Sociedade

“Exercício do poder” feminino por meio das cotas ou a questão do poder para a classe operária?

O 4º Congresso do PT, em setembro de 2011, aprovou a paridade de gênero nas instâncias partidárias (“Mulher e condições de igualdade”, “A paridade não é uma vitória isolada”) e a 13ª Plenária Nacional da CUT, em outubro, decidiu abrir o debate sobre a questão. A aprovação da paridade foi bastante festejada no partido, mas na ocasião nenhuma palavra foi dita sobre como fazer avançar a luta pela legalização do aborto, proposta limada do programa de Dilma

A descriminalização do aborto não é uma bandeira exclusiva da mulher

A descriminalização do aborto não é uma bandeira exclusiva da mulher. Foto: Ciranda.net

No 4º Congresso do PT, em setembro de 2011, foi aprovada a paridade de gênero nas instâncias partidárias. Um clima de comoção, com as defensoras da cota ocupando a frente do plenário, não permitiu que uma verdadeira discussão fosse realizada. A decisão foi comemorada como conquista histórica. Será?

O plenário não teve condição de discutir e avaliar, por exemplo, uma questão central: em que a política de cotas ajudou a avançar na luta das mulheres trabalhadoras, em relação ao fortalecimento das organizações construídas pela classe trabalhadora para lutar pelos interesses do conjunto da classe?

A 13ª Plenária Nacional da CUT, em outubro de 2011, decidiu, em vez de aprovar sumariamente a paridade de gênero, abrir a discussão. Um texto intitulado “Paridade Já!!!!”, de Junéia Martins Batista, publicado no site da CUT, apresenta argumentos semelhantes aos que são desenvolvidos no PT, o que permite algumas reflexões sobre a questão, num debate que nos obriga a retomar a tradição do movimento operário.

A questão da mulher trabalhadora, tomada como algo em si, apartada das questões da classe, não indica um bom caminho. A opressão feminina é um fato, as mulheres trabalhadoras são o setor mais explorado da classe trabalhadora.

A luta contra a opressão da mulher não remonta apenas, como diz o texto “Paridade Já!!!”, ao início do século 20. Vem de antes mesmo do final do século 19, quando as socialistas começaram a formular questões. Está inscrita, por exemplo, na Comuna de Paris, como uma experiência da luta de classe, e não da “luta de gênero”.

Irmãos de classe, e não adversários de gênero

“Eu desci do monte, com a minha espingarda sob o casaco, gritando: Traição! Nós pensávamos morrer pela liberdade (...) todas as mulheres estavam lá. Interpondo-se entre nós e os militares, as mulheres lançaram-se sobre os canhões e metralhadoras, os soldados permaneceram imóveis. A revolução estava feita.” Esse é um relato de Louise Michel, uma das mais conhecidas comunardas, no início da Comuna de Paris. Nas colinas de Montmartre, as mulheres foram as primeiras a dar o alarme da tentativa de desarmamento da Guarda Nacional, organizada para defender a cidade da invasão das tropas prussianas, e impediram que as armas fossem retiradas.

Depois do massacre dos comunardos pelas tropas do governo burguês que havia se refugiado em Versalhes, Louise Michel, em seu julgamento, declara diante dos juízes: “Eu pertenço inteiramente à Revolução Social. Declaro aceitar a responsabilidade por minhas ações. Devo ser excluída da sociedade e digo a vocês para fazerem isso. Uma vez que, aparentemente, todo coração que bate por liberdade tem direito a um pouco de chumbo, exijo minha parte! Se me deixarem viver, não deixarei de clamar por vingança e denunciar, em vingança dos meus irmãos, os assassinos do Comitê das Graças”.

Mulheres e homens da classe trabalhadora e das camadas oprimidas na França de 1871 se levantaram, realizando a primeira experiência da criação de um órgão de poder. Como órgão de poder da classe, a Comuna de Paris, sem cota, sem teorias de gênero, adotou, entre outras medidas, o fim da prostituição, a não distinção entre mulheres legítimas e ilegítimas, a igualdade de salário.

