenômenos relacionados às grandes transformações da sociedade brasileira, bem como abrangem a politização gerada pelos movimentos de ascensão social durante a década de 1970. Naquela época, o Brasil conviveu com forte ritmo de expansão econômica influenciado fundamentalmente pelo dinamismo do setor industrial, que foi o responsável também pela geração de grande parte das ocupações, sobretudo de maior remuneração (período identificado por alguns como sendo o “milagre econômico” brasileiro). Concomitantemente, assistiu-se também à mobilidade de vários segmentos sociais, sobretudo daqueles provenientes do meio rural, enquanto subproduto da modernização conservadora e selvagem do campo.

No livro interessante de João M. C. de Mello e Fernando Novais3, por exemplo, compreende-se o impacto geral do movimento de alteração das estruturas produtivas sobre o conjunto da sociedade brasileira. Também se pode constatar como a força do modo de produção capitalista intercalado com o autoritarismo levou à conformação de singulares anomalias de exclusão social no país.