No processo da Comuna, as mulheres trabalhadoras, sem cota, sem teorias de gênero, inscreviam assim sua luta: “A União de Mulheres requer à Comissão de Trabalho e Comércio do município, organizar e distribuir novamente o trabalho das mulheres em Paris e instruir o Comitê Central o armamento militar. No entanto, como esse trabalho não é suficiente para a massa de trabalhadoras, o Comitê Central também exige dar às Associações Produtivas a quantidade de dinheiro necessária para restaurar as fábricas e oficinas que os burgueses deixaram e que abrangem ocupações essencialmente construídas pelas mulheres”.

As comunardas não pediam licença, não pediam concessão de “espaço de poder”. Construíam seus espaços na luta, com o conjunto da classe trabalhadora.

Derrotada a Comuna, com o massacre de homens e mulheres das classes oprimidas, os homens e mulheres da classe dominante voltam a Paris. Ilustrações da época mostram as burguesas, nossas inimigas de classe, cutucando com suas sombrinhas os cadáveres de comunardos e comunardas.

46 anos depois

Em fevereiro de 1917, na Rússia, as mulheres trabalhadoras protagonizaram o início de uma nova experiência para toda a classe operária mundial, inaugurando, a partir de uma manifestação alusiva ao dia internacional da mulher, as mobilizações que derrubaram o czar e levaram a classe operária à tomada do poder em outubro.

Um dos principais dirigentes da Revolução Russa – experiência que devemos reivindicar, todos que lutamos pelo fim do sistema da propriedade dos grandes meios de produção, pelo fim da opressão de uma classe pela outra – escreveu em 1938: “Ora, a época do declínio capitalista atinge cada vez mais duramente a mulher, tanto como assalariada quanto como dona de casa” (Trotski, Programa de Transição).

Voltemos a 2011

Um argumento bastante utilizado, que aparece no texto de Junéia: “Hoje, mais do que nunca, nós mulheres temos demonstrado que podemos ocupar qualquer espaço, o maior exemplo disso é termos à frente da Nação Dilma Rousseff”.

Cuidado, a eleição de Dilma Rousseff não guarda relação com “teorias de gênero” nem com a política de cotas! Dilma foi eleita porque era a candidata do PT. Porque a classe trabalhadora brasileira foi capaz de construir suas organizações, o PT e a CUT em particular, como instrumento de luta pelas suas reivindicações. E no caso do partido para, uma vez no governo, aplicar uma política que corresponda a seus interesses, incluindo as questões pertinentes às mulheres trabalhadoras.

O mandato de Dilma não é um “mandato de gênero”, mas um mandato dado pela maioria do povo oprimido, homens e mulheres. E, atenção, do fato de ser mulher a presidente, as coisas não decorrem mecanicamente no que diz respeito às questões próprias de nossa luta como mulher. Um exemplo: a questão do aborto.

No texto citado, registra-se corretamente como um avanço a aprovação pela CUT, em 2001, da descriminalização do aborto, dois anos antes de a CUT aprovar, em 2003, a cota de 30% de gênero.

A questão da descriminalização do aborto, uma reivindicação própria da mulher, não é, todavia, uma bandeira exclusiva da mulher. É por isso que no 3º Congresso do PT e na primeira etapa do 4º Congresso, respectivamente, em agosto de 2007 e fevereiro de 2010, com votos a favor de homens e mulheres, nós também aprovamos essa bandeira, apesar do combate contrário de delegadas e delegados presentes.

Uma vitória que resultou na inscrição da bandeira da descriminalização do aborto no programa de governo do PT. Mas o que ocorreu depois? Foi retirada do programa por pressão dos partidos aliados. Depois, na campanha de 2010, Dilma e o PT foram alvos de uma ofensiva infame da igreja reacionária, manietada pelo PSDB, na questão do aborto. É forçoso reconhecer: não houve uma reação à altura das e dos petistas e das e dos cutistas para defender o direito ao aborto. No quadro específico das eleições, não se via nos materiais das campanhas de companheiras candidatas que defendem as cotas a defesa da descriminalização do aborto.

A aprovação da paridade foi bastante festejada no 4º Congresso do PT, mas ali nenhuma palavra foi dita sobre como fazer avançar a luta pela legalização do aborto, proposta limada do programa de Dilma.